
| D.E. Publicado em 20/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000839-36.2014.4.03.6007/MS
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo JURANDI ABRAHAO DE OLIVEIRA, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença ou benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença, de fls. 118/121, julgou improcedente o pedido deduzido na inicial. Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Em razões recursais de fls. 123/131, o demandante pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que preenche os requisitos para a concessão do benefício ora vindicado.
Contrarrazões do INSS, às fls. 135/138.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Do caso concreto.
Pleiteou o autor a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é idoso e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O requisito etário fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos em 14/05/2014 (fl. 16), anteriormente à propositura da presente demanda (09/12/2014 - fl. 02).
Por outro lado, informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, as quais ora faço anexar aos autos, dão conta que o requerente percebe benefício previdenciário de aposentadoria por idade desde 26/06/2015 (NB: 153.909.141-1).
Assim, a partir de então, não faz mais jus ao deferimento do benefício assistencial, nos exatos termos do art. 20, §4º, da Lei 8.742/93, o qual veda a cumulação deste com qualquer outro no âmbito da seguridade social, exceto os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
À luz do entendimento consagrado pelo STJ, que prevê, no caso de ausência de requerimento administrativo, a fixação da DIB do benefício assistencial na data da citação (AgRg no REsp 1532015/SP), é certo que, em tese, o demandante faria jus aos atrasados de tal beneplácito da data da citação (03/02/2015 - fl. 61) até a data de início da aposentadoria por idade, em 26/06/2015.
Lembro que, in casu, apesar de ter formulado requerimento administrativo de benefício assistencial, em 07/10/2013 (fl. 49), este foi fundado em seu suposto impedimento de longo prazo (espécie 87), o qual restou afastado pela prova pericial judicial (fls. 100/105). Nesse momento, frisa-se, que o autor não tinha ainda completado 65 (sessenta e cinco) anos de idade.
Pois bem, no interregno entre a citação do ente autárquico e a implantação da aposentadoria por idade, a hipossuficiência econômica do autor também não restou demonstrada.
O estudo social, realizado em 03 de agosto de 2015 (fls. 106/109), informou que o núcleo familiar era formado tão somente pelo autor.
A sua residência era própria, construída em alvenaria, sendo composta por "06 cômodos, 03 quartos, 01 sala, 01 cozinha e 01 banheiro, em bom estado de conservação, informou que não possui outros bens imóveis nem veículo, (...) reside nesta casa aproximadamente 35 anos. Valor do imóvel aproximado de R$30.000,00 (trinta mil reais). Possui rede de água encanada e energia elétrica (...), não possui rede de esgoto e transporte coletivo, a rua possui pavimentação asfáltica e nas proximidades existe um PSF - Programa de saúde da família. Os móveis existentes na casa são; camas, guarda-roupas, fogão, geladeira, armário de cozinha, cadeiras, bancos, rack televisão e ventilador" (sic).
Apesar de não possuir rendimentos, afirmou à assistente que recebe um total de R$247,00 mensais, relativos aos Programas Sociais Vale Renda e Bolsa Família, além de auxílio de sua filha, NAURIDES MORAES OLIVEIRA, no importe de R$250,00, só com medicamentos, mais outros valores que não soube precisar, relativos à sua alimentação.
As despesas, por sua vez, envolvendo gastos com alimentação, gás de cozinha, água, energia elétrica, vestuários e calçados, totalizando um montante total de R$250,00.
Note-se, no entanto, que R$100,00 desse montante correspondiam aos gastos com alimentação, os quais eram arcados por sua filha, NAURIDES MORAES OLIVEIRA. Portanto, a participação em programas sociais permitia ao autor, de fato, cobrir todas as suas despesas.
Alie-se, como elemento de convicção, que a mencionada filha do requerente residia ao lado da casa deste e era proprietária de uma loja de roupas.
Destaco, nessa senda, que o benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
O demandante, consoante o disposto no estudo socioeconômico, ainda fazia acompanhamento médico junto à Santa Casa de Campo Grande/MS, via SUS.
Por fim, repisa-se que as condições de habitabilidade eram satisfatórias, que, além de ser própria, era guarnecida por mobiliário que atendia todas as suas necessidades básicas.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o demandante não se enquadrava na concepção legal de hipossuficiência econômica, no interregno ora em análise, não fazendo, portanto, jus a quaisquer atrasados de benefício assistencial.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e 10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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