Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000185-53.2017.4.03.6105
Data do Julgamento
21/02/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/02/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO
203, V, DA CR. TUTELA DE URGÊNCIA. CABIMENTO. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º.DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR
OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
I - O entendimento de que não é possível a concessão de tutela de urgência, prevista no artigo
300 do CPC, em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário,
está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de
parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou
definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do
artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de
implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença. Preliminar arguida
pelo réu rejeitada.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI – O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo,
consoante firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VII - A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de
regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado
em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta
de poupança a partir de 30.06.2009.
VIII – A verba honorária a cargo do INSS fica mantida na forma estabelecida na sentença.
IX – Preliminar rejeitada. Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.
Apelação da parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5000185-53.2017.4.03.6105
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: JULIHALF FRANCISCO DE CASTRO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LUCINEIA CRISTINA MARTINS RODRIGUES - SP2871310A
INTERESSADO: JULIHALF FRANCISCO DE CASTRO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) INTERESSADO: LUCINEIA CRISTINA MARTINS RODRIGUES - SP2871310A
APELAÇÃO (198) Nº 5000185-53.2017.4.03.6105
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: JULIHALF FRANCISCO DE CASTRO
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, PROCURADORIA-REGIONAL
FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE: LUCINEIA CRISTINA MARTINS RODRIGUES - SP2871310A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
INTERESSADO: JULIHALF FRANCISCO DE CASTRO
Advogado do(a) INTERESSADO: LUCINEIA CRISTINA MARTINS RODRIGUES - SP2871310A
R E L A T Ó R I O
A Exma. Senhora Juíza Federal Convocada Sylvia de Castro (Relatora):Trata-se de apelações de
sentença pela qual foi julgado parcialmente procedente pedido formulado por Julihalf Francisco
de Castro, para condenar o INSS a conceder-lhe o benefício assistencial previsto no art. 203, V,
da Constituição da República, a partir da data da juntada do laudo médico aos autos, em
17.04.2017. As prestações em atraso serão acrescidas de correção monetária conforme o Manual
de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e juros de mora nos termos
do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação da MP 2.180-35/2001. A autarquia foi condenada,
ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, no percentual mínimo previsto no inciso I, do §
3º do artigo 85 do CPC de 2015, a ser apurado em liquidação, que deverá incidir sobre a
condenação calculada até data da sentença. O demandante, a seu turno, foi condenado ao
pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa, cuja
exigibilidade restou suspensa, a teor do disposto no artigo 98, parágrafo 3º do CPC de 2015. Não
houve condenação em custas. Concedida tutela de urgência, determinando-se a implantação do
benefício no prazo de 20 (vinte) dias, sob pena de multa
diária de 1/30 (um trinta avos) do valor do benefício.
Foi noticiado o cumprimento da ordem judicial.
Em suas razões recursais, insurge-se o INSS, inicialmente, contra a antecipação dos efeitos da
tutela deferida no bojo da sentença. No mérito, defende que, em caso de incapacidade de
temporária, como a dos autos, a manutenção do benefício deve estar condicionada à aderência
ao tratamento, sob pena de conceder tratamento mais benéfico a indivíduos que nunca se filiaram
ao regime geral de previdência, e que o demandante não comprova tratamento desde o início da
patologia que lhe acomete, não fazendo jus ao amparo social almejado. Subsidiariamente, requer
que a manutenção do benefício fique condicionada à comprovação de aderência ao tratamento
ambulatorial indicado pelo médico perito, bem como sejam a correção monetária e os juros de
mora calculados na forma da lei nº 11.960/2009. Suscita o prequestionamento da matéria
ventilada.
A parte autora, a seu turno, apela pleiteando seja fixado como data de início do benefício a data
do requerimento administrativo (10.02.2014).
Com contrarrazões oferecidas apenas pelo requerente, os autos vieram a esta Corte.
Em parecer, o representante do Ministério Público Federal opinou desprovimento do recurso de
apelação do INSS e pelo provimento da apelação do autor.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5000185-53.2017.4.03.6105
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: JULIHALF FRANCISCO DE CASTRO
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, PROCURADORIA-REGIONAL
FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE: LUCINEIA CRISTINA MARTINS RODRIGUES - SP2871310A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
INTERESSADO: JULIHALF FRANCISCO DE CASTRO
Advogado do(a) INTERESSADO: LUCINEIA CRISTINA MARTINS RODRIGUES - SP2871310A
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo as apelações da parte autora e do INSS.
Da remessa oficial tida por interposta.
Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe:
A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for
inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
Da preliminar.
O entendimento de que não é possível a concessão de tutela de urgência, prevista no artigo 300
do CPC, em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está
ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas
vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do
benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da
Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do
benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.
Rejeito, portanto, a preliminar arguida pelo réu.
Do mérito.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica
realizada em 24.03.2017 apontou que o demandante padece de transtorno esquizoafetivo, que
não está controlado pelo tratamento efetuado. Esclarece que a patologia acarreta prejuízo laboral
total, porém temporário, existindo tratamento para que ele readquira a total capacidade laborativa.
Cumpre salientar que a incapacidade temporária é suficiente à concessão do benefício enquanto
esta perdurar, cumprindo à autarquia a prerrogativa de aferir periodicamente a permanência das
condições que lhe deram origem (Lei 8.742/93, art. 21).
Destaco, ainda, que ao contrário do afirmado pelo INSS em suas razões recursais, o laudo
médico-pericial atesta que o autor realiza tratamento ambulatorial regular, com consultas em
intervalos de trinta dias.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas'. Destaco, nesse contexto, que não obstante o perito ter afirmado
ser a incapacidade parcial, deve ser considerada sua idade (64 anos), condições pessoais (pouca
instrução) e labor habitual.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 24.07.2014 constatou que o autor reside em um
cômodo cedido pela irmã por parte de pai, construído em alvenaria, em péssimo estado de
conservação. As paredes são revestidas por concreto e estão mal pintadas. O cômodo possui
piso de cerâmica e laje e é guarnecido por um fogão, uma geladeira, uma mesinha e duas camas
de solteiro. O imóvel é abrangido pela rede de fornecimento de energia elétrica, abastecimento de
água e possui rede de esgoto e a rua em que está localizado é pavimentada e possui iluminação
pública. No bairro existe o serviço de coleta de lixo doméstico e acesso à linha de ônibus. O
demandante não possui qualquer tipo de renda, e tampouco comprovou gastos, os quais são,
segundo relatado, assumidos por irmãos.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o
requisito referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à
concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo
(10.02.2014), consoante firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.
A verba honorária a cargo do INSS fica mantida na forma estabelecida na sentença.
Prejudicada a questão relativa à multa diária, ante a ausência de mora na implantação do
benefício.
Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida e, no mérito,nego provimento à apelação do INSS
e à remessa oficial, tida por interposta, e dou provimento à apelação da parte autora, para fixar o
termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo (10.02.2014). Os valores em
atraso serão resolvidos em sede de liquidação, compensando-se aqueles já recebidos por força
da antecipação dos efeitos da tutela.
Expeça-se e-mail ao INSS, retificando-se a DIB para 10.02.2014.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO
203, V, DA CR. TUTELA DE URGÊNCIA. CABIMENTO. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º.DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR
OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
I - O entendimento de que não é possível a concessão de tutela de urgência, prevista no artigo
300 do CPC, em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário,
está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de
parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou
definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do
artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de
implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença. Preliminar arguida
pelo réu rejeitada.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI – O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo,
consoante firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VII - A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de
regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado
em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta
de poupança a partir de 30.06.2009.
VIII – A verba honorária a cargo do INSS fica mantida na forma estabelecida na sentença.
IX – Preliminar rejeitada. Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.
Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar arguida e, no mérito, negar provimento à apelação do
INSS e à remessa oficial, tida por interposta, e dar provimento à apelação da parte autora, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
