
| D.E. Publicado em 09/02/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do Instituto Nacional do Seguro Social, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015260-15.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por JOSAINE APARECIDA BORGES, representada por sua genitora e curadora TEREZA AIDA DA SILVA BORGES, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 127/129 julgou procedente o pedido, condenando o INSS no pagamento de benefício assistencial à autora desde a data da citação, em 20/03/12.
Houve condenação no pagamento de eventuais parcelas em atraso, a partir da citação, corrigidas monetariamente, nos termos da Tabela prática do E. TJ/SP, e acrescidas de juros moratórios de 0,5% ao mês, ambos incidentes também a partir da citação, além da verba honorária, fixada em 10% do somatório das parcelas vencidas até a data da sentença nos termos da súmula 111 do STJ.
Foi dispensado o reexame necessário, nos termos do artigo 475, § 2º do Código de Processo Civil, tendo em vista que o valor das prestações, em tese, considerando o início do benefício, não ultrapassa o limite de 60 salários mínimos.
Em razões recursais de fls. 135/143, o INSS requer a reforma da decisão, ao fundamento da ausência de miserabilidade. Por fim, prequestiona a matéria.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 160/166) pelo desprovimento do recurso, pela imediata implantação do benefício e pela alteração, de ofício, da data de início do benefício para 28/04/11, quando do requerimento administrativo.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segunda alega, é incapaz para o trabalho e não possui condições de manter seu próprio sustento ou tê-lo provido por sua família.
O exame médico-pericial de fls. 64/92, realizado em 30/01/2013, afirmou que a requerente, em síntese: "portadora de grave e irreversível distúrbio psiquiátrico, qual seja, retardo mental moderado com repercussões a nível mental, mormente de alterações de comportamento, personalidade, de caráter, afetivo e rendimento intelectual rebaixado ensejando dificuldade na aprendizagem. Os males a impossibilitam desempenhar atividades laborativas de toda natureza, não tendo condições de lograr êxito em um emprego, onde a renumeração é necessária para a sua subsistência, apresenta-se incapacitada de forma total e permanente para o trabalho, além de não ter condições de reger seus atos para a vida cível e necessitar de uma pessoa para auxiliá-la de forma permanente."
O impedimento de longo prazo restou devidamente preenchido e não foi objeto do recurso.
No entanto, a Autarquia Previdenciária pugnou pela reforma da sentença, posto que não comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 28 de agosto de 2014, (fls. 104/105), informou que a família é composta por: "Josaine Aparecida Borges, data de nascimento 30/04/1978, (36 anos), sua genitora, Sra. Tereza Aida da Silva Borges, data de nascimento 17/06/1951, (63 anos), genitor, Sr. Pedro Fernandes Borges, data de nascimento 28/06/1948, (66 anos) e sua irmã, Mixele de Fátima Borges, data de nascimento 17/12/1987, (26 anos)."
(...)
"Quanto aos medicamentos, informou que a mesma faz uso contínuo de captopril 25 mg (01 comprimido duas vezes ao dia), diazepan 10 mg (01 comprimido à noite) e fleuoxetina 20 mg (01 comprimido a noite).
Com relação ao sustento da família, a filha Josaine não exerce atividades remuneradas. Quanto à esposa, somente realiza os afazeres domésticos e cuida da filha da filha. A irmã Mixele trabalha como diarista em casas de famílias, sem carteira registrada, ganha por volta de R$ 350,00 à R$ 400,00 reais no mês. Acrescentou que a renda desta não faz parte do orçamento familiar, pois o que recebe fica somente para ela, ou seja, não auxilia nas despesas da casa. Quanto ao Sr. Pedro alegou receber auxílio doença da Previdência Social, desde que teve um dos membros amputados, devido ser portador de diabetes.
O Sr. Pedro alegou que a esposa recebia o valor de R$ 70,00 reais mensais, referente ao Programa Federal Bolsa Família, a partir do instante que ele adquiriu o auxílio doença, o benefício foi cessado. Informou que não recebem auxílio do Departamento Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.
Conforme o genitor da requerente alegou, os gastos com as despesas mensais são: alimentação (aproximadamente R$ 400,00), energia elétrica R$ 20,12, água R$ 82,03 e medicamentos aproximadamente R$ 150,00 a R$ 200,00. Referiu que os gastos com medicação ocorrem quando não encontram medicamento na Farmácia da Unidade Básica de Saúde, tanto ele, como a filha não ficam sem medicamentos."
Descreveu também que a família: "Reside em imóvel próprio. A construção é de alvenaria, composta por 01 cozinha, 01 sala, 02 quartos e banheiro. A residência é guarnecida com mobiliário simples. Durante a visita foi observado que a casa possui pintura, piso e forro. Sobre as condições de higiene e limpeza estavam aparentemente boas e organização da residência também. Conta com água encanada, rede de esgoto, coleta de lixo, abastecimento de energia elétrica e rua asfaltada. No ato da visita, verificou-se na garagem um carro, ao ser indagado nos respondeu que gosta de pescar, assim o cunhado o presenteou com este carro, modelo Brasília, marca Volkswagen, ano 1976, não soube informar o valor."
Impende frisar que o núcleo familiar é composto por quatro integrantes, dentre eles, a autora, atualmente com 38 anos, sua genitora, com 65 anos, seu genitor com 68 anos e sua irmã, com 28 anos.
Os dados extraídos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, os quais integram o presente voto, confirmaram ser o pai da requerente beneficiário de aposentadoria por invalidez, tendo auferido proventos, competência de Julho/2016 da ordem de R$ 880,00 montante equivalente a 1 (um) salário mínimo.
No mesmo cadastro de Informações sociais confirmou-se o trabalho doméstico da irmã, cujos recolhimentos previdenciários durante o período de 06/11/2014 a 07/10/2015, ocorreram com salários de contribuição entre R$ 500,00 e R$ 504,00, ou seja, menores que um salário mínimo.
Não há relatos da existência de parentes próximos que auxiliem a família, que não recebe renda proveniente de programas sociais.
O retardo mental moderado da demandante e sua total dependência dos pais, já com idades avançadas, fazem com que os problemas daí decorrentes, aliados a uma vida difícil e com privações, exijam cuidados especiais (o genitor sofreu amputação de um dos membros em decorrência de diabetes), e, com isto, gastos maiores, evidenciando a presença da vulnerabilidade social e da hipossuficiência econômica a justificarem a concessão do benefício vindicado.
Os juros e correção monetária ficam mantidos por ausência de pedido nesse sentido.
Por derradeiro, a hipótese da ação comporta a outorga de tutela específica nos moldes do art. 497 do Código de Processo Civil de 1973. Dessa forma, de acordo com o requerimento ministerial, visando assegurar o resultado concreto buscado na demanda e a eficiência da prestação jurisdicional, independentemente do trânsito em julgado, determino seja enviado e-mail ao INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, instruído com os documentos da parte autora, a fim de serem adotadas as providências cabíveis ao cumprimento desta decisão, para a implantação do benefício no prazo máximo de 20 (vinte) dias.
Cumpre consignar que, diante de todo o explanado, esta decisão não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento apresentado pelo INSS.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 03/02/2017 18:13:58 |
