Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5077779-67.2018.4.03.9999
Relator(a) para Acórdão
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Relator(a)
Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
26/07/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 30/07/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da continuidade
das condições que lhe deram origem.
Termo inicial do benefício a partir da DER.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada. Sobre os
valores em atraso incidirá correção monetária em conformidade com os critérios legais
compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal,
observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Apelação da parte provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5077779-67.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSE ANTONIO DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: VANIA ROBERTA CODASQUIEVES PEREIRA - SP281217-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO (198) Nº 5077779-67.2018.4.03.9999
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelação interposta pela
autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de
benefício assistencial.
A parte autora sustenta, em síntese, o cumprimento dos requisitos para a concessão de algum
desse benefício, pois inválida para o trabalho e hipossuficiente para fins assistenciais. Alega
cerceamento e requer anulação do feito para realização de outra perícia médica por médico
especialista.
Subiram os autos a esta Corte.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal opinou pela nulidade por ser a sentença extra petita.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº5077779-67.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Trata-se de recurso de apelação, interposto em face de sentença de improcedência em ação que
visa à concessão de benefício assistencial.
O ilustre relator anulou a sentença e, nos termos do art. 1013,§ 3º, II, do NCPC, rejeitou a matéria
preliminar, julgandoimprocedente o pedido.
Peço vênia para divergir do ilustre relator, quanto ao preenchimento do requisito da deficiência,
com o reconhecimento da procedência da demanda.
Indiscutível a configuração da miserabilidade, uma vez que o autor vive em situação de penúria.
Conquanto o laudo pericial aponte para a ausência de incapacidade, outros aspectos devem ser
considerados no caso concreto. Ficou evidenciado que o autor sofre limitações em razão de ter
sofrido infarto do miocárdio com colocação de stent, associado a outras moléstias - hipertensão
arterial sistêmica, intolerância à glicose, espondilopatia lombar, dentre outras. Afirma o perito que
dificilmente poderá o autor exercer outras funções.
Assim, conjugando-se o teor do estudo social com a avalição médica produzida nos autos - a
sopesar com a idade avançada, profissão de pedreiro e baixo grau de instrução -, temos que a
parte autora sofre limitação do desempenho de atividades, com restrição da participação social.
Enquadra-se no conceito de pessoa com deficiência, assim entendido como aquela que “tem
impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas”.
Desse modo, de rigor a concessão do benefício de prestação continuada, fixado o termo inicial a
partir do requerimento administrativo, em 26/09/2016.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do novo Código de Processo Civil,
observando-se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as
parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito à revisão. Aplico o disposto na
súmula n. 111 do STJ.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo a seguinte tese de repercussão geral sobre a matéria: "1) O art. 1º-F da Lei nº
9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros
moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre
débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de
mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio
constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação
jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da
caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art.
1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº
9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização
monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da
caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito
de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a
capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à inconstitucionalidade da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos
juros moratórios e à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o
cumprimento da decisão exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso, considerada a prescrição quinquenal nos termos da
súmula 85 do colendo Superior Tribunal de Justiça, incidirão juros moratórios e correção
monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Com essas considerações, voto pela procedência do pedido, nos termos da fundamentação.
APELAÇÃO (198) Nº 5077779-67.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:Conheço da apelação, uma vez
presentes os requisitos de admissibilidade.
Proposta ação judicial de conhecimento condenatória, visando a parte autora à concessão de
benefício assistencial de prestação continuada, sobreveio sentença julgando improcedente o
pedido de concessão aposentadoria por invalidez.
Há, no caso, ofensa ao princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, LIV, da
Constituição Federal. Instaurada a lide, a sentença deveria resolvê-la nos limites da controvérsia,
razão pela qual a ausência de apreciação de determinado pedido implica violação à garantia da
inafastabilidade da jurisdição, prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Nesse diapasão:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. SENTENÇA EXTRA PETITA. NULIDADE. 1. A sentença é nula, pois tratou de
matéria alheia àquela articulada na petição inicial, incidindo na vedação contida no art. 460 do
Código de Processo Civil. Trata-se, portanto, de sentença extra petita. 2. Não é possível superar
essa nulidade porque falta o imprescindível laudo socioeconômico da família da apelada a fim de
verificar-se se satisfaz os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial. 3.
Nulidade declarada. Reexame necessário e apelação do INSS prejudicados (AC - APELAÇÃO
CÍVEL – 989236 Processo: 0039091-15.2004.4.03.9999 UF: SP Órgão Julgador: TURMA
SUPLEMENTAR DA TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento: 25/03/2008 Fonte: DJU
DATA:02/04/2008 Relator: JUIZ CONVOCADO NINO TOLDO).
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-
DOENÇA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. OCORRÊNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA. ART.
515, §3º, DO CPC. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. INCAPACIDADE NÃO
COMPROVADA. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. 1 - O
autor ingressou com a ação para obtenção do benefício de aposentadoria por invalidez ou auxílio-
doença, ao passo que a sentença de primeiro grau apreciou o pedido como se fosse de
concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, do Código de Processo Civil.
Caracterizado o julgamento extra petita. 2 - O art. 515, §3º, do CPC, acrescentado pela Lei nº
10.352, de 26 de dezembro de 2001, possibilitou a esta Corte, nos casos de extinção do processo
sem resolução do mérito, dirimir de pronto a lide, desde que a mesma verse sobre questão
exclusivamente de direito ou esteja em condições de imediato julgamento. Aplicação dos
princípios da celeridade e da economia processual. 3 - A concessão do benefício de
aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que comprove a carência de 12 (doze)
contribuições mensais, a incapacidade definitiva para o trabalho e a condição de segurado, nos
termos dos arts. 42 a 47 da Lei nº 8.213/91. Já para a concessão do auxílio-doença é necessária
a incapacidade total e temporária (art. 59 e seguintes da Lei de Benefícios). 4 - Incapacidade
laborativa do segurado não comprovada nos autos, seja ela temporária ou definitiva, não fazendo
jus aos benefícios postulados. 5 - Isento o autor do pagamento de custas, despesas processuais
e honorários advocatícios, considerando ser beneficiário da gratuidade de justiça. Inteligência do
art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal e art. 3º da Lei nº 1.060/50. 6 - Sentença anulada de
ofício. Apelação prejudicada. Pedidos julgados improcedentes (AC - APELAÇÃO CÍVEL –
1240791 Processo: 2007.03.99.042869-6 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data do
Julgamento: 04/08/2008 Fonte: DJF3 DATA:03/09/2008 Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL
NELSON BERNARDES).
Tratando-se, porém, de causa madura para julgamento, conheço desde logo do pedido, na forma
do artigo 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil vigente.
Pois bem, rejeito a preliminar levantada pela parte autora, ante a ausência de qualquer
cerceamento.
Na hipótese, foi acolhida a produção de prova pericial, a fim de verificar a existência, ou não, de
deficiência.
A perícia médica encontra-se bem fundamentada, tendo analisado toda a situação física do autor.
Registre-se que em nenhum momento, na petição inicial, o autor alegou qualquer mal psicológico
ou psiquiátrico. Nem há qualquer documento médico nesse sentido nos autos. Portanto, a
nomeação de médico especialista na área psiquiátrica é despropositada.
A mera irresignação da parte autora com a conclusão do perito não constitui motivo aceitável para
determinar a realização de nova perícia ou complementação do laudo.
Nesse diapasão, mutatis mutandis:
PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. PROVA PERICIAL. 1. O recorrente sustenta ter havido
a ofensa ao art. 535 do CPC, tendo em vista que a Corte a quo não se manifestou sobre o
segundo pleito constante do agravo retido, quando se insurgiu contra o indeferimento da perícia
técnica requerida e, também, contra o indeferimento do retorno dos autos ao perito para
responder aos quesitos complementares da perícia médica. Malgrado tenha alegado no agravo
que a decisão agravada indeferira o requerimento de novos esclarecimentos ao perito, limitou-se
a afirmar ser "indispensável a realização de perícia para apuração dos ruídos a que estava
exposto" (fl. 106). Inexistência de malferimento ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. O
princípio da persuasão racional insculpido no artigo 131 do Código de Processo Civil faculta ao
magistrado utilizar-se de seu convencimento, à luz dos elementos fáticos e probatórios,
jurisprudência, circunstâncias e legislação que entenda aplicável o caso concreto, rechaçando
diligências que se mostrem desnecessárias ou protelatórias. 3. Recurso especial improvido.
(REsp 837.566/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2006,
DJ 28/09/2006, p. 243)".
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO - AGRAVO DO ART. 557, § 1º DO CPC
INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA NOS TERMOS DO ARTIGO 557 - AUXÍLIO-
DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS -
AGRAVO IMPROVIDO. Descabida a alegação de cerceamento de defesa, visto que cabe ao juiz
determinar a realização das provas necessárias à instrução do feito e, tendo sido possível ao juiz
formar o seu convencimento, através dos documentos juntados e laudo pericial realizado, não há
que se falar em cerceamento de defesa. Inexistente nos autos prova da incapacidade total e
permanente para o trabalho, improcede o pedido de aposentadoria por invalidez. A autora não jus
ao auxílio-doença, visto que sua patologia não a impede de trabalhar, apenas limita esse trabalho
e o laudo não indica sequer um processo de reabilitação, que seria viável no caso de auxílio-
doença. Agravo interposto na forma do art. 557, § 1º, do CPC improvido. (AL em AC nº 0040518-
13.2005.4.03.9999; 7ª Turma; unânime; Relatora Desembargadora Federal Leide Pólo; in DE
30.08.10).
Por inteira pertinência, registram-se precedentes desta Corte pela desnecessidade da nomeação
de perito especialista para cada sintoma alegado pela parte autora, como se infere do seguinte
julgado:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NECESSIDADE DE
PROVA PERICIAL POR MÉDICO ESPECIALISTA não comprovada. CARÊNCIA.
COMPROVAÇÃO. QUALIDADE DE SEGURADO. COMPROVAÇÃO. INCAPACIDADE LABORAL
INEXISTENTE. ANÁLISE DO PREECHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS
PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. NECESSIDADE. APELO IMPROVIDO. I - Não há que
se falar em realização de perícia médica por especialista na mesma doença anteriormente
diagnosticada, o que implicaria em negar vigência à legislação que regulamenta a profissão de
médico, que não exige especialização do profissional da medicina para o diagnóstico de doenças
ou para a realização de perícias. II - As consultas ao Cadastro Nacional de Informações Sociais -
CNIS e ao Sistema Único de Benefícios - DATAPREV comprovam o preenchimento da carência
exigida por Lei e da qualidade de segurado no momento do ajuizamento da ação. III - O expert
apontou a aptidão para o trabalho habitual do autor, o que inviabiliza a concessão do auxílio-
doença. IV - Apelo improvido."(TRF 3ª Região - Proc. n. 2007.61.08.005622-9 - 9ª Turma - rel.
Des. Fed. Marisa Santos - DJF3 CJ1 05/11/2009, p. 1211)
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício
assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado,
atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve
o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como
a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963), o critério da miserabilidade do § 3º do
artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda
devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à
noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se
vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano
de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
CONCEITO DE FAMÍLIA
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social,
conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em
sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência
ou enfermidade."
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade".
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo
229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93, terá
caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social,
previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a assistência social, a
par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do CF), só
deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de comprometer - dada a crescente
dificuldade de custeio - a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas
também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante
interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça
aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou
mesmo não se filiem ou não contribuam ao seguro social, o que constituiria situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sitema.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: "A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do
Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos
pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para
a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.°
XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:"1. O termo 'pessoa deficiente'
refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente, as
necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".
Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se
verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: "desvio acentuado
dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial
ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou
globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo:
Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a idéia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a idéia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador intelectual
que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz
Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo
fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência,
seja o meio social:
"O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência". (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de deficiência
para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos
meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de
pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o, XXXI,
23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o
exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os
casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de retardo
mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples, pois tal
pessoa poderá "não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola, trabalho,
família)", de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção, "tal como
aquele que sofre restrições sérias em seu meio social" (obra citada, páginas 42/43).
"A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade" (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora de
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
Noutro passo, o conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo
social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim
dispunha:
"§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho."
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de trabalhar,
mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida
independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além
disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.
Lícito é concluir que, tais quais os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham
a possibilidade física ou mental para tanto.
Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional,
exatamente porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na
jurisprudência.
A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da
pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435,
de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha
necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava
também incapacitado para a vida independente.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº
12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o
trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício
assistencial.
Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste
julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.
Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência", com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, §
2º, da LOAS, in verbis:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência,
passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se
despicienda a referência à necessidade de trabalho.
RESERVA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Por fim, oportuno registrar que o benefício assistencial de prestação continuada não pode ser
postulado como mero substituto de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, por aqueles
que não mais gozam da proteção previdenciária (artigo 15 da Lei nº 8.213/91), ou dela nunca
usufruíram.
Muitos casos de incapacidade temporária ou mesmo permanente para o trabalho devem ser
tutelados exclusivamente pelo seguro social (artigo 201 da CF), à medida que a condição de
saúde do interessado (física ou mental) não gera a segregação social ínsita à condição de pessoa
com deficiência. De fato, somente em relação ao benefício assistencial há necessidade de
abordar a questão da integração social.
Haverá casos, dessarte, em que o interessado, conquanto incapaz total ou parcialmente,
definitiva ou temporariamente, não fará jus ao benefício assistencial, à medida que não se
enquadrará na condição de pessoa com deficiência.
Daí que a distinção entre as searas de cobertura da assistência e previdência sociais se faz
absolutamente necessária, mormente porque a cobertura dos riscos sociais invalidez e doença
depende do pagamento de contribuições, na forma dos artigos 201, caput e inciso I, da
Constituição Federal, que têm a seguinte dicção:
"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 1998)"
Noutros termos, a pretendida ampliação do espectro da norma do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93 encontra óbice na própria Constituição da República, segundo a qual caberá à
Previdência Social a cobertura dos eventos "doença" e "invalidez" (artigo 201, I), haja vista ser
imperioso levar em conta o aspecto da integração social (Luiz Alberto David Araújo, in A Proteção
Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 18-
22).
Entendimento contrário implicará ofensa aos princípios da seletividade e distributividade (artigo
194, § único, III, da Constituição Federal), à medida que obrigará a assistência social - de
abrangência já subsidiária quanto ao aspecto objetivo - a cobrir necessidades sociais de
responsabilidade da previdência social, gerando, com isso, desequilíbrio no aspecto do custeio de
todo o sistema tripartite da seguridade social.
Em realidade, forçoso reconhecer que pode estar havendo país afora abuso na propositura de
ações visando à concessão do benefício aqui pleiteado, por ser não contributivo e pela facilidade
proporcionada pela gratuidade processual.
Impende reconhecer que tal desequilíbrio no custeio da seguridade social - motivado pela
assunção pela assistência social de coberturas reservadas à previdência social - pode gerar
consequências sociais e econômicas gravíssimas, de feitos conjunturais e estruturais, causando
maiores prejuízos à população mais pobre, que se verá desfalcada de proteção social mínima no
futuro, sem falar que o descalabro orçamentário alimenta a própria pobreza, em razão do
aumento do preço dos produtos básicos (remédios e medicamentos incluídos) gerado pela
tributação adicional, necessária a contrabalançar o desfalque no pagamento das contribuições
previdenciárias devidas (artigo 195 da CF/88).
CASO CONCRETO
Primeiramente o requisito objetivo da miserabilidade.
A situação econômica e social não parece amoldar-se ao conceito de hipossuficiência, à luz do
artigo 20, § 3º, da LOAS.
O autor vive sozinho, em casa própria inacabada, sobrevivendo da realização de trabalho informal
como pedreiro.
Paga pensão alimentícia à filha, no valor de R$ 300,00. Recebe ajuda de vizinhos, mas obtém
ganhos como seu próprio trabalho e esforço.
Há pobreza, decerto, mas há dúvidas a respeito da miserabilidade jurídica.
Mesmo levando-se em conta o RE n. 580963, vejo dúvidas a respeito da situação de
hipossuficiência jurídica, notadamente diante da completa impossibilidade de aferição da renda
real do autor na informalidade.
No mais, o requisito da deficiência não restou caracterizado.
O perito judicial concluiu que as enfermidades do autor (nascido em 10/7/1958, pedreiro) não o
incapacitam para o trabalho.
Revelou que os exames complementares indicaram adequado funcionamento cardíaco e algumas
alterações discretas em coluna:
ECG DE REPOUSO E TESTE ERGOMÉTRICO em 15/01/2018: “-CONCLUSÃO: Ausência de
arritmia; - Reserva cronotrópica preservada; - satisfatória atividade autonômica parassimpática no
pós esforço; - TESTE ERGOMÉTRICO NEGATIVO PARA ISQUEMIA MIOCARDICA INDUZIDA
PELO ESFORÇO”.
RX de Coluna Cervical em 20/03/2018: “-Leve redução dos espaços discais de C5 a C7 com
uncoartrose. – Artrose facetaria de C3 a C7”.
RX de Coluna Lombo Sacra em 20/03/2018: “-Leve redução da altura na porção posterior do
corpo vertebral de L5, que se apresenta sacralizado. – Redução dos espaços discais L5-L5 e L5-
S1. – Formações osteofitárias marginais difusas. Artrose facetaria
L4-L5 e L5-S1. – Leve redução do espaço discal L1-L2, com esclerose subcondral nos platôs
vertebrais apostos”.
No mais, apresentou conclusão com o seguinte conteúdo:
“Concluo que o periciando em questão é portador das patologia hipertensão arterial sistêmica,
diabetes mellitus, cervicalgia e lombalgia, além de tratamento de infarto agudo do miocárdio há
dois anos. Apresentou exame datado de 2018 acerca do funcionamento cardíaco com bom
resultado. Assim sendo não há incapacidade laboral no caso. É aconselhável ao mesmo o
acompanhamento contínuo com cardiologista, ortopedista e médico da família, para a
manutenção da boa saúde e para que não haja descompensação de seu quadro..” (fls. 123).
Não há qualquer base fática, legal ou mesmo científica nestes autos para se infirmarem as
conclusões da perícia médica.
À evidência, como já explicado supra, os conceitos de deficiência e incapacidade não se
confundem.
Todavia, ainda assim, nos termos da conclusão da perícia, a autora não se amolda ao conceito
de pessoa com deficiência, tipificado no artigo 20, § 2º, da LPAS, porquanto não há falar-se em
impedimentos de longo prazo.
O benefício assistencial de prestação continuada não serve a amparar males típicos da idade, ou
decorrentes do trabalho ou má postura, não podendo ser utilizado como substituto de
aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.
Ante o exposto, conheço da apelação, anulo a sentença, e, nos termos do artigo 1.013, § 3º, II, do
NCPC, rejeito a matéria preliminar e, quanto ao mérito, julgo improcedente o pedido.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em R$
1.000,00 (um mil reais), já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85,
§§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da continuidade
das condições que lhe deram origem.
Termo inicial do benefício a partir da DER.
Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada. Sobre os
valores em atraso incidirá correção monetária em conformidade com os critérios legais
compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal,
observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Apelação da parte provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria,
decidiu dar provimento à apelação, nos termos do voto da Juíza Federal Convocada Vanessa
Mello, que foi acompanhada pela Desembargadora Federal Marisa Santos e pelo Desembargador
Federal Sergio Nascimento (que votou nos termos do art. 942 caput e §1º do CPC). Vencido o
Relator que anulava a sentença, e, nos termos do artigo 1.013, § 3º, II, do NCPC, rejeitava a
matéria preliminar e, quanto ao mérito, julgava improcedente o pedido, que foi acompanhado pelo
Desembargador Federal Gilberto Jordan (4º voto). Julgamento nos termos do disposto no artigo
942 caput e § 1º do CPC. Lavrará acórdão a Juíza Federal Convocada Vanessa Mello , nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
