
| D.E. Publicado em 14/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e ao reexame necessário para reformar a sentença de primeiro grau, julgar improcedente o pedido inicial e inverter a condenação nas verbas de sucumbência, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0006098-09.2011.4.03.6139/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por REINALDO APARECIDO PEDROSO, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 68/72 julgou procedente o pedido, condenando o INSS no pagamento do benefício assistencial ao autor, a partir do ajuizamento da ação, em 30/09/2010.
Houve condenação no pagamento das prestações vencidas, entre a data de início do benefício, até a data de sua implantação, corrigidas monetariamente na forma prevista no Novo Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução 267/2013 do Conselho da Justiça Federal, sendo acrescidas de juros, nos termos dos artigos 406 do CCB e 161, § 1º do CTN, a contar da citação (STJ, Súmula 204).
O INSS foi condenado ainda, no pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, considerando as parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Não houve concessão de tutela antecipada.
O processo foi encaminhado ao reexame necessário.
Em razões recursais de fls. 75/81, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento da ausência do requisito necessário à concessão do benefício, referente à miserabilidade.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal, (fls. 92/95), para parcial provimento do recurso do INSS, para que o termo de início de concessão do benefício seja alterado para a data da citação e pela reforma de ofício da sentença, para que a atualização monetária seja calculada na forma determinada pelo STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, constato que cabe a remessa necessária da r. sentença.
De acordo com o artigo 475, §2º do CPC/73:
"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
§1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
No caso, a r. sentença condenou o INSS no pagamento do benefício de assistência continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data do ajuizamento da ação, em 30/09/2010. Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício até a data da prolação da sentença, (20/08/2015), somam-se 58 (cinquenta e oito) prestações no valor de um salário mínimo que, devidamente corrigidas e com a incidência dos juros de mora e verba honorária, se afiguram superior ao limite de alçada estabelecido na lei processual. Logo, conheço do reexame necessário.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segunda alega, é incapaz para o trabalho e não possui condições de manter seu próprio sustento ou tê-lo provido por sua família.
O exame médico pericial de fls.51/53, realizado em 12 de abril de 2014, concluiu que o autor portador de esquizofrenia paranoide, (F20.0/CID-10), apresenta incapacidade total e permanente para o trabalho.
O impedimento de longo prazo restou devidamente preenchido, e não foi objeto do recurso.
No entanto, a Autarquia Previdenciária pugnou pela reforma da sentença, posto que, no seu entender, não comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 10 de setembro de 2012, (fls. 38/40), constatou que: "o requerente mora sozinho, na data da visita percebeu-se que não apresenta condições mentais favoráveis para se submeter à entrevista social. Diante da situação apresentada, entrevistamos sua genitora, Sra. Maria Aparecida Pedroso, que reside no mesmo terreno onde reside o autor, cujas verbalizações resumiram-se conforme a seguir:
Composição e histórico familiar, Reinaldo Aparecido Pedroso, autor, 29 anos de idade, solteiro, natural de Itaberá/SP, concluiu o Ensino Médio, desempregado desde o ano de 2003.
A entrevistada informa que devido ao estado de saúde mental do autor, houve necessidade de providenciar moradia em separado dos demais membros familiares, tendo em vista o próprio desejo dele e o quadro de agressividade que apresenta quando se encontra em crises psiquiátricas.
A entrevistada informa também que na outra moradia residem os genitores e a irmã Rafaela Cristina Pedroso, sendo que o genitor do autor é aposentado com renda mensal de um salário mínimo vigente no país.
No momento da visita domiciliar realizada foi exibida a Carteira de Trabalho do autor e constatou-se que os dados informativos encontram-se inalterados conforme está demonstrado às fls. 07 e 08 dos presentes autos.
Situação Socioeconômica familiar
A entrevistada informa que o autor é assistido pela família que mantém todas as suas necessidades básicas.
(...)
Quanto à situação econômica, reside um em quarto construído nos fundos do quintal dos genitores."
Impende frisar que o núcleo familiar é composto pelo requerente, seus genitores idosos e uma irmã.
A renda familiar informada no estudo social é proveniente da aposentadoria recebida pelo genitor do requerente, no valor de um salário mínimo.
Os dados extraídos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, os quais integram o presente voto, revelaram que o genitor do demandante, à época do estudo social, também auferia remuneração por vínculo empregatício junto à "Fazenda Palmeiras do Ricardo S/A", da ordem de R$ 762,00.
No mesmo cadastro, constatou-se que a irmã Rafaela também possui vínculo de emprego desde 08/2011, com remuneração de R$ 1.010,80, à época do estudo social.
Além disso, restou claro na avaliação social que o autor é assistido pela família, que mantém todas as suas necessidades básicas (fl. 39), o que afasta o requisito de miserabilidade.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
O benefício em questão não se destina à complementação da renda familiar, tendo como finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e ao reexame necessário para reformar a sentença de primeiro grau, julgar improcedente o pedido inicial e inverter a condenação nas verbas de sucumbência.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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