Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003275-29.2017.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal ANA LUCIA JORDAO PEZARINI
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
08/11/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 12/11/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. BENEFÍCIO
RESTABELECIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social, sendo devido o
Benefício de Prestação Continuada, desde que adimplidos os quesitos legais. Precedente do C.
STF, em sede de repercussão geral.
-Extinção do processo sem resolução do mérito afastada, sendo cabível, desde logo, seu exame,
nos termos doartigo 1.013 do NCPC, para determinar o restabelecimento do beneplácito, desde a
cessação indevida, vez que decorreu, unicamente, da condição de estrangeira da proponente.
- Incidência de juros e correção monetária em conformidade com o decidido
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- A isenção de custas processuais, nos termos das Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e
9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03 (Estado de São Paulo), não
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
exime a autarquia do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte
autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem (art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93).
- Apelação da parte autora provida.
- Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o pedido.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5003275-29.2017.4.03.6183
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: LATIF SALEM
Advogado do(a) APELANTE: DANIELA BARRETO DE SOUZA - SP353994-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO (198) Nº 5003275-29.2017.4.03.6183
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: LATIF SALEM
Advogado do(a) APELANTE: DANIELA BARRETO DE SOUZA - SP353994-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda voltada ao restabelecimento de benefício de prestação continuada ao idoso
e à inexigibilidade de débito apurado pelo INSS a esse titulo.
A sentença prolatada nestes autos (doc. 3100281) indeferiu a petição inicial e julgou extinto o
processo, sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual (artigo 330, III c/c o
artigo 485, I, do NCPC), ao fundamento de que a nacionalidade brasileira por naturalização foi
concedida à vindicante, somente, em 19/9/2016, dois anos após a cessação do benefício, e não
em idos de 2006, conforme alegado nos autos, assentando-se, portanto, o pedido, em premissa
falsa.
Sobreveio apelação autoral, requerendo a reforma do julgado, sustentando, em síntese, que,
consoante relatório social, reside no Brasil há mais de oitenta anos, com visto permanente, sendo
certo que não há vedação legal à percepção do benefício de prestação continuada por
estrangeiro, cujos requisitos, no mais, encontram-se por ela atendidos (doc. 3100285).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal (doc. 3100287).
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação e, estando a
causa madura para julgamento, uma vez que a benesse foi indeferida, apenas, pela condição de
estrangeira da vindicante, manifestou-se pela procedência do pedido (doc. 3440850).
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5003275-29.2017.4.03.6183
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: LATIF SALEM
Advogado do(a) APELANTE: DANIELA BARRETO DE SOUZA - SP353994-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
V O T O
No caso vertente, a postulante, libanesa, nascida em 15/01/1934 (doc. 3099956), com visto
permanente com data de entrada no País em 23/6/1936 e validade até 05/6/2006 (doc. 3100236),
naturalizada brasileira em 19/9/2016 (doc. 3100280), titularizou o Benefício de Prestação
Continuada desde 14/5/2002 (NB 124930168, doc. 3099977), quando, em 21/8/2014, foi
cientificada, pelo Ofício nº 5533/2014-MOB/OL 21.004.040, acerca de indício de irregularidade na
sua concessão, visto que o beneplácito só seria devido a brasileiro naturalizado, domiciliado no
Brasil. Foi informada, ainda, que os cálculos dos valores recebidos indevidamente, observado o
prazo quinquenal de 01/6/2009 a 31/7/2014, perfazem, na competência 08/2014, R$ 42,258,77
(docs. 3100259 e 3100261).
Previsto no artigo 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário (recordando-se, a este passo, da
sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº
9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003) ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Consigne-se que, a despeito da controvérsia acerca da data de emissão do certificado de
naturalização da autora, em 19/9/2016, não empece a outorga do benefício sua singular situação
de estrangeira, com visto permanente: uma vez atendidas as condicionantes exigidas pela Lei nº
8.742/1993, ser-lhe-á devida a benesse vindicada.
De efeito, a Constituição, na previsão de elenco protetivo que, de alguma sorte, guarda
convergência à garantia de benefício assistencial à pessoa deficiente, situação correspondente
ao caso dos autos, absteve-se de tecer qualquer discriminação fulcrada na origem de seus
beneficiários, de forma que não seria lícito ao exegeta fazê-lo.
Deveras, a Carta Magna guinda como pilar da República o princípio da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III), tendo como um dos objetivos a construção de sociedade solidária, com
erradicação da pobreza e desigualdades sociais, visando à promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art.
3º, incs. I, III e IV). Arremata, ainda, serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade,
entre outros, do direito à vida (art. 5º, caput), preconizando, expressamente, a prestação da
assistência social a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, com foco na proteção à deficiência e à velhice, bem assim na garantia de um salário
mínimo de benefício mensal ao deficiente ou idoso incapaz de prover à própria manutenção ou de
tê-la suprida por sua família, conforme dispuser a lei (incisos I e V do art. 203).
Do expendido, amparada está a concessão de benefício assistencial a estrangeiro como, de
resto, decidido pelo C. STF, no julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral nº
587970 RG, sob relatoria do Min. Marco Aurélio, em sessão levada a efeito em 20/4/2014, fixando
a tese nos seguintes termos:
"Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203,
inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais".
Relevante registrar que, conforme se colhe de consulta efetivada junto ao sistema de andamento
informatizado daquele Tribunal, referida ata foi publicada no DJE nº 84, divulgado, a seu turno,
em 24/4/2017, cumprindo não delongar a observância à orientação emanada do Excelso Pretório,
na conformidade do § 11 do art. 1.035 do NCPC, mercê do qual "A súmula da decisão sobre a
repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão",
preceito a ser conjugado com o art. 927, inciso III, do mesmo Codex, a preconizar que "Os juízes
e os tribunais observarão os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução
de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos".
Daí concluir-se que, em linha de princípio, não mais existe margem a discussões relativamente ao
assunto em voga, na forma do preceito aludido, a ser adotado por todos os órgãos jurisdicionais.
A propósito, a jurisprudência desta Nona Turma:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. RE 587970.
REPERCUSSÃO GERAL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. POSSIBILIDADE DE
CONCESSÃO. RECURSO IMPROVIDO. - Discute-se o preenchimento dos requisitos
necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20
da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. Essa
lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo
20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante
portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a
hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida
por sua família. - No caso, a parte autora é de nacionalidade portuguesa (cédula de identidade de
estrangeiro à f. 9). - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a condição de estrangeiro
residente no Brasil não impede o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago
pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) às pessoas com deficiência e aos idosos que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou ter o sustento provido por sua
família, desde que atendidos os requisitos necessários para a concessão. - Em julgamento
concluído dia 20/4/2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federa, no Recurso Extraordinário (RE)
587970, com repercussão geral reconhecida, reconheceu a possibilidade de concessão do
amparo social a estrangeiro residente no país. - Agravo interno improvido." (AC
00135531220164039999, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, e-DJF3 Judicial 1 DATA:
28/06/2017)
Destarte, deve ser afastada a extinção do processo sem resolução do mérito, sendo cabível,
desde logo, seu exame, nos termos do estabelecido no artigo 1.013 do NCPC, para determinar o
restabelecimento do beneplácito, desde a cessação indevida, vez que decorreu, unicamente, da
condição de estrangeira da proponente.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/09: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do artigo 85 do NCPC, observando-se o disposto
nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data
da decisão que restabeleceu o benefício (Súmula n. 111 do STJ).
Quanto às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, nos termos das Leis
Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03
(Estado de São Paulo). Contudo, tal isenção não a exime do pagamento das custas e despesas
processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento
prévio.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Do expendido, dou provimento à apelação nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. BENEFÍCIO
RESTABELECIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social, sendo devido o
Benefício de Prestação Continuada, desde que adimplidos os quesitos legais. Precedente do C.
STF, em sede de repercussão geral.
-Extinção do processo sem resolução do mérito afastada, sendo cabível, desde logo, seu exame,
nos termos doartigo 1.013 do NCPC, para determinar o restabelecimento do beneplácito, desde a
cessação indevida, vez que decorreu, unicamente, da condição de estrangeira da proponente.
- Incidência de juros e correção monetária em conformidade com o decidido
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- A isenção de custas processuais, nos termos das Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e
9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03 (Estado de São Paulo), não
exime a autarquia do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte
autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem (art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93).
- Apelação da parte autora provida.
- Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o pedido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA