Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5666909-74.2019.4.03.9999
Relator(a) para Acórdão
Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
23/08/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 24/08/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. DEFICIENTE. HIPOSSUFICIÊNCIA
NÃO CONFIGURADA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. INDEVIDA A
CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da
República Federativa do Brasil, consiste na “garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com
deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (art. 20, caput, da Lei
nº 8.742/1993).
- O amparo assistencial exige, para sua concessão, que o requerente comprove ser idoso com
idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei nº 8.742/1993) ou ter impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial (art. 20, § 2º, da LOAS).
- Ausentes requisitos para concessão da benesse constitucional. Hipossuficiência não
configurada.
- Indeferimento do benefício pleiteado e reforma da r. sentença.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Apelação do INSS provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5666909-74.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEILA ALVES BARBOSA
Advogado do(a) APELADO: VIVIAN ROBERTA MARINELLI - SP157999-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5666909-74.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEILA ALVES BARBOSA
Advogado do(a) APELADO: VIVIAN ROBERTA MARINELLI - SP157999-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida
ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a
Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício de prestação continuada,
desde a data de entrada do requerimento administrativo, em 25/09/2014, discriminados os
consectários, antecipados os efeitos da tutela de mérito.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende
que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de
miserabilidade.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
DECLARAÇÃO VOTO
A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva:
Trata-se de demanda ajuizada por LEILA ALVES BARBOSA em face do INSS visando à
concessão de benefício assistencial ao deficiente.
Em seu profícuo voto, o Senhor Relator, Excelentíssimo Desembargador Federal Batista
Gonçalves, negou provimento à apelação do INSS, mantendo-se a r. sentença que julgou
procedente o pedido e concedeu o benefício de prestação continuada à parte autora, a partir da
data de entrada do requerimento administrativo (25/09/2014), fixando consectários na forma
explicitada.
Peço máxima vênia ao E. Relator para apresentar voto divergente, não obstante o brilhante voto
proferido por Sua Excelência e o respeito que lhe tenho.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
A Constituição da República em seu artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no
valor de um salário-mínimo, nos seguintes termos,in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei."
A Lei nº 8.742, de 7/12/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), deu
eficácia às normas constitucionais do inciso V do artigo 203, e criou o benefício de prestação
continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20.
A LOAS está regulamentada, atualmente, pelo Decreto nº 6.214, de 26/09/2007.
Registre-se, também, que “a assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos
os requisitos constitucionais e legais”, conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal
Federal no julgamento do RE n. 587.970, com repercussão geral (Ministro MARCO AURÉLIO,
Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL –
MÉRITO, publ. 22-09-2017)
IDOSO E PESSOA COM DEFICIÊNCIA
O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos
para a concessão do amparo assistencial. O requerente deve comprovar: (1) alternativamente,
seridosocom idade igual ou superior a 65 anos ou serpessoa com deficiência;e(2) estar em
situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de
condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida por família.
Apessoa idosaé considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei
nº 10.741, de 01/10/2003 (Estatuto do Idoso).
Apessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é considerada aquela que tem
“impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.(redação dada pela Lei nº
13.146, de 06/07/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Ressalte-se que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo prazo mínimo
de dois anos, na forma do artigo 20, § 10º, da LOAS, incluído pela Lei nº 12.470, de 2011.
Esse tema foi enfrentado por esta Egrégia Nona Turma conforme o excerto da ementa que ora
trazemos à colação:
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA -
ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS COMPROVADOS. TERMO
INICIAL – REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE
MORA. APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E, NA PARTE CONHECIDA,
PARCIALMENTE PROVIDA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
(...)
II - O art. 203, V, da Constituição Federal, protege a pessoa com deficiência, sem condições de
prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, o que não se esgota na simples análise
da existência ou inexistência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho. O
legislador constituinte quis promover a integração da pessoa com deficiência na sociedade e no
mercado de trabalho, mas não transformou a deficiência em incapacidade e nem a
incapacidade em deficiência. Então, já na redação original da lei, a incapacidade para o
trabalho e a vida independente não eram definidores da deficiência.
III - Com a alteração legislativa, o conceito foi adequado, de modo que a incapacidade para o
trabalho e para a vida independente deixaram de ter relevância até mesmo para a lei. O que
define a deficiência é a presença de “impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”
(art. 20, § 2º, da LOAS).
(...)
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5119154-48.2018.4.03.9999, Rel.
Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS, julg. 28/07/2019)
Da mesma forma, ainda sobre o conceito de pessoa com deficiência, dispõe a Súmula nº 48 da
TNU,in verbis: “Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o
conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de
incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração
mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a
data prevista para a sua cessação.” (Redação alterada na sessão de 25.4.2019, DJe nº 40,
Data: 29/04/2019).
A avaliação de deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS), por meio de perícia médica e social, na forma preconizada pelo § 6º do
artigo 20 da LOAS (redação da Lei nº 12.470, de 2011).
Nesse sentido, inclusive, é a dicção da Súmula 80 da TNU: “Nos pedidos de benefício de
prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei 12.470/11, para adequada
valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais que impactam na
participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a realização de avaliação
social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a efetiva condição vivida no
meio social pelo requerente”.
Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial
dependem da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro
Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, consoante previsto em
regulamento (§ 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei nº 13.846, de 18/06/2019).
DO NÚCLEO FAMILIAR
O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º,in verbis:
Art. 20 (...)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput,a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência
econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS);
depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991,
desde que vivessem sob o mesmo teto (MP nº 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei nº
9.720, de 30/11/1998).
DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA
A definição legal do conceito de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também
marcada por discussões que conduziram a evolução legislativa e jurisprudencial.
Convém anotar os textos que permearam a vontade do Legislado Federal, fixando o requisito
nos seguintes termos:
Art. 20 (...)
§ 3ºConsidera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada
pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 3ºConsidera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. (Redação dada pela Lei
nº 13.981, de 2020) (Vide ADPF 662)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja: (Redação dada pela Lei nº 13.982, de 2020)
I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020; (Incluído
pela Lei nº 13.982, de 2020)
Na esfera judicial, o parâmetro consistente na renda per capta de ¼ (um quarto) do salário-
mínimo, como critério objetivo, foi confrontado por meio da Ação Direta de
InconstitucionalidadeADI nº 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo
Tribunal Federal (STF), que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei nº
8.742/93. (ADI 1232, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM,
Tribunal Pleno, julgado em 27/08/1998)
Nesse diapasão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça referendou o entendimento no sentido
de que o exame do conjunto probatório para aferição da condição de miserabilidade deveria ter
como vetor o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a fim de garantir ao
requerente suas necessidades básicas de subsistência física, conforme consignado no
julgamento do tema 185 no REsp 1.112.557, sob o rito dos repetitivos, assim ementado:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige oprincípio do livre convencimento motivado do Juiz(art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Entretanto, diversas leis haviam sido editadas dispondo sobre diferentes critérios à concessão
de outros benefícios de natureza assistencial como, por exemplo: a inscrição da família no
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, Lei nº 12.470, de 31/08/2011; a
Bolsa Família, Lei 10.836/2004; o Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Lei
10.689/2003; o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03; o Bolsa Escola, Lei 10.219/01; a concessão
pelo Poder Executivo de apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas, Lei 9.533/97; dentre outros.
Essa circunstância conduziu à conclusão inevitável no sentido de que o Poder Legislativo havia
suplantado o limite de um quarto do salário-mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos
pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo
coeso.
A persistência dos debates conduziu o Colendo Supremo Tribunal Federal a declarar a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da Lei
Assistencial, no julgamento do RE nº 567.985, sob os auspícios da repercussão geral, cuja
ementa foi assim redigida:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-
se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo
Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do
critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.Como a lei permaneceu inalterada,
elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de
se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou
deficientes.Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a
concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa
Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei
10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder
apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima
associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas,
passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-194, publ. 03-
10-2013)
O precedente emanado do julgamento fixou oTema 27: “Meios de comprovação do estado
miserabilidade do idoso para fins de percepção de benefício de assistência continuada”, com a
seguinteTese: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda
familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para
concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da
Constituição”.
Neste ano de 2020, com o intuito de estabelecer medidas excepcionais de proteção social,
tendo em vista a emergência de saúde pública decorrente da pandemia internacional da covid-
19, foi alterado o § 3º do artigo 20 da LOAS, pelaLei nº 13.981, de 23/03/2020, passando a
prever que o critério objetivo seria majorado para 1/2 (metade) do salário-mínimo.
Todavia, em 24/03/2020, foi protocolada a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental ADPF n° 662, pela Presidência da República em face do Projeto de Lei do
Senado n. 55, de 1996, na parte que promove alteração no art. 20, §3º., da Lei n. 8.742;93
(LOAS), por descumprimento dos seguintes preceitos fundamentais: art. 1º, caput; art. 2º; art.
5º., LIV e § 2º.; art. 37; art. 195, §5º; todos da Constituição e arts. 107 a 113 dos Atos das
Disposições Constitucionais Transitórias.
Foi acolhido o pedido liminar pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes, que em 03/04/2020 assim se
pronunciou: “Concedo, em parte, a medida cautelar postulada, ad referendum do Plenário,
apenas para suspender a eficácia do art. 20, § 3º, da Lei 8.742, na redação dada pela Lei
13.981, de 24 de março de 2020, enquanto não sobrevier a implementação de todas as
condições previstas no art. 195, §5°, da CF, art. 113 do ADCT, bem como nos arts. 17 e 24 da
LRF e ainda do art. 114 da LDO”.
Em 02/04/2020, contudo, foi editado novo diploma legislativo, aLei nº 13.982, de 02/04/2020,
alterando novamente o § 3º do artigo 20 da LOAS para retornar a sua redação original.
DO CASO CONCRETO
Trata-se de pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente.
Da análise da perícia médica (ID 63347002), verifico que aparte autora é portadora de HIV e,
diante da situação de saúde em que se encontra, pode ser enquadrada no conceito de
deficiente, nos termos do artigo 20, § 2º, da LOAS. Ademais, este requisito não fora impugnado
pelo INSS em seu recurso de apelação.
No que tange à hipossuficiência econômica, o estudo social (ID 63347035), realizado em
16/08/2018, trouxe as seguintes considerações:
(I) a parte autora reside com seu companheiro, em imóvel alugado desde 2014;
(II) o imóvel é composto por dois quartos, sala, cozinha e banheiro;
(III) a renda familiar é composta pelos vencimentos de seu companheiro como “funcionário
público municipal de zelador do cemitério”, no valor de R$ 1.335,60;
(IV) as despesas mensais foram assim distribuídas: a) aluguel: R$ 300,00; b) água: R$ 60,00; c)
energia elétrica: R$ 59,00. Não foram informados gastos com alimentação e medicamentos não
fornecidos SUS.
(V) Pensão alimentícia no valor de R$ 502,18 (Quinhentos e Dois Reais e Dezoito Centavos) e
empréstimo de R$ 447,55 (Quatrocentos e Quarenta e Sete Reais e Cinquenta e Cinco
Centavos) para financiar gastos diversos.
Diante do conteúdo probatório dos autos, entendo que não restaram preenchidos os requisitos
legais necessários à concessão do benefício assistencial.
Em consulta ao extrato do CNIS apresentado aos autos, verifica-se que o companheiro da
autora é servidor público municipal estatutário, vinculado ao Municípiode Mirante do
Paranapanema por Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), constando,à época da
realização do estudo social, orecebimento da remuneração no valor de R$ 1.842,02
(competência de AGOSTO/2018) - ID90316048.
Acrescente-se, ainda, apesar derenda do companheiro da autora constante dos registros do
INSS ser variável, observo que, entre o ano de 2014 (data do requerimento administrativo) e a
realização do laudo pericial (2018), a média salarial do varão provedor orbitava em torno de R$
1.200,00 a R$ 1.800,00, sendo que os valores do salário-mínimo nos referidos períodos
variaram de R$ 724,00 (2014) a R$ 954,00 (2018).
Observa-se, assim, que a renda familiarsuperouo limite de rendaper capita para fins de
concessão do benefício assistencialdurante todo o período em discussão.
Trata-se, portanto, de núcleo familiar que sobrevive de forma modesta, no entanto, a renda
familiar afigura-se incompatível com a situação de miserabilidade defendida na inicial.
Merece destacar que o escopo do benefício de prestação continuada não é a suplementação de
renda, mas apenas suprir as necessidades minimamente básicas e alimentares de quem o
pleiteia.
Destarte, diante do conteúdo probatório dos autos, entendo que não restaram preenchidos os
requisitos legais necessários à concessão do benefício assistencial.
Nada impede que novo pleito seja formuladocaso haja alteração da situação fática, e, por
consequência, venha acarretara hipossuficiência econômica da requerente, com
impossibilidade de sua subsistência.
Isso porque, a ação de concessão de benefício assistencial caracteriza-se por ter como objeto
relações de trato sucessivo, que contém implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que,
modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material,
tem-se nova causa de pedir próxima ou remota.
Pelo exposto, com a devida vênia ao E. Relator, entendo que o apelo do INSS deve ser provido
a fim de que sejareformada a r. sentença dada a ausência do requisito demiserabilidade.
Honorários advocatícios
Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas
processuais e de honorários advocatícios fixados em patamar mínimo sobre o valor da causa,
observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 4 º, III,e 5º, do CPC/2015, suspensa a sua
exigibilidade, tendo em vista o benefício da assistência judiciária gratuita.
Dispositivo
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5666909-74.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEILA ALVES BARBOSA
Advogado do(a) APELADO: VIVIAN ROBERTA MARINELLI - SP157999-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
É importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil
atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito
econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496, da atual lei processual.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Na espécie, o requisito da deficiência restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico colacionado ao doc. 63347002, realizado em
16/08/2017, considerou a autora, então, com 44 anos de idade, portadora de doença pelo HIV,
resultando em outras infecções bacterianas e acarretando-lhe adinamia, prostração, queda do
estado geral e diminuição da capacidade produtiva, que a incapacitam, de forma total, desde
30/05/2014.
Reproduzo, por oportuno, o registro da assistente social, no estudo social coligido ao doc.
63347035, produzido em 16/08/2018, a evidenciar o agravamento das condições clínicas da
promovente:
“No momento da visita estavam presentes o seu companheiro o senhor José Pedro da Silva, e
a sua filha Claudia Aparecida Batista, com 27 anos de idade, casada, com uma filha de 8 anos.
Claudia trabalha com diárias de faxina quando é possível.
Grande parte das informações no momento da visita foram passadas pela mesma, pois a
requerente está com o lado direito do corpo meio adormecido e sem coordenação, com
esquecimento e dificuldade para falar, ficando deitada o tempo todo. Informaram também que a
requerente esta com bactéria no estômago, e problema no cérebro, não sabendo ao certo o
diagnóstico, pois está aguardando o retorno ao médico. Elas declararam que Leila Alves
Caroba é portadora do vírus HIV CID 10:B20 há 25 anos, onde desde então faz tratamento
contínuo oferecido pelo SUS em Presidente Prudente no DST, no qual pega os medicamentos
de 3 em 3 meses. Sua filha declarou que em 05 de junho de 2018, Leila Alves Caroba teve
algumas complicações e ficou 17 dias internada no HR Hospital Regional de Presidente
Prudente. Declara que antes da internação ela não conseguia realizar os serviços domésticos
precisando sempre de ajuda, pois tem problemas nos ossos (tendinite) nos braços, ombros e
cotovelos, e baixa imunidade. E desde que saiu do hospital, piorou muito, necessitando de
ajuda e cuidados para comer, vestir, realizar sua higiene pessoal e etc., ou seja, sem condições
de ficar sozinha. Claudia declara que faz o que pode para estar a maior parte do dia na casa da
mãe prestando os cuidados. E que na parte da noite o senhor José Pedro é quem cuida dela,
pois a mesma faz uso de medicamentos contínuos, oferecidos pelo SUS como:
Sulfamentoxazol/Trimetoprim, Tenofovir 300mg + Lsmivudina 300mg, Darunavir 600mg e
Ritonavir 100mg. Além de gastos contínuos com pomadas para feridas na pele e na boca
devido ao processo de má cicatrização e baixa imunidade, onde a rede pública de saúde nem
sempre tem para fornecer.”
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mencionado estudo
social.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora reside com o companheiro, de 38 anos, idade
correspondente à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
“A família reside em casa alugada, construída em madeira e alvenaria composta por dois
quartos, sala, cozinha e banheiro. No qual o estado de higiene e conservação até o momento é
regular, porém a mobília é insuficiente para a acomodação da família.”
Foram reportadas despesas com aluguel (R$ 300,00), tarifas de água (R$ 60,00) e energia
elétrica (R$ 59,00), alimentação e “todos os medicamentos que a requerente faz uso e que não
conseguem pelo SUS”.
Os ganhos da família advém dos rendimentos do companheiro da autora, “funcionário público
municipal de zelador do cemitério”. Consoante registros do CNIS, percebeu o valor de R$
1.842,02, à época do estudo social. Há, ainda, o relato de desconto de parcelas de empréstimo
consignado (R$ 447,55), contraído “para pagar algumas contas”, e da dedução de pensão
alimentícia (R$ 502,18, fixos), “de três filhos do seu último casamento”.
Conquanto a renda familiar per capita suplante a metade do salário mínimo, visto que, nos
termos do art. 4º, inc. VI, do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação
continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de que trata a Lei
nº8.742/93, para fins de cálculo da renda familiar per capita, deve ser considerada a soma dos
rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família, certo é que aflora, dos
elementos dos autos, contexto de precariedade financeira tal a justificar a inclusão da parte
autora no elenco de beneficiários da prestação buscada.
Veja-se que a proponente depende, à sobrevivência, do auxílio da filha, que “trabalha com
diárias de faxina quando é possível, como pode, pois no momento passa a maior parte do dia
cuidando da mesma”, e, “quando sua filha não tem condições de ajudar a família, recorre a
Assistência Social do município para solicitar cesta básica e medicamentos”.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, a proponente encontra-se em situação de vulnerabilidade social, justificando-se a
concessão do benefício assistencial requerido:
“Diante dos fatos narrados acima e frente as informações através de visita domiciliar e
entrevista, pode se considerar que a autora necessita receber o Beneficio de Prestação
Continuada para subsidiar seus gastos.
A requerente vive em situação de vulnerabilidade social e passa por dificuldades financeiras,
sobrevivendo apenas com o salário do companheiro, a ajuda da filha e das Secretarias
Municipal da Assistência Social e da Saúde.
Vale lembrar que devido a doença CID 10:B20, a família sempre tem gastos recorrentes com
medicamentos para tratamento de saúde que lhe traga melhorias e qualidade de vida.
O beneficio uma vez concedido a requerente trará para si condições de viver com dignidade,
visto que a mesma não tem condições de exercer atividades laborais e tão pouco ter suas
despesas mantidas pelo companheiro ou familiares, sobrevivendo em um estado de penúria.”
Por elucidativo, o salário mínimo no ano de 2018 era de R$ 954,00.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o implante da benesse, nos moldes do comando sentencial.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito
suspensivo formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS. Explicito os critérios de
incidência dos juros de mora e da correção monetária, na forma delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. DEFICIENTE. HIPOSSUFICIÊNCIA
NÃO CONFIGURADA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. INDEVIDA A
CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da
República Federativa do Brasil, consiste na “garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (art. 20,
caput, da Lei nº 8.742/1993).
- O amparo assistencial exige, para sua concessão, que o requerente comprove ser idoso com
idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei nº 8.742/1993) ou ter impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial (art. 20, § 2º, da LOAS).
- Ausentes requisitos para concessão da benesse constitucional. Hipossuficiência não
configurada.
- Indeferimento do benefício pleiteado e reforma da r. sentença.
- Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
maioria, decidiu dar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto da Juíza Federal
Convocada Leila Paiva, que foi acompanhada pela Desembargadora Federal Daldice Santana e
pelo Desembargador Federal Nelson Porfírio (5º voto). Vencido o Relator, que negava
provimento à apelação do INSS, no que foi acompanhado pelo Desembargador Federal Gilberto
Jordan (4º voto). Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC. Lavrará
acórdão a Juíza Federal Convocada Leila Paiva
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
