
| D.E. Publicado em 05/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004879-45.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por ROSELI DA COSTA objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 121/126 julgou procedente o pedido inicial e condenou a autarquia no pagamento do benefício assistencial a partir da citação (08/05/2012 -fl.40), acrescidas as parcelas em atraso de correção monetária e juros de mora fixados em 0,5% ao mês, contados do ato citatório, além de verba honorária arbitrada em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença (Súmula nº 111/STJ). Concedida a antecipação dos efeitos da tutela. Dispensado o reexame necessário.
Em razões recursais de fls. 135/146, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento da ausência dos requisitos necessários à concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da juntada do laudo pericial, incidência dos juros de mora e da correção monetária com fulcro no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009, bem como redução dos honorários advocatícios para 5%. Por fim, prequestiona a matéria.
Intimada a autora, apresentou contrarrazões às fls. 151/160.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal, fls. 165/172, no sentido de parcial provimento do recurso no tocante aos juros de mora.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Pleiteia a autarquia a reforma da r. sentença, ao fundamento da ausência dos requisitos necessários à concessão do benefício. Pugna, ainda, pela alteração da data da DIB para a data da juntada do laudo pericial, redução dos honorários advocatícios e reforma quanto aos juros de mora e correção monetária.
A autora requereu a concessão do benefício assistencial, alegando ser incapaz e não possuir condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O laudo médico de fls. 71/78, realizado em 30 de julho de 2013, diagnosticou a autora como portadora de "hérnia de disco, gonartrose, discrepância do membro inferior direito em relação ao esquerdo".
Em respostas aos quesitos, asseverou o médico perito que "a incapacidade da requerente é apenas para a sua atividade habitual (empregada doméstica), em razão da limitação de movimentos e perda de força muscular, as quais geram instabilidade da articulação, deformidade e dores intensas".
Concluiu o experto que "os trabalhos que exijam uma posição abaixada ou semi-flexão da coluna vertebral, tais como os domésticos, podem em determinado momento desencadear um prolapso".
Assim, verifica-se que as moléstias apresentadas pela parte autora não se enquadram no "impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade de igualdade de condições com as demais pessoas" (§2º, art. 20 da Lei nº 8.742/93), sobretudo porque não foi afastada a hipótese do desempenho de outra atividade apta a lhe assegurar a subsistência, como a de telefonista. Cabe destacar, outrossim, que a escolaridade da demandante (ensino fundamental completo), associada à idade (48 anos), viabiliza seu reenquadramento em outra profissão. Além do mais, não existem elementos concretos nos autos que permitam concluir que os males constatados pelo perito judicial tem aptidão de produzir efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos, conforme exige o § 10º, do art. 2º da Lei nº 8.742/93. O impedimento de longo prazo, aliás, exigido para a concessão do benefício assistencial difere significamente da incapacidade temporária exigida à concessão do benefício previdenciário do auxílio-doença.
Igualmente, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 25 de março de 2014 (fls. 95/96) informou que a "requerente reside com a irmã Rosilene Bertola da Costa e dois sobrinhos menores em uma casa cedida pela mãe, composta por sete cômodos, sendo 03 quartos, 02 cozinhas, sala e banheiro".
Constou do referido estudo que a autora encontra-se desempregada, tem um filho, Cristian da Costa Menino, que reside na cidade de Araçatuba.
Por fim, consignou a assistente social que a renda familiar da requerente advém "da remuneração da irmã Lídia Bertola da Costa, correspondente ao montante de R$ 900,00, do Programa Bolsa Família (R$ 100,00), do auxílio prestado pelo pai da sobrinha Lauren Isabelle Costa, dos irmãos da autora, sendo a contribuição destes com alimentação e a importância de R$ 50,00 para despesa mensal com telefone".
A autora faz tratamento médico no Centro de Saúde e toma diversos medicamentos, sendo dois manipulados e custeados pela demandante e os demais são fornecidos pelo Centro de Saúde.
In casu, afere-se das informações constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) que o montante de R$ 947,89 (fl.146) recebido pela irmã da autora à época do estudo social superava o valor do salário mínimo (R$ 724,00).
Outrossim, cabe destacar, consoante informações também extraídas do CNIS, que ora passa a integrar a presente decisão, que naquela mesma ocasião o filho da parte autora, Cristian da Costa Menino, recebia remuneração correspondente ao montante de R$ 1.547,00.
Saliente-se que os filhos maiores possuem o dever constitucional de amparar os pais na velhice, de modo que o benefício assistencial somente tem cabimento nas hipóteses em que estes constituam outro núcleo familiar, residam em outro local e, ainda, não disponham de recursos financeiros suficientes para prestarem referida assistência material, o que não é o caso dos autos. Isso, aliás, é o que dispõem os artigos 1.694, 1.695 e 1.696 do Código Civil, evidenciando o caráter supletivo da atuação estatal.
Portanto, in casu, verifica-se que a requerente não é pessoa absolutamente desprovida de renda.
Alie-se como elemento de convicção o fato da parte autora ter, na qualidade de segurado facultativo, vertido contribuições ao Regime Geral da Previdência Social no período compreendido entre 01/12/2003 e 30/11/2004 (fl.139).
Acresça-se que a existência de parentes em condições de colaborar na manutenção da demandante emerge, no caso, como circunstância relevante que, associada aos demais elementos extraídos dos autos, aponta para a construção de uma realidade social não inserida no conceito de miserabilidade, para fins de concessão do benefício vindicado.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático- probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ciente está este julgador de que, infelizmente, grande parte dos trabalhadores de nosso país não possui qualificação técnica regular, em sua imensa maioria provenientes das classes mais humildes da população, e, portanto, não têm efetivas condições de competir no mercado de trabalho. Esta dolorosa situação resulta de uma ineficiente política educacional levada a efeito pelo Estado, que não fornece educação que atenda níveis mínimos de qualidade, demonstrando o desinteresse estatal na preparação de seus trabalhadores para competição no atual mercado de trabalho, que vem se tornando cada vez mais exigente.
Entretanto, o benefício assistencial da prestação continuada não existe para a correção deste tipo de mazela, mas sim para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Revogo os efeitos da tutela antecipada concedida (fl. 126).
Comunique-se o INSS.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 23/11/2016 13:50:32 |
