Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5005687-91.2018.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
06/06/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 11/06/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CARTA MAGNA, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
INDEVIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do Código de
Processo Civil, observado o disposto no art. 98, § 3º, da lei citada, por ser a parte autora
beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação da parte autora desprovida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005687-91.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: YARA SOPHIA AMORIM BATISTA
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS NOGAROTTO - MS5267-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005687-91.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: YARA SOPHIA AMORIM BATISTA
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS NOGAROTTO - MS5267-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação da parte autora interposta em face da r. sentença que julgou improcedente
o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício assistencial a pessoa deficiente.
O decisum condenou, ainda, a requerente, ao pagamento de custas e honorários advocatícios
arbitrados em dez por cento do valor da causa, estipulado, na petição inicial, em R$ 5.000,00
(cinco mil reais), suspendendo-se a exigibilidade da obrigação, até que haja mudança na situação
financeira da parte autora ou transcorra o prazo prescricional. Considerou o fato de a parte ser
beneficiaria da justiça gratuita, nos termos art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil. Vide doc.
7477413, págs. 7, 149/154 e 158/166.
Pretende, a apelante, que seja reformado o julgado, sustentando a presença dos requisitos à
outorga da benesse. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões coligidas ao doc. 7477413, pág. 171, subiram os autos a este Tribunal.
No doc. 8109440, o Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da
apelação.
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005687-91.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: YARA SOPHIA AMORIM BATISTA
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS NOGAROTTO - MS5267-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal, e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 7477413, págs. 79/88, realizado em
24/03/2017, considerou a autora, então com dois anos de idade, portadora de surdez congênita.
O expert consignou que a demandante realizou cirurgia com implante coclear, estimando em mais
de dois anos o prazo para adaptação e aprendizado da fala. Veja-se que a mesma tem
apresentado infecção no implante do lado esquerdo.
Atualmente, a promovente não consegue interagir com outras crianças ou mesmo adultos e
depende, em tempo integral, de sua mãe.
A respeito da deficiência auditiva, o art. 4º do Decreto nº 3.298/1999, que regulamenta a Lei nº
7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência, reputa pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta perda bilateral total da
audição, como sucede no caso em tela:
"Art. 4º. É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes
categorias:
I - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais,
aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;"
Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pela existência de
comprometimento e restrições sociais para as atividades próprias da idade da parte autora, pelo
interregno referido pela lei, de modo que o quadro apresentado ajusta-se ao conceito de pessoa
com deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, c/c o art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 7477413, págs. 90/94, produzido em 30/08/2017.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Ivinhema/MS, com
o genitor, de 36 anos, e dois irmãos, de 12 e 10 anos, idades correspondentes à data do estudo
socioeconômico.
Moram em casa alugada, construída em madeira, composta por sala, cozinha, três quartos e
banheiro, guarnecidos com móveis e utensílios adequados ao conforto básico da família. O
imóvel localiza-se em rua sem pavimentação asfáltica e rede de esgoto, tampouco, próxima a
transporte público e hospital.
A família possui automóvel, um Voyage, ano 2010, financiado.
A vindicante conta com plano de saúde, fornecido pelo empregador do genitor. O procedimento
cirúrgico para o implante coclear foi realizado no Hospital das Clínicas do município de Ribeirão
Preto/SP, tendo sido integralmente custeado pelo referido plano, inclusive, viagens e concessão
do aparelho.
O genitor informou, à perita, que o pedido de benefício assistencial ocorreu pelo alto custo do
aparelho auditivo, embora ainda esteja no prazo de garantia. Acresceu que processador custa em
torno de R$ 5.800,00, e o custo de sua manutenção, bem assim da bateria, é de R$ 600,00 cada
qual. Ressaltou que tais dispêndios “ainda estão assegurados”.
Foram reportadas, apenas, despesas com aluguel (R$ 350,00) e parcelas de financiamento do
veículo (R$ 735,00).
Os ganhos da família advém do salário do genitor, que trabalha como mecânico na usina
Adecooagro, auferindo o valor de R$ 3.200,00. A genitora possuía vínculo empregatício como
babá, mas optou em dedicar-se à criança.
Considerado, assim, o núcleo de cinco pessoas, a renda familiar per capita totaliza R$ 640,00,
suplantando metade do salário mínimo, à época, de R$ 937,00.
Destarte, conquanto não tenham sido relacionadas todas as despesas da família, os elementos
de convicção coligidos aos autos não indicam cotidiano de privações a ponto de franquear a
outorga do beneplácito buscado, atentando-se, por outro lado, que a detença da propriedade de
veículo automotor é circunstância algo incompatível com o propalado cenário de precisão
econômica.
Sopesados, então, todos os elementos probantes amealhados, temos que se trata de família
certamente modesta e imersa em cenário de pobreza, não, contudo, em contingência de miséria,
esta, sim, apta a amparar a outorga do benefício pleiteado.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, não se justifica a concessão do benefício assistencial requerido.
Transcrevo, por oportuno, excerto do parecer social:
“Durante estudo social verificou-se que Sra. Dagiane Amorim Costa e Sr. Joelson Alves Batista,
genitores da infante, atualmente possuem situação socioeconômica estável. Sr. Joelson possui
vínculo empregatício e realiza o tratamento de saúde da filha adequadamente através do plano
de saúde ofertado pela sua empresa.
Apesar da preocupação do genitor com o futuro da filha, caso venha a ser desligado da empresa
em que trabalha, através de pesquisa, constatou-se que o tratamento também é ofertado pelo
SUS – Sistema Único de Saúde, bem como o aparelho auditivo.
Diante do exposto, e do avanço das políticas públicas inclusivas de pessoas com deficiência
auditiva implantadas no Brasil, não se observa neste momento razões para a concessão do
benefício social.”
E, como se sabe, dentre os escopos do benefício de prestação continuada, não está o de
suplementar renda ou propiciar maior conforto ao interessado. A propósito: AC
00394229420044039999, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, TRF3, Nona Turma,
DJU 24/11/2005.
Assim, não restou comprovada situação de hipossuficiência, ainda que por outros meios
probantes, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em
repercussão geral.
Por tudo, deve ser mantida a improcedência do pedido.
Não se descarte a possibilidade de alteração desse cenário, no decorrer do tempo, a ponto de,
eventualmente, justificar-se a concessão do benefício, hipótese em que resta, de todo modo,
franqueado à parte autora deduzir nova postulação quanto à outorga da benesse pleiteada.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante da sucumbência recursal e da regra prevista no § 11 do art. 85 do Código de Processo
Civil, a verba honorária fixada na sentença deve ser majorada em 20%, observando-se, contudo,
o disposto no art. 98, § 3º, do Estatuto Processual, por ser a demandante beneficiária da justiça
gratuita.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA. Majoro a verba
honorária de sucumbência recursal, na forma delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CARTA MAGNA, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
INDEVIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do Código de
Processo Civil, observado o disposto no art. 98, § 3º, da lei citada, por ser a parte autora
beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação da parte autora desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
