
| D.E. Publicado em 01/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso para reformar a r. sentença de 1º grau e julgar improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0038706-86.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por VALDECIR ARIZOS DOS SANTOS, objetivando, inicialmente, a concessão do benefício de pensão por morte e, após aditamento, de benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 234/240 julgou procedente o pedido, condenando o INSS no pagamento do benefício assistencial ao autor, desde a data de sua prolação, além de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela.
Razões recursais às fls. 244/250, o INSS requer a reforma da sentença, ao fundamento de que a renda familiar encontra-se acima dos limites legais, o que torna indevido o pagamento do benefício assistencial. Postula, de forma subsidiária, pela fixação da DIB na data da juntada do estudo social e pela redução da verba honorária para o patamar de 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação. Por fim, prequestiona a matéria.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 278/280-verso) pelo desprovimento do recurso da autarquia federal.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Pleiteia o autor a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O laudo pericial de fls. 160/163 diagnosticou o autor como portador de "retardo mental moderado" e "esquizofrenia".
Registrou o expert que o autor apresentou-se "confuso, desorientado, atenção e memória comprometidos, não consegue responder aos questionamentos, discurso empobrecido e incompreensível, fala desconexa, pensamento desorganizado, persecutório com alucinações, juízo crítico prejudicado".
O irmão do requerente, que o acompanhava, afirmou ao perito que este fazia uso dos seguintes medicamentos "Haloperidol" 30mg/dia, "Clorpromazina" 500mg/dia, "Carbamazepina" 600mg/dia, "Carbonato de Lítio" 600mg/dia e "Prometazina" 75mg/dia.
Conclui pela incapacidade total e permanente do requerente para o labor, bem como para a vida de forma geral.
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
Os estudos sociais realizados em 22 de agosto de 2008 (fls. 128/129) e 17 de maio de 2011 (fls. 205/207) informaram ser o núcleo familiar composto pelo autor e seu irmão, os quais residem em imóvel próprio, situado no centro da cidade de Mirandópolis-SP.
Relataram que "a família reside em casa objeto de herança da genitora: de fundos (a casa da frente pertence a outra família); sem forro, subdividida em duas partes (separadas com a área de serviço); uma é feita de madeira (baixa estatura) com um quarto: cama de casal, guarda-roupa pequeno, penteadeira; uma saleta: uma estante, uma mesa e um computador e uma sala com piso de cimento verde: televisão pequena, rack, dois sofás, aparelho de som e telefone residencial. A outra parte é feita de alvenaria (piso de cerâmica); com cadeiras, armário de cozinha, fogão pequeno, refrigerador. A mobília em sua maioria é simples e está em regular estado de conservação. Segundo Sr. Vicente não é proprietário de nenhum outro imóvel, apenas é sócio com sua noiva de uma moto Honda-2008". A residência, ainda, é servida com redes de água, energia elétrica e pavimentação asfáltica.
As despesas familiares contabilizam, segundo o primeiro estudo social, um montante de R$530,00. Já o segundo, por sua vez, indica gastos na ordem de R$430,00.
A renda familiar decorre do salário de agente penitenciário auferido por seu irmão que, na época do estudo social, era de R$1.900,00 (líquido). Atualmente, segundo informações obtidas junto ao site do Portal Transparência do Estado de São Paulo, que ora seguem anexas, recebe R$4.010,94 (competência 08/2016).
Evidencia-se, portanto, que a renda per capita familiar, é suficiente para atender todas as despesas dos irmãos.
Ademais, os medicamentos utilizados pelo requerente são adquiridos junto à rede pública de saúde.
Alie-se que informações obtidas junto ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, as quais integram o presente voto, demonstram que Maria do Carmo dos Santos, irmã do autor, percebe benefício de pensão por morte, no valor de um salário mínimo, e a outra irmã, Vera Lúcia dos Santos, auferiu salário de R$3.913,98, no mês de agosto de 2016. Apesar de residirem em outros municípios do interior do Estado de São Paulo, estas podem auxiliar o requerente, sobretudo, caso o irmão deste venha realmente a se casar, conforme noticia o segundo estudo social.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
O benefício assistencial da prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recurso que fundamentou a concessão dos benefícios de assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Revogo os efeitos da tutela antecipada concedida.
Comunique-se o INSS.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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