
| D.E. Publicado em 01/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária para reformar a r. sentença de 1º grau e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007667-40.2012.4.03.6000/MS
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Tratam-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e remessa necessária, em ação ajuizada por KEROLAYNE DE FIGUEIREDO DE SOUZA, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 183/189 julgou procedente o pedido, condenando o INSS no pagamento de benefício assistencial à autora desde a data do indeferimento do pedido administrativo, além de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela.
Em razões recursais de fls. 195/199, o INSS requer a reforma da decisão, ao fundamento da ausência dos requisitos necessários à concessão do benefício. Pugna, de forma subsidiária, para que a DIB seja alterada para a data da juntada do estudo social.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 230/238) pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Anoto, de início, o conhecimento da remessa necessária interposta, haja vista que o montante da condenação é superior ao limite de alçada estabelecido na lei processual vigente à época da prolação da sentença (art. 475, §2º, do CPC/73).
Adiante, analiso o mérito.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O laudo pericial de fls. 160/168 diagnosticou a requerente como portadora de "retardo mental leve (CID10 F70)".
Segundo o expert, a autora apresentou-se acompanhada de sua genitora e, quando questionada, emitiu "respostas de conteúdo vago e impreciso às perguntas elaboradas; demonstra desatenção; nervosismo; medo; sua genitora relata que a mesma apresenta dificuldade de aprendizado".
O médico perito também ressaltou que a moléstia tem origem hereditária, vez que o irmão da autora também possui retardo mental. Afirma que a requerente "necessita de tratamento médico especializado e multidisciplinar (psiquiatra, neurologista, psicólogo, terapeuta ocupacional)".
Conclui, por fim, que a deficiência causa impedimento à autora de caráter permanente e irreversível, configurando, portanto, o impedimento de longo prazo.
No que tange à hipossuficiência econômica, o estudo social realizado em 19 de agosto de 2013 (fls. 150/154) revelou ser o núcleo familiar composto pela autora, sua genitora e seu irmão, os quais residem em imóvel próprio, cedido por sua avó materna.
A casa é "construída em alvenaria, piso de cerâmica, teto sem forro, cobertura com telhas de amianto; contém um quarto, sala, banheiro e varanda. Terreno murado, com portão grande. Possui um aparelho de TV 14', duas camas de solteiro, um guarda-roupa, um aparelho de telefone celular, cadeiras, máquina de lavar roupas e armário de cozinha. Imóvel e mobília em regular estado de conservação. No mesmo terreno, ao lado de sua casa, tem uma outra casa no mesmo padrão, porem maior, onde moram sua avó, tia e primos."
Quanto a localização da residência, discorre que se encontra em bairro de periferia, com "via pavimentada, servida por rede de água e esgoto, próximo de Unidade Básica de Saúde e ponto de ônibus coletivo".
Segundo a assistente social, a autora cursava, à época do estudo, o sétimo ano do ensino fundamental apesar da idade de 18 (dezoito) anos. Além das dificuldades cognitivas, as atividades diárias realizadas pela requerente necessitam sempre de supervisão de sua genitora.
Extrai-se do estudo social que o irmão da requerente também possui retardo mental. Assim, a mãe da genitora está impossibilitada de laborar.
A renda familiar decorre do benefício de prestação continuada auferido pelo irmão da requerente, no valor de um salário mínimo, bem como do auxílio esporádico prestado pela avó materna da autora e ainda pela pensão alimentícia paga por seu genitor, no valor de um salário mínimo, evidenciando que o núcleo familiar não é totalmente desprovida de renda.
A genitora da requerente afirma que, apesar de determinação judicial para pagamento de um salário mínimo, a título de pensão alimentícia, o genitor da autora somente contribui para a renda familiar com cerca de R$300,00 mensais. No entanto, se assim o é, deve a genitora peticionar ao Juízo competente para que seja cumprida a decisão judicial.
Alie-se a isso tudo o fato de que o genitor da autora é advogado e, inclusive, atua em demandas de grande monta, conforme documentos acostados pela autarquia previdenciária (fls. 205/208).
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
O benefício assistencial da prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação do INSS e à remessa necessária, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recurso que fundamentou a concessão dos benefícios de assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Revogo os efeitos da tutela antecipada concedida.
Comunique-se o INSS.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 24/05/2017 19:05:42 |
