
| D.E. Publicado em 14/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação do INSS, para fixar os juros de mora, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e a correção monetária, de acordo com o mesmo Manual, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012843-89.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA, objetivando concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 203/204, julgou procedente o pedido inicial para condenar a Autarquia a conceder à autora o benefício de forma continuada e para ressarcir os valores não pagos, a partir da data da citação, em 12/09/13, por ausência de requerimento administrativo. Houve concessão de tutela antecipada.
Houve condenação no pagamento das parcelas em atraso de uma só vez, com incidência de correção monetária e juros conforme disposto no artigo 1º F da Lei 9.494/97, calculado segundo o manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal para benefícios previdenciários.
Os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor do somatório das prestações vencidas até a sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ.
A Autarquia previdenciária foi isentada do pagamento das custas processuais, sem abrangência das despesas processuais que houver efetuado, bem como aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Em razões recursais de fls.211/214, o INSS pugna inicialmente pela suspensão da tutela antecipada concedida. No mérito, requer a reforma da sentença, ao fundamento da ausência do requisito necessário à concessão do benefício, referente à miserabilidade. Eventualmente, caso mantida a decisão, requer a aplicação da TR como índice de correção monetária. Por fim, prequestiona a matéria.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal, (fls. 236/238), pelo parcial provimento para que o benefício seja mantido e a atualização monetária seja calculada na forma determinada pelo STF nas Ações de Inconstitucionalidade nºs 4357/DF e 4425/DF.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A suspensão da tutela antecipada se confunde com o mérito e com ele será analisada.
Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segunda alega, é incapaz para o trabalho e não possui condições de manter seu próprio sustento ou tê-lo provido por sua família.
O laudo pericial de fls. 183/184 concluiu que: "trata de diabética e hipertensa grave que, apesar do uso das medicações, tem dificuldade em controlar as doenças em vista do déficit intelectual.
Diagnóstico da requerente como portadora de hipertensão, diabetes e déficit cognitivo.
Conclusão: A periciada apresenta incapacidade total para a vida independente."
O impedimento de longo prazo restou devidamente preenchido, e não foi objeto do recurso do INSS.
No entanto, a Autarquia Previdenciária pugnou pela reforma da sentença, posto que no seu entender, não comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 01 de julho de 2014, (fls. 137/140), colheu os seguintes elementos: "quanto à composição familiar, moram na mesma casa, a requerente, MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA, brasileira, convivente, cor branca, 54 anos de idade, analfabeta, inválida; o companheiro EVANILDO CORDEIRO RAMOS, brasileiro, nascido aos 11.11.58, portador do RG 50.871.998-7 CPF 458534298-25, desempregado; DANIEL DA SILVA RAMOS, brasileiro, solteiro, 16 anos de idade, cursa a quinta série do ensino fundamental.
Quanto ao aspecto econômico, habitacional e de saúde: residem em casa própria localiza à Rua Espírito Santo, 330, município de São Francisco/SP.
Trata-se de uma residência construída de alvenaria, composta de dois dormitórios, uma sala, uma cozinha e uma área ao lado com dimensões pequenas e em péssimo estado de higiene e conservação.
Dispõe de energia elétrica, saneamento básico e pavimentação asfáltica.
Os móveis e utensílios domésticos disponíveis são simples, escassos, de uso prolongado e em péssimas condições de higiene e conservação.
Não apresenta renda familiar, sobrevive de doações e ajuda de um filho José que trabalha como servente de pedreiro.
Não está incluída em programas sociais.
Dispõe de atendimento médico hospitalar oferecido pelo SUS Sistema Único de Saúde.
Apresenta as despesas: energia elétrica R$ 40,00 mensais; água R$ 25,00 mensais; alimentos ganham de pessoas da comunidade; gás R$ 39,00 mensais. Vestuário e calçados ganham de pessoas da comunidade.
(...)
A requerente verbalizou que ganha alimentos de uma pessoa do Centro Espírita e que às vezes não tem refeição todos os dias."
Impende frisar que o núcleo familiar é composto por três integrantes, a autora, seu companheiro e o filho menor, com 16 anos.
A condição da requerente é precária em todos os sentidos, não aufere nenhum tipo de renda, sobrevive de doações, inclusive de alimentos, em razão disso, tem dias que não come.
Não obstante constar do relatório social (fl. 137), a ajuda oferecida pelo filho José, esta não é suficiente a afastar a miserabilidade da requerente, haja vista todas as privações relatadas pela assistente social, e, além disso, não foi trazido nenhum documento comprobatório da real situação econômica dele, por parte da Autarquia, a fim de comprovar suas alegações, a teor do artigo 373, II do atual Código de Processo Civil.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social a justificar a concessão do benefício vindicado.
Os juros de mora entretanto, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Já a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009. Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
Cumpre consignar que, diante de todo o explanado, esta decisão não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento apresentado pelo INSS.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação do INSS, para fixar os juros de mora, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e a correção monetária, de acordo com o mesmo Manual, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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