D.E. Publicado em 09/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0014485-12.2010.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por CÍCERO JOSÉ GOMES DE LIMA, incapaz, representado por sua genitora, EDILEUZA MARIA GOMES DE LIMA, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 192/202 julgou procedente o pedido inicial e condenou o INSS no pagamento do benefício assistencial à parte autora, desde a data da citação, além de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela. Sentença submetida ao reexame necessário.
Em razões recursais de fls. 212/216, o INSS postula o reexame necessário e a modificação dos critérios adotados na fixação dos juros de mora e da correção monetária.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 236/245), no sentido do desprovimento do reexame necessário e do recurso de apelação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Pleiteia o autor a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O laudo pericial de fls. 184/185 diagnosticou o requerente como portador de autismo atípico e retardo mental SOE. Esclareceu ainda que "o paciente apresenta transtorno mentais que o tornam incapaz de assumir ou conduzir os atos da vida civil". Impende salientar que a referida conclusão do profissional médico não diverge daquela assentada no laudo do IMESC ( fls. 52/54), produzido em processo que levou à interdição do autor.
Evidenciado, portanto, o impedimento de longo prazo.
Por sua vez, o estudo social realizado em 05 de dezembro de 2013 (fls. 181/182) informou ser o núcleo familiar composto pelo autor e por sua genitora, os quais residem em "terreno cedido pela prefeitura de Embu das Artes com infraestrutura urbana". Na ocasião, a representante legal do demandante declarou que possui "mais 4 filhos, todos casados, com filhos e vida independente, portanto, não fazem parte de seu núcleo familiar".
A renda familiar decorre dos proventos auferidos pela mãe do requerente, que "trabalha na informalidade como diarista com renda variável". A assistente social noticiou, por fim, que "o requerente não frequentou qualquer tipo de escola para que pudessem entender as suas reais necessidades de aprendizado. Nesse sentido não foi possível estimular habilidades que poderiam ajudá-lo a ter uma vida independente".
Informações extraídas do Sistema Único de Benefícios/Dataprev (fls. 205/207) dão conta dos recolhimentos efetuados pela genitora do requerente até o ano de 2008. A inexistência de recolhimentos posteriores à competência 05/2008, bem como de benefícios previdenciários ativos, está a indicar que, de fato, a representante legal do autor, trabalha atualmente "na informalidade", "com renda variável", conforme declarado.
A despeito da informação, contida no relatório socioeconômico, de que o autor possui 4 (quatro) irmãos - que possuem o dever de auxiliar no seu sustento - a situação descrita nos autos aponta para a insuficiência de recursos que garantam o mínimo existencial. Com efeito, a precariedade das condições de habitação (terreno cedido pelo município), e o fato de tratar-se de núcleo familiar composto por pessoa com 58 anos de idade na presente data, sem renda fixa, e seu filho, portador de doença mental - patologia que demanda cuidados permanentes - são elementos que militam favoravelmente à existência da condição de miserabilidade.
Além disso, dados constantes do Sistema Único de Benefícios/Dataprev, os quais passam a integrar a presente decisão, informam que o pai do requerente reside no estado do Alagoas, não possui vínculos empregatícios registrados, e requereu, na via administrativa, a concessão de benefícios previdenciário (aposentadoria por idade) e assistencial, tendo obtido resposta negativa em ambos. Não há indícios, portanto, de que possua capacidade financeira para auxiliar no sustento do filho.
A análise do conjunto fático probatório, portanto, aponta que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social, fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício pleiteado.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da citação (26/07/2011 - fls.103), conforme estabelecido pela r. sentença de 1º grau de jurisdição, em razão da não comprovação da condição de miserabilidade à época do requerimento administrativo (14/03/2007 - fls. 94).
A correção monetária e os juros de mora incidentes sobre as parcelas em atraso deverão observar os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação e Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre o valor das parcelas devidas até a sentença, uma vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente.
Isento a Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais, registrando ser a parte autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Ante o exposto, nego provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação do INSS, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição. Mantenho a tutela específica concedida.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 25/10/2016 19:29:58 |