Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5027233-08.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
25/10/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 29/10/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. DEFICIÊNCIA CONFIGURADA.
HIPOSSUFICIÊNCIA CONFIGURADA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. DEVIDA
A CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O pedido de concessão de benefício da justiça gratuita, deferido pelo juízo a quo, e não sendo
passível de revogação, torna-se dispensável nessa instância recursal.
- Afasta-se o decreto de revelia do INSS, nos termos do artigo 344, inciso II do CPC, uma vez que
a presente hipótese versa sobre direito indisponível.
-Aação de concessão de benefício assistencial caracteriza-se por ter como objeto relações de
trato sucessivo, que contem implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as
condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisajulgada material, tem-se nova
causa de pedir próxima ou remota.
- Conforme se depreende dos exames colacionados aos autos (ID 4361555, 4361556, 4361557,
136781539), bem como do laudo pericial (ID 4361572), houve um agravamento no estado de
saúde do autor. Desta forma, ausente a identidade entre pedidos e causa de pedir entre as
demandas, não há que se falar em ocorrência de coisajulgada.
- O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da
República Federativa do Brasil, consiste na “garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com
deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (art. 20, caput, da Lei
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
nº 8.742/1993).
- O amparo assistencial exige, para sua concessão, que o requerente comprove ser idoso com
idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,caput, da Lei nº 8.742/1993) ou ter impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial(art. 20, § 2º, da LOAS).
-Trata-se de núcleo familiar que sobrevive de forma muito modesta, afigurando-se compatível
com a situação de miserabilidade defendida na inicial.
- Diante do conteúdo probatório dos autos,uma vez que excluído o valor deum benefício
assistencialrecebido por um dosgenitores do autor, no valor de 01 salário mínimo,em atenção ao§
14 do artigo 20 da LOAS, a renda per captado núcleo familiar alcançaapenas meio salário
mínimo, decorrente do valor do benefício assistencial recebido pelo outro genitor, o que autoriza a
concessão do pedido inicial.
- Presentes os requisitos estabelecidos no art. 20 da Lei nº 8.742/1993, é devido o benefício
assistencial.
- Juros de mora e correção monetária fixados nos termos explicitados.
- Parecer do Ministério Público rejeitado. Apelação da parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5027233-08.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: VALMIR DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ALAN GONCALVES MOREIRA BATISTA SOUZA - SP340217-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5027233-08.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: VALMIR DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ALAN GONCALVES MOREIRA BATISTA SOUZA - SP340217-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):
Trata-se de recurso de apelação da parte autora, em face de sentença proferida em demanda
proposta objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da
Constituição da República.
A r. sentença julgou improcedente o pedido para condenar o réu ao pagamento do benefício
previdenciário pleiteado de 01 salário mínimo mensal, uma vez que não atende aos requisitos
legais exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Houve condenação da parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como
dos honorários advocatícios fixados em R$ 500,00, observado o benefício da justiça gratuita (ID
4361587).
A ação foi ajuizada em 17/08/2017. Atribuiu-se à causa o valor de R$ 11.244,00. A sentença foi
proferida em 05/02/2018.
Em suas razões recursais, a parte autora requer a concessão dos benefícios da justiça gratuita.
Sustenta que no caso em epígrafe ocorreu a revelia do INSS, uma vez que não apresentou
contestação em tempo hábil, devendo ser aplicado o disposto no artigo 344 do CPC c/c o artigo
355, inciso II do mesmo diploma legal.
No mérito, sustenta que estão preenchidos os requisitos necessários para a concessão do
benefício assistencial.
Prequestiona a matéria para o fim de interposição de recurso à instância superior.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Intimado, o Ministério Público Federal deixa de se manifestar sobre o mérito do recurso,
requerendo a inclusão do feito em pauta para julgamento.
A parte peticiona (ID 1367813120) informando o agravamento da saúde do requerente.
O Ministério Público Federal, após intimação da sessão de julgamento,apresentou novo parecer
opinando pelo não provimento do recurso de apelação ou, ainda, seja extinto o processo sem
resolução do mérito, uma vez que o autor ingressou com ação idêntica (processo nº 0001431-
49.2013.8.26.0411), sem que tenha havido alteração da situação fática.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5027233-08.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: VALMIR DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ALAN GONCALVES MOREIRA BATISTA SOUZA - SP340217-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):
O presente recurso é tempestivo e atende aos demais requisitos de admissibilidade, razão pela
qual merece ser conhecido.
Com relação ao pedido de concessão de benefício da justiça gratuita, deferido pelo juízo a quo
(ID 4361560, pg. 1), não sendo passível de revogação, torna-se dispensável nessa instância
recursal.
Noutro ponto, observo que o INSS, citado, não apresentou contestação.
No entanto, o INSS integra o conceito de pessoa jurídica de direito público, razão pela qual
estásujeito às restrições e privilégios próprios de sua condição.
Com efeito, a revelia não produz efeito em relação à autarquia previdenciária, uma vez que
defende e representa o interesse público.
Desta forma, afasto o decreto de revelia do INSS, nos termos do artigo 344, inciso II, do CPC,
uma vez que a presente hipótese versa sobre direito indisponível.
Nesse sentido, os seguintes precedentes desta E. Corte. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DECISÃO
MONOCRÁTICA. AGRAVO INTERNO DA PARTE AUTORA. MANUTENÇÃO DO JULGADO
AGRAVADO. AGRAVO DESPROVIDO.
- Inviabilidade do agravo interno quando constatada, de plano, a improcedência da pretensão
recursal, mantidos os fundamentos de fato e de direito do julgamento monocrático, que bem
aplicou o direito à espécie.
- A decisão foi clara no sentido de que os efeitos da revelia não se aplicam ao INSS,
considerando que se trata de pessoa jurídica de direito público, e versando a lide sobre direitos
indisponíveis, nos termos do art. 344, II do NCPC.
- Ademais, ao pedido de aposentadoria, o inciso III, do art. 202, aponta que se faz necessário o
preenchimento do requisito do tempo de trinta e cinco anos de tempo de serviço ao homem,
sendo a nova regra dos 85/95 pontos apenas determinante para a incidência ou não do fator
previdenciário no cálculo do benefício.
- No caso, o autor não completou tempo suficiente ao deferimento do benefício, por isso o fato de
a soma de seu tempo de serviço e idade alcançar os 95 pontos não tem relevância.
- Agravo interno desprovido.
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5897198-06.2019.4.03.9999, Rel.
Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 30/04/2020, e - DJF3 Judicial 1
DATA: 05/05/2020)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO DOENÇA. REALIZAÇÃO DE
NOVA PERÍCIA. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE.
I- A perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo a quo, tendo sido
apresentado o parecer técnico devidamente elaborado, com respostas claras e objetivas, motivo
pelo qual não merece prosperar o pedido de realização de nova prova pericial por médico
especialista. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, pode concluir
pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art. 370 do CPC.
II- Os requisitos previstos na Lei de Benefícios para a concessão da aposentadoria por invalidez
compreendem: a) o cumprimento do período de carência, quando exigida, prevista no art. 25 da
Lei n° 8.213/91; b) a qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios e c) a
incapacidade definitiva para o exercício da atividade laborativa. O auxílio doença difere apenas no
que tange à incapacidade, a qual deve ser temporária.
III- In casu, a alegada invalidez não ficou caracterizada pela perícia médica, conforme parecer
técnico elaborado pelo Perito. A revelia em relação à autarquia não produz o efeito que lhe é
próprio, ou seja, a confissão ficta da matéria de fato. Os seus efeitos são inaplicáveis à Fazenda
Pública, na medida em que esta defende e representa o interesse público. A ausência de
contestação a determinada alegação contida na inicial não significa, portanto, que os fatos
alegados pela parte autora serão considerados verdadeiros. O que ocorre, efetivamente, é a
apreciação em conjunto dos fatos alegados e os demais elementos do processo, a teor do art.
131 do CPC. Ademais, a presunção de veracidade decorrente da revelia somente atinge os fatos
afirmados pelo autor (CPC, art. 319), não defluindo dela a inquestionabilidade do direito pleiteado
pela parte, consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça (Recurso
Especial nº 252.152-RS, Relator Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, j. em 20/2/01, v.u.,
D.J. de 16/4/01; Recurso Especial nº 108.824.152-RS, Relator Ministro Milton Luiz Pereira,
Primeira Turma, j. em 3/9/98, v.u., D.J. de 3/11/98).
IV- Preliminar rejeitada. No mérito, apelação improvida.
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 6083045-81.2019.4.03.9999, Rel.
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, julgado em 11/03/2020, e - DJF3 Judicial 1
DATA: 17/03/2020) (g.n.)
Superadas essas questões, passo ao exame da insurgência recursal propriamente dita,
considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA COISA JULGADA
Trata-se de ação proposta objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no artigo
203, inciso V, da Constituição da República.
Com efeito, a ação de concessão de benefício assistencial caracteriza-se por ter como objeto
relações de trato sucessivo, que contem implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que,
modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisajulgada material,
tem-se nova causa de pedir próxima ou remota.
No caso dos autos, conforme constou na r. sentença, o autor teria ajuizadoação idêntica
(processo nº 0001431-49.2013.8.26.0411), que foi julgada improcedente em 29/06/2015, não
havendo alteração na situação fática.
Todavia, não pode prevalecer esse entendimento pois, conforme se depreende dos exames
colacionados aos autos (ID 4361555, 4361556, 4361557, 136781539), bem como do laudo
pericial (ID 4361572), houve um agravamento no estado de saúde do autor.
Desta forma, ausente a identidade entre pedidos e causa de pedir entre as demandas, não há
que se falar em ocorrência de coisajulgada.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
A Constituição da República em seu artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no
valor de um salário-mínimo, nos seguintes termos, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."
A Lei nº 8.742, de 7/12/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), deu
eficácia às normas constitucionais do inciso V do artigo 203, e criou o benefício de prestação
continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20, in
verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela
Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Lei nº 13.985, de 2020)
A LOAS está regulamentada, atualmente, pelo Decreto nº 6.214, de 26/09/2007.
Registre-se, também, que “a assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os
requisitos constitucionais e legais”, conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal
Federal no julgamento do RE n. 587.970, com repercussão geral (Ministro MARCO AURÉLIO,
Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL –
MÉRITO, publ. 22-09-2017)
IDOSO E PESSOA COM DEFICIÊNCIA
O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para
a concessão do amparo assistencial. O requerente deve comprovar: (1) alternativamente, ser
idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou ser pessoa com deficiência; e (2) estar em
situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de
condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida por família.
A pessoa idosa é considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei
nº 10.741, de 01/10/2003 (Estatuto do Idoso).
A pessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é considerada aquela que tem
“impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas”. (redação dada pela Lei nº 13.146, de
06/07/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Ressalte-se que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo prazo mínimo de
dois anos, na forma do artigo 20, § 10º, da LOAS, incluído pela Lei nº 12.470, de 2011.
Esse tema foi enfrentado por esta Egrégia Nona Turma conforme o excerto da ementa que ora
trazemos à colação:
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA -
ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS COMPROVADOS. TERMO INICIAL
– REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE
PROVIDA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
(...)
II - O art. 203, V, da Constituição Federal, protege a pessoa com deficiência, sem condições de
prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, o que não se esgota na simples análise
da existência ou inexistência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho. O
legislador constituinte quis promover a integração da pessoa com deficiência na sociedade e no
mercado de trabalho, mas não transformou a deficiência em incapacidade e nem a incapacidade
em deficiência. Então, já na redação original da lei, a incapacidade para o trabalho e a vida
independente não eram definidores da deficiência.
III - Com a alteração legislativa, o conceito foi adequado, de modo que a incapacidade para o
trabalho e para a vida independente deixaram de ter relevância até mesmo para a lei. O que
define a deficiência é a presença de “impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”
(art. 20, § 2º, da LOAS).
(...)
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5119154-48.2018.4.03.9999, Rel.
Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS, julg. 28/07/2019)
Da mesma forma, ainda sobre o conceito de pessoa com deficiência, dispõe a Súmula nº 48 da
TNU, in verbis: “Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o
conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de
incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração
mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data
prevista para a sua cessação.” (Redação alterada na sessão de 25.4.2019, DJe nº 40, Data:
29/04/2019).
A avaliação de deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de Seguro
Social (INSS), por meio de perícia médica e social, na forma preconizada pelo § 6º do artigo 20
da LOAS (redação da Lei nº 12.470, de 2011).
Nesse sentido, inclusive, é a dicção da Súmula 80 da TNU: “Nos pedidos de benefício de
prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei 12.470/11, para adequada
valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais que impactam na participação
da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a realização de avaliação social por
assistente social ou outras providências aptas a revelar a efetiva condição vivida no meio social
pelo requerente”.
Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial depende
da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, consoante previsto em regulamento (§
12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei nº 13.846, de 18/06/2019).
DO NÚCLEO FAMILIAR
O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º, in verbis:
Art. 20 (...)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
(Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência
econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS);
depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991,
desde que vivessem sob o mesmo teto (MP nº 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei nº
9.720, de 30/11/1998).
DA COMPOSIÇÃO DA RENDA
O cômputo da renda para fins de aferição da situação de hipossuficiência não pode indicar outros
benefícios sociais, segundo o que foi preconizado pelo artigo 20, § 4º, in verbis:
Art. 20 (...)
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer
outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da
pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
Houve alteração dessa regra, pelo parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741, de 2003, o
Estatuto do Idoso, que passou a admitir que o benefício assistencial concedido a qualquer
membro da família idoso não seria computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita.
Todavia a Colenda Corte Suprema, no julgamento do RE nº 580.963/PR, decidiu pela
inconstitucionalidade por omissão parcial, sem pronúncia de nulidade, da referida norma,
conforme a seguinte ementa, cujo excerto trago à colação:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
(...)
4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O
Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a
qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita
a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de
previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de
justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5.
Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo
único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 580963, Relator Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, publ. 14/11/2013)
Essa declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade permite a manutenção da
norma inconstitucional no ordenamento jurídico até a edição de nova lei substituindo-a.
Nessa linha de intelecção, o Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº
1.355.052, Tema Repetitivo 640, sob a sistemática do art. 543-C do CPC/1973 (artigo 1.036 do
CPC/2015), firmou entendimento no sentido de que não se computa o valor de um salário-mínimo
percebido por idoso a título de benefício assistencial ou previdenciário para fins de aferição de
hipossuficiência de núcleo familiar.
Confira-se:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.”
(REsp 1.355.052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Atualmente, perdeu o sentido a discussão acerca da aplicação do artigo 34 da Lei nº 10.741, de
2003, Estatuto do Idoso, para fins da composição da renda.
Isso porque a Lei nº 13.982, de 02/04/2020, passou a prever expressamente que não será
computado um benefício assistencial na composição da renda para fins de concessão de outro
BPC, conforme o novel § 14 incluído no artigo 20 da LOAS, in verbis:
“Art. 20 (...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um)
salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com
deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a
outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o §
3º deste artigo.”
Portanto, conforme o entendimento jurisprudencial firmado pelas Cortes Superiores, e positivado
pelo Legislador Federal, deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor proveniente de
1 (um) benefício assistencial ou de 1 (um) previdenciário no valor de até um salário-mínimo,
recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA
A definição legal do conceito de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também
marcada por discussões que conduziram a evolução legislativa e jurisprudencial.
Convém anotar os textos que permearam a vontade do Legislador Federal, fixando o requisito
nos seguintes termos:
Art. 20 (...)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada
pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº
13.981, de 20) (Vide ADPF 662)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja: (Redação dada pela Lei nº 13.982, de 2020)
I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020; (Incluído
pela Lei nº 13.982, de 2020)
Na esfera judicial, o parâmetro consistente na renda per capta de ¼ (um quarto) do salário-
mínimo, como critério objetivo, foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADI nº 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal
(STF), que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93. (ADI 1232,
Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado
em 27/08/1998)
Nesse diapasão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça referendou o entendimento no sentido de
que o exame do conjunto probatório para aferição da condição de miserabilidade deveria ter
como vetor o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a fim de garantir ao
requerente suas necessidades básicas de subsistência física, conforme consignado no
julgamento do Tema 185 no REsp 1.112.557, sob o rito dos repetitivos, assim ementado:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Entretanto, diversas leis haviam sido editadas dispondo sobre diferentes critérios à concessão de
outros benefícios de natureza assistencial como, por exemplo: a inscrição da família no Cadastro
Único para Programas Sociais do Governo Federal, Lei nº 12.470, de 31/08/2011; a Bolsa
Família, Lei 10.836/2004; o Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Lei 10.689/2003; o
Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03; o Bolsa Escola, Lei 10.219/01; a concessão pelo Poder
Executivo de apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda
mínima associados a ações socioeducativas, Lei 9.533/97; dentre outros.
Essa circunstância conduziu à conclusão inevitável no sentido de que o Poder Legislativo havia
suplantado o limite de um quarto do salário-mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos
pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo
coeso.
A persistência dos debates conduziu o Colendo Supremo Tribunal Federal a declarar a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da Lei Assistencial,
no julgamento do RE nº 567.985, sob os auspícios da repercussão geral, cuja ementa foi assim
redigida:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz
de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal
per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações
de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial
previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o
Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal
Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da
renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-
se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real
estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente,
foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever
anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critério objetivos. Verificou-se a
ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-194, publ. 03-
10-2013)
O precedente emanado do julgamento fixou o Tema 27: “Meios de comprovação do estado
miserabilidade do idoso para fins de percepção de benefício de assistência continuada”, com a
seguinte Tese:“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda
familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para
concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da
Constituição”.
No ano de 2020, com o intuito de estabelecer medidas excepcionais de proteção social, tendo em
vista a emergência de saúde pública decorrente da pandemia internacional da covid-19, foi
alterado o § 3º do artigo 20 da LOAS, pela Lei nº 13.981, de 23/03/2020, passando a prever que o
critério objetivo seria majorado para 1/2 (metade) do salário-mínimo.
Todavia, em 24/03/2020, foi protocolada a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental ADPF n° 662, pela Presidência da República em face do Projeto de Lei do Senado
n. 55, de 1996, na parte que promove alteração no art. 20, §3º., da Lei n. 8.742;93 (LOAS), por
descumprimento dos seguintes preceitos fundamentais: art. 1º, caput; art. 2º; art. 5º, LIV e § 2º;
art. 37; art. 195, §5º; todos da Constituição e arts. 107 a 113 do Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias.
Foi acolhido o pedido liminar pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes, que em 03/04/2020 assim se
pronunciou: “Concedo, em parte, a medida cautelar postulada, ad referendum do Plenário,
apenas para suspender a eficácia do art. 20, § 3º, da Lei 8.742, na redação dada pela Lei 13.981,
de 24 de março de 2020, enquanto não sobrevier a implementação de todas as condições
previstas no art. 195, §5°, da CF, art. 113 do ADCT, bem como nos arts. 17 e 24 da LRF e ainda
do art. 114 da LDO”.
Em 02/04/2020, contudo, foi editado novo diploma legislativo, a Lei nº 13.982, de 02/04/2020,
alterando novamente o § 3º do artigo 20 da LOAS para retornar a sua redação original.
DO CASO CONCRETO
Trata-se de pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente.
Da análise da perícia médica realizada em 18/10/2017 (ID 4361572), constatou-se que a parte
autora é portadora de doença nos membros inferiores como trombose venosa profunda e varizes
nos membros inferiores, com presença de úlcera inflamada desde 2013.
Em resposta ao quesito complementar apresentado pela parte autora, no que tange a existência
de deficiência ou impedimento de logo prazo, o perito assim respondeu: “Não é portador de
deficiência e sim patologia permanente que gera impedimento para determinadas funções.
Encontra-se com incapacidade parcial e permanente.”
Ao final da avaliação médica, o perito assim concluiu:
“Conforme informações colhidas no processo, anamnese com o periciado, exames e atestados
anexados ao processo, exame físico realizado no ato da perícia médica judicial, periciado
apresenta incapacidade parcial e permanente para o exercício de suas atividades laborais
habituais. Portador de trombose venosa profunda e varizes nos membros inferiores com ulcera
inflamada. A patologia identificada no exame Doppler apresentado, assim como as alterações no
exame físico levam a necessidade de reabilitação para outra função, evitando piora da patologia e
facilitando o tratamento.” (ID4361572 - Pág. 5)
Tratando-se de pedido de concessão de benefício assistencial, a deficiência deve ser analisada
levando-se em conta, não apenas a doença ou moléstia, mas também as condições pessoais,
sociais, econômicas e culturais do requerente que impedem a sua participação na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas.
No caso concreto, o autor, nascido em 1963, com pouco grau de escolaridade (1º grau
incompleto), tem experiência no setor metalúrgico como forneiro por 10 anos e atualmente
trabalha em serviços gerais rurais (colheita de alimentos).
Desta forma, entendo que a patologia permanente da parte autora deve ser caracterizada como
deficiência para fins dobenefício aqui pleiteado, uma vez que, considerando a atividade laborativa
exercida, nível de instrução e idade, é muito pouco provável a possibilidade de reabilitação para
funções que não demandem esforço físico intenso, deambulação prolongada e permanência por
muito tempo em pé, conforme parecer do perito médico.
Assim, entendo que a parte autora é deficiente para fins assistenciais.
No que tange à hipossuficiência econômica, o laudosocial (ID 4361569), trouxe as seguintes
considerações:
(I) o autor reside com seus genitores, pessoas muito idosas, em imóvel cedido, em precárias
condições de manutenção;
(II) a renda familiar é composta por benefício assistencial recebido por cada um de seus genitores
no valor de 01 salário mínimo;
(III) as despesas mensais estão assim distribuídas: a) alimentação: R$ 1.180,00; b)
medicamentos: R$ 350,00; c) energia elétrica: R$ 125,00; d) água: R$ 50,00; e) gás: R$ 65,00.
Trata-se de núcleo familiar que sobrevive de forma muito modesta, afigurando-se compatível com
a situação de miserabilidade defendida na inicial.
Destarte, diante do conteúdo probatório dos autos, entendo que restaram preenchidos os
requisitos legais necessários à concessão do benefício assistencial, uma vez que excluído o valor
deum benefício assistencialrecebido por um dosgenitores do autor, no valor de 01 salário mínimo,
em atenção ao§ 14 do artigo 20 da LOAS, a renda per captado núcleo familiar alcançaapenas
meio salário mínimo, decorrente do valor do benefício assistencial recebido pelo outro genitor, o
que autoriza a concessão do pedido inicial.
DATA DO INÍCIO DO BENEFÍCIO (DIB)
Consoante os elementos probatórios, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do
requerimento administrativo, em 12/01/2017.
Custas e despesas processuais
O INSS, como autarquia federal, é isento do pagamento de custas na Justiça Federal, por força
doartigo 4º, I, da Lei Federal nº 9.289/1996.
Da mesma forma, em face do disposto no artigo 1º, § 1º, da referida lei, combinado com o
estabelecido pelo artigo 6º da Lei Estadual paulista nº 11.608, de 2003, também está isento nas
lides aforadas perantea JustiçaEstadual de São Paulo no exercício da competência delegada.
Quanto às demandas aforadas noEstado de Mato Grosso do Sul, a isenção prevista nas Leis
Estaduais sul-mato-grossensesnºs1.135/91 e 1.936/98 foi revogada pela Lei Estadual nº 3.779/09
(art. 24, §§ 1º e 2º), razão pela qual cabe ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais
naquele Estado.
Caberá à parte vencida arcar com as despesas processuais e ascustassomente ao final, na forma
do artigo 91 do CPC.
Consectários legais
Aplica-se aos débitos previdenciários a súmula 148 do C.STJ:"Os débitos relativos a benefício
previdenciário, vencidos e cobrados em juízo após a vigência da Lei nº 6.899/81, devem ser
corrigidos monetariamente na forma prevista nesse diploma legal”. (Terceira Seção, j.
07/12/1995)
Da mesma forma, incide a súmula 8 deste E. Tribunal: “Em se tratando de matéria previdenciária,
incide a correção monetária a partir do vencimento de cada prestação do benefício, procedendo-
se à atualização em consonância com os índices legalmente estabelecidos, tendo em vista o
período compreendido entre o mês em que deveria ter sido pago, e o mês do referido
pagamento".
a) Juros de mora
A incidência de juros de mora deve observar a norma do artigo 240 do CPC de 2015,
correspondente ao artigo 219 do CPC de 1973, de modo que são devidos a partir da citação, à
ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02; após, à razão
de 1% ao mês, por força do art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009
(art. 1º-F da Lei 9.494/1997), de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança,
conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e
no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
b) Correção monetária
Há incidência de correção monetária na forma da Lei n. 6.899, de 08/04/1981 e da legislação
superveniente, conforme preconizado pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, consoante os
precedentes do C. STF no julgamento do RE n. 870.947 (Tema 810), bem como do C. STJ no
julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
c) Honorários advocatícios
Em razão da sucumbência, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados
em patamar mínimo sobre o valor da condenação, observadas as normas do artigo 85, §§ 3ºe 5º,
do CPC/2015.
Os honorários advocatícios, conforme a Súmula 111 do C. STJ, incidem sobre as parcelas
vencidas até a sentença de procedência; porém, tendo em vista que a pretensão do requerente
apenas foi deferida nesta sede recursal, a condenação da verba honorária incidirá sobre as
parcelas vencidas até a data da presente decisão.
Ante o exposto, REJEITO o parecer ministerial eDOU PROVIMENTO à apelação da parte autora,
nos termos da fundamentação.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Juíza Federal Convocada Vanessa Mello: A Juiza Federal Convocada Leila Paiva,
em seu fundamentado voto, deu provimento à apelação para reformar a sentença e conceder o
benefício assistencial desde o requerimento administra.
Ouso, porém, apresentar divergência, pelas seguintes razões.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
Com a devida vênia, entendo não estar patenteado o requisito subjetivo da deficiência.
Realizada a perícia médica em 18/10/2017, o laudo apresentado (id 43661572) informa ao
responder os quesitos que abaixo destaco:
O periciado é portador de alguma deficiência? Favor responder este quesito utilizando-se da
condição prevista na CIF, com o respectivo código concernente ao componente “a”, da, Parte 1,
da CIF (funções e estruturas do corpo), fundamentando a escolha dos domínios, constructos e
qualificadores.
R: Não. Periciado é portador de doença nos membros inferiores como trombose venosa profunda
e varizes nos membros inferiores, com presença de úlcera inflamada.
--------------------
O Autor está incapacitado para o labor ou sua atividade habitual? Referida incapacidade é Parcial
ou Absoluta? Total ou Permanente?
R: Sim, incapacidade parcial e permanente.
-----------------
Com referidas patologias, poderá o Autor exercer de forma satisfatória sua função laborativa ou
pode exercer sua vida diária de forma normal?
R: Deve ser reabilitado para outra função, sem interferência em sua vida diária.
-----------------
Considerando a Idade, Estado de Saúde, Grau de Escolaridade, pode o Autor exercer de forma
satisfatória as atividades da vida e do trabalho?
R: Quanto às atividades da vida não há limitações ou impedimentos, quanto ao trabalho deve ser
reabilitado para outra função.
-----------------
Qual a Especialidade Médica do presente Perito:
R: Clínica geral, medicina do trabalho e perícias médicas.
----------------------
E, assim conclui a perícia médica:
“Conforme informações colhidas no processo, anamnese com o periciado, exames e atestados
anexados ao processo, exame físico realizado no ato da perícia médica judicial, periciado
apresenta incapacidade parcial e permanente para o exercício de suas atividades laborais
habituais. Portador de trombose venosa profunda e varizes nos membros inferiores com ulcera
inflamada. A patologia identificada no exame Doppler apresentado, assim como as alterações no
exame físico levam a necessidade de reabilitação para outra função, evitando piora da patologia e
facilitando o tratamento.”
Evidente que a incapacidade para o trabalho não constitui único critério para a abordagem da
deficiência, na forma da nova redação do artigo 20, § 2º, da LOAS.
Mas, não é qualquer impedimento que configura barreira hábil à configuração da deficiência para
fins assistenciais, pois a técnica de proteção social constitucionalmente designada para a
cobertura dos eventos “doença” e “invalidez” é a previdência social (artigo 201, I, da CF/88).
O benefício assistencial de prestação continuada não pode ser postulado como substituto de
auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, não patenteada, no caso, a existência de barreiras
sérias à integração social.
À vista do exposto, a situação fática prevista neste processo não permite a incidência da regra do
artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, devendo a cobertura ser buscada na previdência social, cujas
prestações dependem de pagamento de contribuições previdenciárias.
Considerada a necessidade da coexistência de requisitos cumulativos para a concessão do
benefício assistencial, a teor do disposto no artigo 20, caput, da Lei n. 8.742/1993, ausente o
requisito da deficiência, resta prejudicada a análise do requisito da hipossuficiência, tornando-se
inviável a concessão do benefício.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO.
Fica mantida a condenação em honorários de advogado, ora arbitrados em 12% (doze por cento)
sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do
artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98,
§ 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. DEFICIÊNCIA CONFIGURADA.
HIPOSSUFICIÊNCIA CONFIGURADA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. DEVIDA
A CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O pedido de concessão de benefício da justiça gratuita, deferido pelo juízo a quo, e não sendo
passível de revogação, torna-se dispensável nessa instância recursal.
- Afasta-se o decreto de revelia do INSS, nos termos do artigo 344, inciso II do CPC, uma vez que
a presente hipótese versa sobre direito indisponível.
-Aação de concessão de benefício assistencial caracteriza-se por ter como objeto relações de
trato sucessivo, que contem implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as
condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisajulgada material, tem-se nova
causa de pedir próxima ou remota.
- Conforme se depreende dos exames colacionados aos autos (ID 4361555, 4361556, 4361557,
136781539), bem como do laudo pericial (ID 4361572), houve um agravamento no estado de
saúde do autor. Desta forma, ausente a identidade entre pedidos e causa de pedir entre as
demandas, não há que se falar em ocorrência de coisajulgada.
- O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da
República Federativa do Brasil, consiste na “garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com
deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (art. 20, caput, da Lei
nº 8.742/1993).
- O amparo assistencial exige, para sua concessão, que o requerente comprove ser idoso com
idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,caput, da Lei nº 8.742/1993) ou ter impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial(art. 20, § 2º, da LOAS).
-Trata-se de núcleo familiar que sobrevive de forma muito modesta, afigurando-se compatível
com a situação de miserabilidade defendida na inicial.
- Diante do conteúdo probatório dos autos,uma vez que excluído o valor deum benefício
assistencialrecebido por um dosgenitores do autor, no valor de 01 salário mínimo,em atenção ao§
14 do artigo 20 da LOAS, a renda per captado núcleo familiar alcançaapenas meio salário
mínimo, decorrente do valor do benefício assistencial recebido pelo outro genitor, o que autoriza a
concessão do pedido inicial.
- Presentes os requisitos estabelecidos no art. 20 da Lei nº 8.742/1993, é devido o benefício
assistencial.
- Juros de mora e correção monetária fixados nos termos explicitados.
- Parecer do Ministério Público rejeitado. Apelação da parte autora provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria,
decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto da Relatora, que foi
acompanhada pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan e pelo Desembargador Federal
Batista Gonçalves (4º voto). Vencida a Juíza Federal Convocada Vanessa Mello, que negava
provimento à apelação. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA