D.E. Publicado em 19/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar suscitada pelo Ministério Público Federal e negar provimento à apelação da parte autora, mantendo, por fundamento diverso, íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019669-68.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por JÚLIA RODRIGUES DE OLIVEIRA MONTEIRO, representada por sua genitora, Maria Aparecida Rodrigues de Oliveira, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 83/84 julgou improcedente o pedido inicial e isentou a parte autora do pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, em razão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
Em razões recursais de fls. 87/90, a parte autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de haver preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 99/101), no sentido de conversão do julgamento em diligência, para que o laudo socioeconômico seja complementado e, após, nova vista.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
De início, deixo de acolher o parecer ministerial, tendo em vista que as provas carreadas aos autos, em conjunto com o estudo social, foram suficientes para o douto magistrado a quo, baseado no seu livre convencimento motivado, julgar a lide.
Além do mais, não cabe à Assistente Social a realização de juízo de valor acerca dos aspectos socioeconômicos observados in loco, matéria esta ao crivo exclusivo do julgador, até porque não se está aqui a tratar de prova pericial, mas tão-somente de constatação objetiva e descritiva da situação.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é deficiente e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
A deficiência da autora fora devidamente constatada, pois acometida de "deficiência congênita caracterizada por microcefalia, fenda palatina corrigida e convulsão com atraso no seu desenvolvimento neuropsiquicomotor". Nos termos do laudo pericial de fls. 42/44 e completo à fl. 55, "a autora é menor de idade sendo presumida a sua incapacidade para o trabalho e para os atos da vida independente".
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 24 de outubro de 2013 (fls. 61/63) informou que a autora é criança e reside com seus avós, tio e sua genitora, no imóvel dos avós, com quatro cômodos e um banheiro. "Habitação simples, guarnecida por poucos móveis e utensílios domésticos, em regular estado de uso e conservação".
A renda familiar é proveniente do salário da genitora da autora, Sra. Maria Aparecida Rodrigues de Oliveira, no valor de R$ 1.077,00, da aposentadoria do avô, Sr. José Rodrigues de Oliveira, no valor de R$ 400,00 (descontado empréstimo) e do trabalho do tio, Sr. Aparecido Rodrigues de Oliveira, como diarista, de aproximadamente R$ 400,00; totalizando R$ 1.807,00. As despesas mensais informadas giram em torno de R$ 1.500,00.
Concluiu a assistente social que "a família sobrevive de forma simples dentro das condições socioeconômicas que possuem, passando por algumas necessidades para manter o sustento da família". Informou, também, que a autora frequenta a APAE uma vez por semana e faz acompanhamento médico com neurologista no Hospital Regional de Sorocaba.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar, apesar de passar dificuldades, não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício pleiteado.
Ademais, dados extraídos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS e do Sistema Único de Benefícios DATAPREV, os quais integram o presente voto, demonstram que a autora vem recebendo o benefício desde 28/08/2015.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ciente está este julgador de que, infelizmente, grande parte dos trabalhadores de nosso país não possui qualificação técnica regular, em sua imensa maioria provenientes das classes mais humildes da população, e, portanto, não têm efetivas condições de competir no mercado de trabalho. Esta dolorosa situação resulta de uma ineficiente política educacional levada a efeito pelo Estado, que não fornece educação que atenda níveis mínimos de qualidade, demonstrando o desinteresse estatal na preparação de seus trabalhadores para competição no atual mercado de trabalho, que vem se tornando cada vez mais exigente.
Entretanto, o benefício assistencial da prestação continuada não existe para a correção deste tipo de mazela, mas sim para auxiliar a sobrevivência das pessoas com restrições de longo prazo, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada pelo Ministério Público Federal e nego provimento ao recurso de apelação da autora, mantendo, por fundamento diverso, íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 06/12/2016 17:57:54 |