
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5328720-66.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEITON DOS SANTOS DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL LANZI VASCONCELLOS - SP277712-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5328720-66.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEITON DOS SANTOS DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL LANZI VASCONCELLOS - SP277712-N
R E L A T Ó R I O
JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para: CONDENAR O réu a pagar ao autora partir do ajuizamento da ação, o benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93, no valor de um salário mínimo mensal; correção monetária, desde os respectivos vencimentos, nos termos da Lei nº 6.899/81 e legislação subsequente; e juros de mora no percentual legal, à partir da citação.
Em consequência, diante da presença da probabilidade do direito alegado,mais precisamente por se tratar de pessoas vulneráveis, em estado de miserabilidade, com grave incapacidade e, ainda, diante do perigo da demora, concedo a tutela antecipada para que o parte ré promova imediatamente a implementação dos benefícios na forma estabelecida na presente sentença. (ID 142726488).
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Lei nº 13.985, de 2020)
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS COMPROVADOS. TERMO INICIAL – REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
(...)
II - O art. 203, V, da Constituição Federal, protege a pessoa com deficiência, sem condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, o que não se esgota na simples análise da existência ou inexistência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho. O legislador constituinte quis promover a integração da pessoa com deficiência na sociedade e no mercado de trabalho, mas não transformou a deficiência em incapacidade e nem a incapacidade em deficiência. Então, já na redação original da lei, a incapacidade para o trabalho e a vida independente não eram definidores da deficiência.
III - Com a alteração legislativa, o conceito foi adequado, de modo que a incapacidade para o trabalho e para a vida independente deixaram de ter relevância até mesmo para a lei. O que define a deficiência é a presença de “impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 20, § 2º, da LOAS).
(...)
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5119154-48.2018.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS, julg. 28/07/2019)
Art. 20 (...)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Art. 20 (...)
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
(...)
4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 580963, Relator Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, publ. 14/11/2013)
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.”
(REsp 1.355.052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)
“Art. 20 (...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.”
Art. 20 (...)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 13.981, de 20) (Vide ADPF 662)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja: (Redação dada pela Lei nº 13.982, de 2020)
I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020;
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4 . Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critério objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4 . Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-194, publ. 03-10-2013)
CONCLUSÃO
Autor de 21 anos, Ajudante de pedreiro, propõe judicialmente “AÇÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL do “AMPARO SOCIAL Á PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA-LOAS”. Embasada na anamnese, exame físico pericial e nos documentos médicos e não médicos juntados aos Autos, esta Perita Médica tece as seguintes considerações: Autor é portador de esquizofrenia, já internado em Hospitais psiquiátricos várias vezes, em uso de medicamento regular. O exame físico pericial revela Autor com grande comprometimento da doença com prejuízo nas relações sociais e na vida laboral.
Portanto, esta Perita médica conclui que: HÁ INCAPACIDADE LABORAL TOTAL, PERMANENTE E OMNIPROFISSIONAL AUTOR ENQUADRÁVEL NO CONCEITO DE DEFICIENTE Fixo as seguintes datas: Data de início da doença e da incapacidade: 12/2017 embasada em declaração médica
Em idade próxima à idade legal para iniciar atividades laborais, deve ser avaliado pericialmente para analisar se há sequela e prejuízo de habilidade para exercer atividade laboral.
HISTÓRICO APRESENTADO:
Pudemos constatar através de visita domiciliar que a residência é dos genitores do requerente. O acesso a moradia é através de escada íngreme, sendo difícil adentar, o piso é de cimento irregular. A residência é provida de saneamento básico, composta por 02 dormitórios, 01 cozinha, 01 sala e 01 banheiro. Eles possuem TV, geladeira, fogão, máquina de lavar roupas, e tanquinho. Possuem veículo automotor parati/1982.
O bairro é de fácil acesso a postos de saúde, escolas e ponto de ônibus.
O periciado não concluiu ensino médio, pratica atos da vida cível, deambula sem dificuldades, realiza atividades da vida cotidiana sem auxilio de terceiros. Não possui bom relacionamento familiar e social, mostra- se isolado, possui dificuldades em realizar transações econômicas. Desenvolveu atividade laborativa até quando foi acometido pela doença e o impediu de ter uma vida considerada normal, segundo a genitora.
O diagnostico foi de esquizofrenia e transtorno bipolar, passou por internação em hospital psiquiátrico da região. Esteve na Fazenda Palmeiras na cidade de Amparo nos períodos de 20/12/2017 a 03/02/2018 e 18/07/2018 a 18/09/2018. Faz uso de medicações continuadas, como: depakene 250 mg, cloridrato de biperideno 2 mg e haloperidol 3 mg. A companheira que se responsabiliza pelos horários de medicações. Encontra- se em tratamento psiquiátrico no CAPS – Centro de Atenção Psicossocial do município.
Cleiton permanece com companheira a maior parte do tempo e a auxilia nos afazeres domésticos e aos cuidados com a filha.
Os gastos considerados relevantes são com: alimentação R$ 1100,00 energia/agua R$ 25,00. Os pais que efetuam os pagamentos.
(...)
PARECER:
Considerando as informações acima, somos favoráveis à concessão do benefício, se a perícia médica constatar incapacidade para o trabalho, pois encontram-se situação vulnerabilidade social. O requerente encontra-se em outro núcleo familiar (ele, esposa e filha).
No que tange a situação econômica, estão totalmente dependentes dos genitores para os gastos familiares. Entendemos que a concessão do benefício poderá contribuir para suprir as necessidades básicas da família.
É notório que em algumas circunstâncias a questão social é fator desencadeante de crises psíquicas. Salientamos ainda que com o advento da Reforma Psiquiátrica o cuidado e tratamento da pessoa com transtorno mental se dá em meio aberto e inserção comunitária. Desse modo o BPC poderá contribuir na inserção do usuário em espaços de promoção social, melhorando sua qualidade de vida. Jaguariúna, 05 de agosto de 2019
Do relatório social extrai-se que o autor vive com sua companheira, de 19 anos, a filha, de 06 meses de idade, os genitores e a irmã, de 11 anos de idade. Nenhum dos membros da unidade familiar recebe qualquer renda fixa. O pai realiza "bicos", com renda variável aproximada de R$800,00 (oitocentos reais), a genitora vende flores e não soube precisar a renda auferida. Se considerado apenas o núcleo familiar do autor, sua esposa e filha, a renda é nula.
Assim, a situação descrita é de hipossuficiência econômica. O autor não possui condições de prover sua subsistência ou tê-la provida por familiares. Presente, portanto, a condição de miserabilidade.
Comprovados os requisitos necessários à concessão do benefício, deve ser mantida a sentença de procedência do pedido.
Ante o exposto,
NEGO PROVIMENTO
à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: a Relatora Juíza Federal Convocada Leila Paiva, em seu fundamentado voto negou provimento à apelação do INSS.
Ouso, porém, apresentar divergência, pelas seguintes razões.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Com a devida vênia, entendo não estar patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
Segundo o relatório socioeconômico (Id 142726442), realizado em 05/08/2019: a parte autora reside com sua companheira, filha, genitores e irmã, em imóvel dos genitores, composta por 02 dormitórios, 01 cozinha, 01 sala e 01 banheiro.
(i) quanto a moradia: A residência é guarnecida com móveis e eletrodomésticos destacando-se TV, geladeira, fogão, máquina de lavar roupas, tanquinho e um veículo automotor: parati-1982.
(ii) Renda: proveniente do trabalho do genitor com valor estimado de R$ 800,00 e do trabalho esporádico da genitora, mas não soube informar o valor.
(iii) despesas (mensais):
a) alimentação: R$ 1000,00;
b) energia/água: R$ 25,00.
Obs.: [consta do estudo que os pais efetuam o pagamento das despesas]
Nessas circunstâncias, embora evidentemente a parte autora seja pobre, certo é que não se encontra em situação de miserabilidade, uma vez que possui condições razoáveis de moradia e de sobrevivência, além de possuírem veículo automotor e a consequente despesa com combustível/manutenção e, ainda, contam com a ajuda financeira dos genitores. Evidencia-se, nesse contexto, situação incompatível à miserabilidade.
Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da Constituição Federal é claro ao estabelecer que, para fins de concessão desse benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária.
Vale dizer: o benefício somente deve ser concedido àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não se destina à complementação de renda familiar.
Nesse sentido, reporto-me ao seguinte julgado (g. n.):
“CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
I - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº 10.741/2003.
II - a autora contava com 68 (sessenta e oito) anos, na data do requerimento administrativo, tendo por isso a condição de idosa.
III - Os elementos de prova existentes nos autos apontam em sentido contrário à alegada miserabilidade da autora.
V - Na época do estudo social, as despesas giravam em torno de R$ 1.300,00, consistindo em alimentação, água, energia elétrica, farmácia e gás; ou seja, as despesas eram inferiores às receitas.
VI - A autora não vive em situação de risco social ou vulnerabilidade social, não podendo o benefício assistencial ser utilizado para fins de complementação de renda.
VII - O benefício assistencial não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.
VIII - Apelação improvida.”
(TRF 3ª Região - AC n. 5562391-33.2019.4.03.9999 - 9ª Turma - Rel. Des. Fed. Marisa Santos - 05/11/2019, e-DJF3 Judicial 1, Data: 07/11/2019)
Assim, embora o pretendido benefício pudesse melhorar o padrão de vida do postulante e de sua família, o sistema de assistência social foi concebido para auxiliar pessoas em situação de penúria (incapazes de sobrevivência sem a ação do Estado), e não para incremento de padrão de vida. Não se destina à complementação de renda familiar, ou até mesmo para liquidar dívidas e financiamentos adquiridos.
Nesse contexto, entendo que o julgado não se compatibiliza com a constitucionalidade declarada no Supremo Tribunal Federal.
Diante do exposto, dou provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, ficando, porém, suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
DALDICE SANTANA
Desembargadora Federal
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. PRESENTES OS REQUISITOS LEGAIS. CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL. CABIMENTO.
- O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, consiste na “garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (art. 20, caput, da Lei nº 8.742/1993).
- O amparo assistencial exige, para sua concessão, que o requerente comprove ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei nº 8.742/1993) ou ter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial (art. 20, § 2º, da LOAS).
-Presentes os requisitos estabelecidos no art. 20 da Lei nº 8.742/1993, é devido o benefício assistencial.
- Apelação autárquica não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto da Relatora, que foi acompanhada pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan e pelo Desembargador Federal Batista Gonçalves (4º voto). Vencida a Desembargadora Federal Daldice Santana, que dava provimento à apelação. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
