
| D.E. Publicado em 22/08/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar extinto o processo, sem resolução de mérito, ante a ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo, e dar por prejudicada a análise da remessa necessária e da apelação do INSS, condenar a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, e revogar os efeitos da tutela concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005246-74.2013.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por LUZINETE CARDOSO SAMPAIO DE SOUZA, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
Pela decisão de fls. 50, foi deferida a antecipação da tutela para determinar, no prazo de 30 dias, a implantação de benefício assistencial em favor da parte autora.
A r. sentença de fls. 71/75 julgou procedente o pedido e reconheceu o direito da parte autora ao benefício assistencial de prestação continuada, mantendo-se a tutela antecipada, devendo o INSS efetuar o pagamento de um salário mínimo ao autor, desde a citação (05/05/2011), pois posteriormente ao pedido administrativo a parte autora registrou contribuição.
Condenou-o, ainda, no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 5% sobre as prestações vencidas, nos termos da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Em razões recursais de fls. 124/125-verso, a Autarquia pugna pela anulação da r. sentença para que o processo seja remetido à primeira instância, a fim de ser realizado novo estudo social. Sustenta que a r. sentença padece de vício insanável de nulidade, tendo em vista a ocorrência de cerceamento de defesa, na medida em que a Autarquia não foi intimada para se manifestar sobre o estudo social, o qual foi realizado de maneira irregular.
Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 131/136), no sentido do desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Observo que a r. sentença que apreciou o mérito da presente demanda foi proferida em 04/09/2012, disponibilizada no Diário da Justiça Eletrônico em 14/09/2012, e a parte autora protocolou, em 06/06/2013, petição objetivando a alteração do termo inicial do benefício pleiteado para que seja fixado a partir do indeferimento do requerimento administrativo, alegando tratar-se de reiteração ao pedido de reforma da decisão monocrática realizado no Recurso de Apelação.
A petição, na verdade, trata-se de apelação, a qual não foi interposta no prazo legal, razão pela qual não a conheço. Procedo ao julgamento apenas das questões insertas no recurso de apelação do INSS e à remessa oficial.
A preliminar de cerceamento de defesa, alegada pelo INSS, deve ser rejeitada, uma vez que a falta de manifestação sobre o estudo socioeconômico não o invalida, nem impede a autarquia de, mediante elementos concretos, impugná-lo em lide recursal.
Passo à análise do mérito.
Como requisito de eficácia de sentenças proferidas em desfavor de entes estatais, a remessa oficial terá a extensão da sucumbência do ente público, observados os requisitos e cláusulas de dispensa previstas na lei processual. Contudo, conforme sedimentado na Súmula 490 do E. STJ, "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas." A mesma orientação consta também no REsp 1101727 / PR (2008/0243702-0), Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, v.u., DJe 03/12/2009, submetido ao procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Pleiteia o INSS a anulação da sentença para que o processo seja remetido à primeira instância, a fim de ser realizado novo estudo social.
A demandante requereu a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alegou, é deficiente, pois sofre de várias patologias que a impedem de laborar, tendo sua renda abaixo de ¼ do salário mínimo.
No caso concreto, há evidências da existência de obstáculos presentes na vida da autora.
Impende analisar o requisito atinente à hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social.
A assistente social, na primeira tentativa, não obteve êxito em realizar o estudo social devido à parte autora não residir no endereço fornecido por seu advogado.
Após nova tentativa, o estudo social foi realizado em 20/02/2012 (fls. 57/60), mediante entrevista com a autora, no escritório do advogado, sob a alegação de que ela não possuía endereço fixo, por estar sendo vítima de tentativa de homicídio por parte de seu ex-marido.
O estudo social afirmou que a "requerente não possui renda alguma", que "está desemparada em todos os aspectos da sua vida econômica e social, e com os vínculos familiares totalmente rompidos" e que "não recebe ajuda de parentes e, seus filhos não querem contato com sua genitora."
O benefício assistencial, desde que presentes os requisitos estabelecidos pelo art. 20, da Lei 8.742/93, com a redação da Lei nº 12.435/2011, também é devido à pessoa em situação de rua, conforme expressamente previsto no art. 13, §§ 6º e 8º, do Decreto 6.214, de 26/09/2007, que o regulamenta.
Porém, em tal situação, há a obrigatoriedade de ser fornecido ao menos um endereço em que o interessado possa ser encontrado, seja o do serviço da rede sócioassistencial que faça o acompanhamento ou o das pessoas com as quais mantém relação de proximidade, assim entendida aquela que se estabelece entre o requerente em situação de rua e as pessoas por ele indicadas como pertencentes ao seu ciclo de convívio que podem facilmente localizá-lo (art. 13, §§ 6º e 8º, do Decreto 6.214/2007, com a redação dada pelo Decreto 8.805/2016).
Assim, o estudo social elaborado mediante entrevista no escritório do advogado, apesar de não ser inválido, não se presta a aferir a real condição de hipossuficiência da parte autora. Neste ponto, ressalto que o benefício assistencial possui caráter pessoal e a situação que ensejou a sua concessão pode cessar no decorrer de sua fruição, razão pela qual pode ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
Dessa forma, além da imprestabilidade do laudo social para o fim a que se destina, o desaparecimento da autora, sem informar o endereço de onde pudesse ser encontrada, inviabiliza o seu pagamento.
Já neste Tribunal, foi determinada, em 01/08/2013, fls. 142, a intimação do patrono da parte autora para que indicasse o endereço de domicílio onde seria realizada nova diligência para elaboração de novo laudo pericial. O prazo decorreu sem manifestação.
Em 23/01/2014, fls. 146, foi determinada nova intimação para que a autora cumprisse a determinação anterior. Desta vez o advogado requereu o sobrestamento do feito por 90 (noventa) dias, cujo pedido foi deferido, fls. 152.
Em outras duas ocasiões, em 03/07/2014 e 13/08/2014, fls. 156 e 160, houve determinações para que o advogado fosse intimado para informar acerca do paradeiro da parte autora. Ambos os prazos decorreram sem manifestação do advogado.
Diante do exposto, julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, ante a ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo (art. 267, IV, do CPC/73 e art. 485, IV, do CPC/2015), e dou por prejudicada a análise da remessa necessária e da apelação do INSS.
Condeno a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Revogo os efeitos da tutela concedida.
Comunique-se o INSS.
É como voto.
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 08/08/2017 15:39:04 |
