
| D.E. Publicado em 05/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e ao recurso adesivo da parte autora, e acolher parcialmente o parecer ministerial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006998-13.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e de recurso adesivo interposto por NATANAEL JOSÉ PINTO, em ação ajuizada por este, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal ou, alternativamente, aposentadoria por invalidez.
A r. sentença de fls. 107/112 julgou procedente o pedido inicial, condenando a autarquia no pagamento do benefício assistencial, a partir da citação (02/02/2012), acrescido de juros e correção monetária; e no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre o valor apurado por ocasião da liquidação. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela.
Em razões recursais de fls. 118/119, o INSS pugna, preliminarmente, pela suspensão da decisão de antecipação da tutela e pelo reconhecimento do reexame necessário e, no mérito, a reforma da sentença, ao fundamento de que a renda familiar supera os limites legais, o que torna indevido o pagamento do benefício assistencial. Por fim, prequestiona a matéria.
Intimada a parte autora, apresentou contrarrazões (fls. 136/142) e recurso adesivo (fls. 144/147), no qual pleiteia o acréscimo legal de 25% por necessidade de assistência permanente de outra pessoa, a partir do requerimento administrativo.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 157/161), no sentido de regularização da situação processual, desprovimento do recurso de apelação do INSS e parcial provimento do recurso adesivo do autor para alterar a DIB.
Intimada a parte autora para regularização processual, por despacho proferido à fl. 163, manifestou-se no sentido de ser nomeado como curador especial o representante do Ministério Público Federal (fls. 170/171).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, observo ser descabida a remessa necessária no presente caso.
A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 26/06/2013, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, §2º, do CPC/73:
No caso, a r. sentença condenou o INSS no pagamento do benefício assistencial de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data da citação, em 02/02/2012 (fls. 26/27). Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício até a data de prolação da sentença - 26/06/2013 (fl. 112) - passaram-se pouco mais de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses, totalizando, assim, 16 (dezesseis) prestações no valor de um salário mínimo, que, mesmo que devidamente corrigidas e com a incidência dos juros de mora e verba honorária, se afigura muito inferior ao limite de alçada estabelecido na lei processual.
Insta salientar, também, que nesta fase procedimental de julgamento colegiado de apelação, não cabe a análise do pedido de suspensão da antecipação da tutela, restando o mesmo prejudicado, eis que a decisão que recebeu a insurgência apenas no efeito devolutivo restou irrecorrida, estando, desta forma, preclusa a matéria.
Passo a análise do mérito.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
O autor requereu a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alegou, é deficiente e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O exame médico pericial de fls. 84/89, realizado em 24 de janeiro de 2013, diagnosticou o demandante como "portador de esquizofrenia paranoide (CID F20.0)".
Apontou o expert que o autor "apresentou quadro no início diagnosticado como depressão e após como esquizofrenia, de caráter evolutivo, sem perspectiva de regressão, com prognóstico francamente desfavorável. O quadro evolui há 9 anos, com manifestações psicóticas, sem surtos de violência ultimamente, porém sem condições de assumir responsabilidades".
Esclareceu que o demandante precisa de acompanhamento para as atividades sociais, possui restrição acentuada para resolver problemas e tomar decisões, sendo incapaz de realizar a rotina diária.
Por fim, o profissional médico anotou que a deficiência implica impedimentos de longo prazo, por período igual ou superior a 02 (dois) anos, concluindo pela incapacidade total e permanente do autor.
Desta forma, patente o "impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade de igualdade de condições com as demais pessoas" (§2º, art. 20 da Lei nº 8.742/93) e inexistindo insurgência quanto a este ponto, desnecessárias maiores considerações.
Igualmente, restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 31 de janeiro de 2013 (fls.92/93) informou ser o núcleo familiar composto pelo autor e seus genitores, os quais residem em "casa alugada guarnecida com móveis básicos".
Os gastos domésticos, com aluguel, alimentação, água/luz, totalizam R$1.160,00 (mil cento e sessenta reais).
A renda familiar decorre dos proventos de aposentadoria por invalidez, recebidos pelo genitor do requerente, no valor de um salário mínimo.
O irmão do autor trabalha como militar, reside em outra cidade e paga provisoriamente o aluguel (R$630,00).
A família, quando necessita, também recebe ajuda com alimentação de irmãos da Igreja Congregação Cristã do Brasil.
Por fim, foi informado que realizam acompanhamentos médicos pela rede pública de saúde e adquirem medicamentos em farmácia municipal e, quando não encontrados, em farmácias convencionais.
Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, constantes nos autos (fls. 53/58 e 125), confirmam que o genitor do requerente recebia o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez no valor de um salário mínimo, considerado o valor nominal então vigente, o qual encontra-se ativo até a presente data, conforme extrato do Sistema Único de Benefícios - DATAPREV que passa a integrar a presente decisão.
Deste modo, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica.
Anote-se que os auxílios prestados à família por entidade religiosa e pelo irmão do autor, ainda que reduzam as despesas do núcleo familiar, são insuficientes para afastar a vulnerabilidade, eis que provisórios e esporádicos.
Percuciente mencionar também que o demandante necessita de constante acompanhamento, conforme consignado no laudo médico-pericial, o que caracteriza verdadeiro obstáculo para sua genitora, que conta atualmente com 50 anos de idade, procurar uma atividade laboral, visando ajudar no pagamento das despesas.
No que se refere ao postulado pelo requerente em recurso adesivo, saliente-se ser descabido o acréscimo de 25% pela necessidade de auxílio permanente de terceiros, eis que este somente é possível nas hipóteses de aposentadoria por invalidez, inexistindo previsão legal para o caso em apreço que trata de benefício de natureza diversa.
Neste sentido, já se posicionou a Terceira Seção deste Egrégio Tribunal Federal, in verbis:
Acerca do termo inicial do benefício, diferentemente do que alegou o nobre representante ministerial, inexiste insurgência da parte autora neste sentido, de modo que a matéria encontra-se tragada pela preclusão.
Por fim, considerando-se a conclusão da perícia judicial segundo a qual o autor é totalmente incapaz para a prática da vida civil, assiste razão ao Ministério Público Federal ao opinar pela regularização processual, de modo que, em razão do princípio do aproveitamento dos atos processuais e o atual estágio em que se encontra a demanda, nomeio como curador à lide o advogado constituído (fl.07), nos termos do art. 9º, I, CPC/1973 (correspondente ao art. 72, I do CPC/2015).
Cumpre consignar que, diante de todo o explanado, esta decisão não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento apresentado pelo INSS.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação do INSS e ao recurso adesivo da parte autora, e acolho parcialmente o parecer ministerial para nomear o Dr. JARBAS MIGUEL TORTORELLO como curador à lide, mantendo-se, no mais, a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 23/11/2016 13:50:06 |
