
| D.E. Publicado em 14/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do reexame necessário interposto e dar provimento à apelação do INSS para reformar a r. sentença de 1º grau e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial, com inversão do ônus sucumbencial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0013057-80.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por ROSIVALDO SANTOS DE ARAÚJO, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 157/159 julgou procedente o pedido, condenando o INSS no pagamento do benefício assistencial ao autor, desde o requerimento administrativo em 26/07/2012.
Houve condenação no pagamento dos atrasados de uma só vez, cujo valor deverá ser atualizado nos termos do decidido pelo STF, quando do julgamento das ADINS 4.357 e 4425, e de acordo com o Manual de orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, ressalvando-se eventuais compensações.
O INSS foi condenado ainda, no pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, considerando as parcelas vencidas até a sentença nos termos da Súmula 111 do STJ.
Não houve concessão de tutela antecipada.
O processo foi encaminhado ao reexame necessário.
Em razões recursais de fls. 171/179, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento da ausência do requisito necessário à concessão do benefício, referente à miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantido o benefício, que seja consignado no acórdão a possibilidade de revisão administrativa sem necessidade de processo judicial e com relação à correção monetária e aos juros de mora que sejam fixados os critérios de acordo com o artigo 1ºF da Lei 9.494/97 dada pela Lei nº 11.960/09. Por fim, prequestiona a matéria.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 202/203), pelo provimento do recurso de apelação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, descabida a remessa necessária no presente caso.
A sentença submetida à apreciação desta corte foi proferida em 14/07/2015, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, §2º do CPC/73:
No caso, a r. sentença condenou o INSS no pagamento do benefício de assistência continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data do requerimento administrativo, em 26.07.2012 (fl. 16). Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício até a data da prolação da sentença (14/07/2015), somam-se 36 (trinta e seis) prestações no valor de um salário mínimo que, mesmo que devidamente corrigidas e com a incidência dos juros de mora e verba honorária, se afigura inferior ao limite de alçada estabelecido na lei processual.
Logo, não cabe a submissão da sentença ao duplo grau obrigatório.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Indefiro o pedido de possibilidade de revisão administrativa do benefício, eis que, em se tratando de benefício previdenciário provisório, o julgado exarado se reveste de característica rebus sic stantibus, ou seja, mantem-se íntegro enquanto perdurarem as condições aferidas ao tempo da sua prolação. A revisão periódica destas condições, inclusive, é obrigação imputada à autarquia por disposição legal e não mais integra o objeto da lide, até porque não estão as partes autorizadas a reabrir o contraditório na fase em que o feito se encontra, razões pelas quais não necessita de autorização do Poder Judiciário para cumprir aquilo que a própria lei lhe determina. A partir daí, seus futuros e hipotéticos atos, havendo novo conflito de interesses, deverão ser dirimidos por meio de ação própria.
Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segunda alega, é incapaz para o trabalho e não possui condições de manter seu próprio sustento ou tê-lo provido por sua família.
O exame médico pericial de fls. 123/127, realizado em 10 de outubro de 2014, concluiu que o autor apresenta alterações psiquiátricas importantes e incapacidade total e definitiva para o trabalho.
O impedimento de longo prazo restou devidamente preenchido, e não foi objeto do recurso.
No entanto, a Autarquia Previdenciária pugnou pela reforma da sentença, posto que no seu entender, não comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 07 de agosto de 2013, (fls. 78/80) constatou: "o requerente, nascido aos 09/09/1993, mora com os pais, a genitora, nascida em 10/08/1965 e o genitor aos 27/01/1962.
Quanto à situação habitacional, o imóvel é próprio, com quatro cômodos, sendo: uma sala (dividida com um lençol onde o requerente dorme); um quarto; uma cozinha e um banheiro. As telhas são metade de cerâmica e outra metade de brasilit, o piso, uma parte de azulejo e a outra de vermelhão. Os eletrodomésticos são antigos e estão em estado precário: um fogão, uma geladeira, uma televisão, um aparelho e um tanquinho. O estado de conservação e a pintura da casa estão em péssimo estado. A higiene da casa está em bom estado. Possui rede elétrica, rede de água, de esgoto, e a rua é asfaltada. Perto da residência do requerente não possui nenhum posto de saúde.
Situação Socioeconômica: Não possui benefício de transferência de renda direta, a única renda fixa é o salário do pai (um salário mínimo), a mãe recebe o benefício de "Renda cidadã" no valor de R$ 80,00. As despesas mensais constituem-se de energia elétrica R$ 50,00; água R$ 30,00; supermercado R$ 400,00, o gás de cozinha é incluso na compra mensal. A genitora do requerente alega ter recebido duas cestas básicas da Assistência Social.
Impende frisar que o núcleo familiar é composto pelo requerente e seus genitores e a renda familiar é proveniente do trabalho do pai, o qual informou auferir renda no valor de um salário mínimo.
Em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, as quais integram o presente voto, verifica-se que o genitor do autor é empregado junto ao Município de Miguelópolis, com último salário atualizado pelo sistema em R$ 977,57, para a competência de dezembro de 2008, montante equivalente a 2,35 salários mínimos, considerando o valor nominal vigente à época em R$ 415,00, o que afasta a condição de desamparo e miserabilidade.
Alie-se como elemento de convicção o fato de a família não pagar aluguel, em razão de residir em imóvel próprio, realizar acompanhamento médico pela rede pública de saúde, receber ajuda da Assistência Social e benefício de "renda cidadã" (fl.79), o que, por si só, não afasta, de maneira absoluta, a ideia de miserabilidade, mas é circunstância relevante a corroborar a ausência de absolutas hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
O benefício assistencial da prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial interposta e dou provimento ao recurso do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
É como voto.
Desembargador Federal
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