D.E. Publicado em 07/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações das partes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0035650-40.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Tratam-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e por TERESINHA DE MOURA em ação ajuizada por esta, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 108/110 julgou procedente o pedido inicial, condenando a autarquia no pagamento do benefício de prestação continuada, desde a citação, 14/05/2013, mediante a correção monetária das prestações vencidas. Juros de mora devidos a partir da citação. Condenou, ainda, no pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor das prestações vencidas até a sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Sem condenação no pagamento de custas e despesas processuais. Deferida a antecipação de tutela.
Em razões recursais de fls. 113/116, a parte autora requereu a alteração do termo inicial do benefício para a data do indeferimento do requerimento administrativo, 18/11/2011.
Por sua vez, o INSS, em razões às fls. 123/130, requer a reforma da sentença, ao fundamento de que a autora não apresenta incapacidade para vida independente.
Intimada a parte autora, apresentou contrarrazões às fls. 139/144.
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 148/150), no sentido de desprovimento do recurso do INSS e provimento parcial do recurso da autora, apenas para fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelos Decretos nº 6.214, de 26 de setembro de 2007 e nº 7.788, de 15 de agosto de 2012.
O art. 20 da Lei Assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo de alguém.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013.
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado.
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
A autora requereu a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alegou, é deficiente e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O exame médico pericial de fls. 89/95, realizado em 07de julho de 2014, diagnosticou a demandante como "portadora de hipertensão arterial não controlada mesmo na vigência de medicação específica, apresenta alterações cardíacas com presença de sopro sistólico em região da borda esternal esquerda por presença de comunicação interatrial com indicação cirúrgica e apresenta também quadro depressivo com apatia, deinteresse e falta de vontade".
Concluiu o perito que, em virtude "dos quadros mórbidos, a autora apresenta incapacidade total e temporária, cujo período de duração estima-se enquanto perdurar o tratamento especializado e proposto".
Verifico que, além do laudo pericial, há nos autos relatório médico emitido pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, em que se constata do ecocardiograma, realizado em 03/06/2013, "aumento moderado do átrio esquerdo (43mm) e leve átrio direito e aumento moderado do ventrículo direito; Há dilatação importante do tronco da artéria pulmonar e seus ramos; Disfunção diastólica leve do ventrículo esquerdo; Comunicação interatrial tipo óstio secundum 14 mm; Estenose pulmonar leve e Insufiência tricúspide leve (fls.98)".
Observa-se, outrossim, ter sido a parte autora informada acerca da necessidade de cirurgia para correção da cardiopatia congênita, mas não houve manifestação, permanecendo apática (fl.97).
Desta forma, analisando-se o conjunto probatório, patente a presença do "impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade de igualdade de condições com as demais pessoas" (§2º, art. 20 da Lei nº 8.742/93).
Cabe destacar que, muito embora o perito judicial, em resposta aos quesitos apresentados pelas partes, tenha atestado que a requerente não apresenta incapacidade para a vida independente, há nos autos elementos concretos que permitam concluir que os males que acometem a autora tem aptidão de produzir efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos, conforme exige o § 10º, do art. 2º da Lei nº 8.742/93. O impedimento de longo prazo, aliás, exigido para a concessão do benefício assistencial não é aquele que exige a inaptidão para a vida independente, mas sim aquele que, de alguma forma, obsta a pessoa de participar de forma plena e efetiva em sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Igualmente, restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 16 de outubro de 2013 (fls. 66/67) informou que "a autora reside com seu companheiro em uma casa cedida de alvenaria, sem forro, sem revestimento, composta de três cômodos".
A assistente social consignou que "a residência é guarnecida por móveis de mal condições de uso e doados pela comunidade".
Consta do referido estudo que a renda familiar decorre do benefício assistencial do companheiro da autora, Sr. Valdir Rodrigues.
Por fim, consignou a assistente social que as despesas básicas da parte autora relacionam-se com "alimentação, água, luz e medicamentos, sendo os gastos com os últimos efetivados quando não fornecidos pelo SUS. No que se refere à alimentação, a autora solicita à Assistência Social cesta básica, quando não dispõe de recursos financeiros para comprar".
Informações extraídas de consulta ao Sistema Único de Benefícios/DATAPREV, que ora passa a integrar a presente decisão, corroboram o benefício assistencial concedido ao companheiro da requerente, a partir 16/05/2008.
Destarte, analisando-se o conjunto fático probatório, sobretudo os apontamentos da assistente social acerca da precariedade da residência e a renda per capita, verifica-se que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica.
A parte autora postula a alteração da DIB para a data do indeferimento do requerimento administrativo (18/11/2011 - fl. 49). No entanto, referida pretensão não merece prosperar, primeiro porque a ação foi movida somente após um ano do requerimento administrativo. Depois, porque, a depender o julgamento do feito da implementação de requisitos que, por natureza, são mutáveis ao longo do tempo, a impossibilidade de aferição pretérita foi causada pela própria morosidade da autora, razão pela qual, na ausência de elementos palpáveis, cuja obrigação de produção, inclusive, é da interessada, não há como se fixar outro termo inicial, que não a data da citação realizada na presente ação.
Ante o exposto, nego provimento às apelações das partes.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Nº de Série do Certificado: | 28B53C2E99208A4F |
Data e Hora: | 25/10/2016 19:26:30 |