
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004862-74.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: ANA FRANCISCA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIVALDO FERREIRA DOS SANTOS - MS17494-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004862-74.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: ANA FRANCISCA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIVALDO FERREIRA DOS SANTOS - MS17494-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO (RELATORA): trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de concessão de benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal (CF) e no art. 20, da Lei 8.742/93 (LOAS), nos seguintes termos:
(...)
“Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil, resolvo o mérito da demanda, julgando improcedente o pedido formulado na inicial. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), conforme art. 85, do CPC, já considerando o grau de zelo do profissional, a importância e a complexidade da causa, o tempo e o lugar da prestação do serviço, cujas exigências ficam condicionadas, a teor do art. 12 da Lei n.º 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.”.
(...)
Em suas razões recursais, alega a parte autora, resumidamente: o preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, diante da comprovação da miserabilidade, bem como que “ é mulher pobre, idade avançada e inserida em um contexto social que ainda prevalece a desinformação a respeito do ingresso no mercado de trabalho, e que impacta em faculdades das mais diversas, como é o caso da autora que deseja manter-se competitiva no mercado formal/informal de trabalho (levando em conta que a única renda fixa é de seu esposo Lozino “um salário mínimo”.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a este E. Tribunal Regional Federal.
Nesta Corte, o D. Representante do Ministério Público Federal opinou pelo não provimento da apelação da autora (Id. 291454023).
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004862-74.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: ANA FRANCISCA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIVALDO FERREIRA DOS SANTOS - MS17494-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Diante da regularidade formal, com base no art. 1.011, do Código de Processo Civil (CPC), conheço o recurso e passo à análise do objeto da insurgência recursal propriamente dita.
Benefício assistencial
O art. 203, V, da CF, regulamentado pelo art. 20, da LOAS prevê “a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”.
Diante disso, observa-se a existência de dois requisitos cumulativos para a concessão do referido benefício: (i) ser pessoa portadora de deficiência ou idosa com pelo menos 65 anos; e (ii) estar em condição de miserabilidade, consistente na incapacidade para prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Primeiro requisito – Pessoa idosa
Quanto ao fato de ser a Apelada pessoa idosa, não há o que se discutir, segundo documentação acostada aos autos (Id. 280944073 - Pág. 12/14).
Logo, resta claro o preenchimento do primeiro requisito neste caso em específico.
Segundo requisito – Condição de miserabilidade
A apelante ainda se insurge contra o indeferimento do benefício assistencial, diante de alegada não verificação da condição de miserabilidade, o segundo requisito do benefício assistencial.
Em sua argumentação, defende que o critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da LOAS (“renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto do salário-mínimo”) deve ser aplicado ao caso, pois vigente e compatível com o texto constitucional.
Acontece que a jurisprudência e a doutrina consolidaram o entendimento de que tal critério objetivo de mensuração da miserabilidade não é absoluto, podendo outros elementos demonstrarem situação de vulnerabilidade pessoal, financeira e social. Principal demonstrativo disso é o precedente que fixou o Tema 185, extraído da jurisprudência do C. STJ:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009) (Grifo nosso).
Isso significa que prevaleceu o posicionamento de que, ao lado deste critério objetivo, outros elementos podem indicar a existência da condição de miserabilidade. Não por menos, o legislador optou por positivar tal tese, por meio do art. 20, § 11º, da LOAS, nas seguintes palavras:
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Diante de tais preceitos, observa-se que, neste caso em particular, o segundo requisito (condição de miserabilidade) não foi atendido neste caso em específico.
Como é possível concluir a partir do estudo social (Id. 289918760 - Pág. 76/78), não restou clara a condição de vulnerabilidade financeira e social da apelante. Nos próprios termos do laudo:
“Diante do que foi possível conhecer da realidade da autora e outros elementos observados durante a intervenção/visita domiciliar, passamos apresentar alguns aspectos que consideramos essenciais para uma compreensão mais ampliada do cotidiano em tela. O primeiro aspecto a ser destacado neste contexto é o fato de que não fica evidenciado neste momento que a Sra. Ana vivencie um cenário de insegurança para o atendimento de suas necessidades primárias. Afinal, a autora não declara dificuldade para aquisição de alimentação básica, nenhum histórico de inadimplência com o pagamento de contas fixas (água encanada), ou até elevado custo com aquisição de fármacos não disponíveis no sistema público de saúde. Ainda sobre o aspecto renda, nota-se que apesar de não ficar evidenciado qual montante recebido pelo Sr. Rogério em relação ao contrato de trabalho que possui em um frigorífico na região, bem como somado ao salário-mínimo que o Sr. Lozino recebe de aposentadoria, é inconteste o fato de que este cenário (renda fixa) garante um orçamento familiar mínimo para que as necessidades de sobrevivência básicas do núcleo estejam contempladas.”.
O núcleo familiar é composto por 03 pessoas que residem juntos na mesma casa com a parte autora (marido, um filho (Rogério) e a autora). A autora possui mais 05 filhos que não residem com ela.
Em consulta ao sistema do INSS, constatou-se que o marido da parte autora recebe o benefício de Aposentadoria por idade, no valor de R$ 1.412,00 e o filho Rogério encontra-se trabalhando percebendo um valor de R$1.603,37, valor recebido em 08/2024, sendo o total da renda aproximada de R$ 3.015,00, ou seja, R$ 1.005,00 per capita, superando, dessa forma, o critério estabelecido pelo legislador.
Restou assim consignado no Parecer do Ministério Público (Id.):
“Entretanto, o requisito “miserabilidade” não foi comprovado. Isso porque, conforme o estudo socioeconômico (Id. 280944073 - Pág. 62), realizado junho/2023, a autora reside com seu cônjuge (Lozino Valério dos Santos), o qual aufere benefício de aposentadoria no valor de um salário-mínimo (Pág. 73), e seu filho (Rogério Francisco dos Santos), que aufere salário no valor de R$ 1.897,09 (Pág. 73). Assim, a renda familiar totaliza o valor de R$ 3.217,09, ou seja, R$ 1.072,37 per capita, superando, dessa forma, o critério selecionado pelo legislador, inclusive se aproximando de um salário-mínimo per capita. Além disso, no estudo social consta que “a autora conta com apoio de outros filhos, que apesar de não contribuírem diretamente com algumas demandas materiais/assistenciais da genitora, acompanham os pais por intermédio de visitas e /ou diálogos por aplicativos de conversas, afastando assim qualquer indício de invisibilidade familiar” (Id. 280944073 - Pág. 68).
Cumpre ressaltar que a alegação de que não reside com seu filho (Rogério Francisco dos Santos) e que apenas constou de seu cadastro do CRAS, porque anteriormente residia, não afasta a ausência de hipossuficiência, uma vez que o laudo socioeconômico deixou claro que a família (filhos) contribui para o seu sustento, conforme preceitua o art. 20 da Lei nº 8.742/93. Ademais, a informação que reside com o referido filho, consta da perícia social realizada pelo Poder Judiciário.
Ressalte-se que o objetivo da assistência social é diverso daquele da previdência, uma vez que visa à concessão do mínimo existencial. Nos termos da Constituição, a assistência social é subsidiária, tanto da previdência, quanto da assistência familiar, de forma que o benefício pleiteado somente será concedido quando a pessoa não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”.
Portanto, em análise dos autos, verifico que a parte autora não se encontra em situação de vulnerabilidade social, não fazendo jus ao benefício de prestação continuada requerido.
Honorários recursais
Desprovido o recurso da parte Apelante, cabível a majoração dos honorários em grau recursal, os quais majoro em 2%, em observância aos critérios do art. 85, §2º c.c. §11º do CPC, observada a suspensão, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Prequestionamento
Relativamente ao prequestionamento de matéria ofensiva a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais, tendo sido o recurso apreciado em todos os seus termos, nada há que ser discutido ou acrescentado aos autos.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora, nos termos acima explicitados.
É o voto.
/gabcm/crm
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. AUSENTES. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Requisito da miserabilidade não comprovada nos autos.
Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
