
| D.E. Publicado em 01/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento ao recurso de apelação do INSS, tão somente para fixar os juros de mora de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação e Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e para determinar que a correção monetária dos valores em atraso seja calculada segundo o mesmo Manual, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, salientando-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0000052-30.2013.4.03.6140/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por VIVIAN MENDONÇA TEIXEIRA, representada por sua genitora Maria Dalva Mendonça, objetivando o restabelecimento do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal e a inexigibilidade de crédito, no importe de R$30.636,74, cobrado pela autarquia, referente à concessão administrativa do benefício no período de 01º/05/2008 a 30/09/2012.
A r. sentença de fls. 118/124 julgou procedente o pedido inicial, condenando o INSS no restabelecimento e no pagamento do benefício da prestação continuada, desde o dia seguinte ao da cessação administrativa (02/10/2012), bem como na abstenção de exigir o crédito de R$30.636,74, referente à percepção do benefício no intervalo de 01º/05/2008 a 30/09/2012. Determinou-se que sobre as parcelas em atraso incidirão juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, nos termos dos artigos 405 e 406 do CCB e 161, §1º, do CTN. Fixou a correção monetária de acordo com a Resolução nº 267/2013 do Conselho da Justiça Federal. Por fim, condenou-o no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor atribuído à causa. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela. Sentença sujeita ao reexame necessário.
Em razões recursais de fls. 137/140, a autarquia pugna pela reforma da sentença, aos fundamentos de que a autora não apresenta incapacidade, não se enquadrando no conceito de deficiência, e de que a renda familiar supera os limites legais, tornando-se indevido o pagamento do benefício assistencial. Alega, ainda, que a restituição dos valores recebidos, no seu sentir, indevidamente, encontra amparo no art. 154, caput e §§, do Decreto nº 3.048/99. Por fim, insurge-se quanto aos critérios de fixação dos juros e da correção monetária, postulando a aplicação da Lei nº 11.960/2009.
Intimada a parte autora, apresentou contrarrazões às fls. 143/145-verso.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 149/153), no sentido de desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, observo ser descabida a remessa necessária no presente caso.
A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 17/07/2014, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, §2º, do CPC/73:
No caso, a r. sentença condenou o INSS no pagamento do benefício assistencial de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a partir do dia seguinte ao da cessação administrativa (02/10/2012 - fl.83). Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício até a data de prolação da sentença - 17/07/2014 (fl. 124) - passaram-se pouco mais de 01 (um) ano e 09 (nove) meses, totalizando, assim, 21 (vinte e uma) prestações no valor de um salário mínimo, que, mesmo que devidamente corrigidas e com a incidência dos juros de mora e verba honorária, se afigura muito inferior ao limite de alçada estabelecido na lei processual.
Passo a análise do mérito.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
A autora requereu a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é deficiente e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O laudo médico-pericial de fls. 87/91, realizado em 16/04/2013, diagnosticou a parte autora como portadora "de deficiência mental moderada pela CID10, F71 ".
Apontou o expert que a autora "depende de supervisão e orientação para os atos da vida diária. Não pode sair de casa sozinha e não conhece o valor do dinheiro. É alienada mental e incapaz de reger a si própria nos atos da vida diária ".
Em resposta ao quesito de nº4, "b", anotou que o impedimento apresentado, em relação às funções mentais, é permanente.
Corroborando o aventado pelo profissional especializado em psiquiatria, foi acostado aos autos cópia de certidão de interdição datada de 05/11/2012 (fl. 19).
Desta forma, constata-se que os males apresentados pela autora se enquadram no "impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade de igualdade de condições com as demais pessoas" (§2º, art. 20 da Lei nº 8.742/93).
Igualmente, restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 07 de fevereiro de 2013 (fls. 64/71) informou ser o núcleo familiar composto pela autora e sua genitora, as quais residem em imóvel próprio, com 01 dormitório, cozinha e banheiro.
"Os eletrodomésticos são insuficientes para atender as necessidades de grupo familiar".
As despesas totalizam R$1.028,96, sendo a água (R$180,08) e o IPTU (R$126,35) divididos com uma família que reside em outra parte do imóvel.
A renda familiar decorre "da pensão alimentícia (R$366,43) de Vivian e valores auferidos com 'bicos' (R$150,00) realizados pela genitora", sendo a receita de aproximadamente R$516,43 (variável).
Consignou a assistente social que a genitora "faz faxina em casa de pessoas aonde pode levar consigo a autora".
Em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, que ora integra o presente voto, constata-se que a genitora da demandante não apresenta vínculo empregatício, sendo o último de 01/2009, o que denota que, de fato, vive da informalidade e, necessitando a autora de acompanhamento constante da mãe, resta evidente a dificuldade desta, com atualmente 63 anos de idade, retornar ao mercado de trabalho para auxiliar no sustento do lar.
O valor da pensão alimentícia recebido pela requerente equivale a 20% do valor do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição auferido pelo seu genitor (fl. 34), sendo de R$485,59 (competência 10/2016), consoante Histórico de Créditos do Sistema Único de Benefícios - DATAPREV, que ora se anexa. Ante o impedimento de que padece, resta clara a impossibilidade da sua manutenção com valor equivalente a ½ (meio) salário mínimo.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social.
No mais, afigura-se indevida a repetição dos valores pagos administrativamente por suposto erro da administração. A uma, por se tratar de benefício de caráter alimentar, a outra, por restar configurada a boa-fé objetiva do beneficiário/segurado, e, por fim, porque se trata de benefício assistencial -e não previdenciário- que não decorreu de decisão antecipatória de tutela ou de decisão judicial provisória, não se tratando da matéria apreciada no recurso representativo de controvérsia REsp autuado sob o nº 1.401.560/MT.
Confira-se o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Já a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009. Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária e dou parcial provimento ao recurso de apelação do INSS, tão somente para fixar os juros de mora de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação e Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e para determinar que a correção monetária dos valores em atraso seja calculada segundo o mesmo Manual, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, salientando-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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