Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001778-41.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal ANA LUCIA JORDAO PEZARINI
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
20/09/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 24/09/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. ANÁLISE DA
DEFICIÊNCIA PREJUDICADA. REQUISITOS CUMULATIVOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício, restando
prejudicada a análise da deficiência, uma vez que tais pressupostos são cumulativos.
Precedentes da Turma.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do NCPC,
observado o disposto no art. 98, § 3º, do NCPC, por ser a parte autora beneficiária da justiça
gratuita.
- Apelação da parte autora desprovida.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5001778-41.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: ELISA VITORIA RIQUELME DE LIMA SOARES
REPRESENTANTE: VALESKA NATALI RIQUELME DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: ADAO DE ARRUDA SALES - MS10833-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO (198) Nº 5001778-41.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: ELISA VITORIA RIQUELME DE LIMA SOARES
REPRESENTANTE: VALESKA NATALI RIQUELME DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: ADAO DE ARRUDA SALES - MS10833,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação da parte autora, menor, representada por sua genitora, interposta em face
da r. sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício
assistencial a pessoa deficiente (doc. 1836412, págs. 93/94).
Pretende que seja reformado o julgado, sustentando a presença dos requisitos à outorga da
benesse (doc. 1836412, págs. 101/107).
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal (doc. 1836412, págs. 116/119).
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação (doc.
3361903).
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5001778-41.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: ELISA VITORIA RIQUELME DE LIMA SOARES
REPRESENTANTE: VALESKA NATALI RIQUELME DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: ADAO DE ARRUDA SALES - MS10833,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
V O T O
A teor do disposto no artigo 1.011 do NCPC, conheço do recurso de apelação, uma vez
cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Previsto no artigo 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário (recordando-se, a este passo, da
sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº
9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003) ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei n.
13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa
com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011).
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, em recentes
julgados de minha relatoria: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-
37.2013.4.03.6121, D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte reside no fato de terem sido "editadas leis que
estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais
como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que
autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas
de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas" (RE nº 580963).
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora (v., a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP,
Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg
no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p.
342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ
10/03/2003, p. 323).
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família (Lei nº 10.836/04), o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (Lei nº 10.689/03)
e o bolsa escola (Lei nº 10.219/01), contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014).
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade
por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de
justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo." (RE nº 580.963/PR, DJe
14.11.2013).
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso (assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos), mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Segundo estudo social realizado em 22/8/2016 (doc. 1836412, págs. 62/67), a parte autora, de
um ano de idade (nascida em 24/7/2015, doc. 1836412, pág. 10)), reside no município de Nova
Aquidauana/MS, com os genitores, o pai, com 23 anos, e a mãe, com 24, e dois irmãos, de seis e
três anos, idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
Moram em casa própria, edificada em alvenaria e parcialmente murada, localizada em região
periférica da cidade, em rua sem pavimentação asfáltica e calçamento. Não há hospitais próximos
à residência, tampouco serviço de transporte público.
O imóvel compõe-se por três cômodos, os quais, no entanto, não asseguram acolhimento e
privacidade dos moradores. No momento da visita domiciliar encontrava-se organizado e
guarnecido de modestos e básicos bens móveis.
Consoante laudo médico (doc. 1836412, págs. 71/81), a pretendente é portadora de Atresia
Congênita Anal. Utiliza bolsa de colostomia e necessita de cuidados constantes de terceiros, até
correção da patologia, mediante procedimento cirúrgico, seguido de terapia adequada.
As despesas, à época do laudo, giravam em torno de R$ 560,00, consistindo em tarifas de água
(R$ 80,00) e energia elétrica (R$ 30,00), gêneros alimentícios, produtos de limpeza e de higiene
(R$ 400,00) e medicamentos (R$ 50,00).
A renda familiar advém dos rendimentos variáveis obtidos pelo genitor, que trabalha como
pedreiro, auferindo, mensalmente, em torno de R$ 1.300,00, acrescidos do repasse de R$ 372,00
pelo Programa Bolsa Família.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão dos rendimentos percebidos do aludido programa, por força do disposto no Decreto nº
6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Considerado, assim, o núcleo de cinco pessoas, a renda familiar per capita totaliza R$ 260,00,
inferior à metade do salário mínimo (R$ 440,00), à época, de R$ 880,00.
Inobstante, os elementos de convicção coligidos aos autos não indicam cotidiano de privações a
ponto de franquear a outorga do beneplácito buscado.
Veja-se que a requerente realiza acompanhamento médico regular no Hospital Regional de
Campo Grande/MS, a cada dois meses, e recebe trinta 30 (trinta) bolsas de colostomia, pelo
Sistema Único de Saúde.
Além disso, as despesas informadas se mostram inferiores à renda total declarada, a família
conta com telefone celular e duas motocicletas (cf. consulta INFOSEG, doc. 1836412, pág. 89,
uma, ano de fabricação 2003, e outra, ano 2013), circunstância algo incompatível com o
propalado cenário de precisão econômica.
Sopesados, então, todos os elementos probantes amealhados, temos que se trata de família
certamente modesta e imersa em cenário de pobreza, não, contudo, em contingência de miséria,
esta, sim, apta a amparar a outorga do benefício pleiteado.
E, como se sabe, dentre os escopos do benefício de prestação continuada, não está o de
suplementar renda ou propiciar maior conforto ao interessado (e.g.: AC 00394229420044039999,
Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, TRF3, Nona Turma, DJU 24/11/2005).
Assim, não restou comprovada situação de hipossuficiência, ainda que por outros meios
probantes, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em
repercussão geral, restando prejudicada a análise da deficiência, uma vez que tais pressupostos,
como dito, são cumulativos. Nesse sentido, confiram-se, dentre outros, os seguintes julgados
desta 9ª Turma, de minha Relatoria, proferidos em situações análogas: AC 0003613-
23.2016.4.03.9999, j. 15/7/2016, e-DJF3 30/08/2016, e AC 00070109020164039999, j. 15/7/2016,
e-DJF3 30/08/2016.
Por tudo, deve ser mantida a improcedência do pedido.
Acrescente-se que o benefício de prestação continuada é regido pela cláusula "rebus sic
stantibus", de modo que havendo alteração desse cenário, no decorrer do tempo, pode a parte
autora postular administrativamente a concessão de novo benefício.
Diante da sucumbência recursal e da regra prevista no § 11 do art. 85 do NCPC, a verba
honorária fixada na sentença (R$ 500,00) deve ser majorada em 20%, observando-se, contudo, o
disposto no art. 98, § 3º, do Estatuto Processual, por ser a demandante beneficiária da justiça
gratuita.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, majorando a verba
honorária de sucumbência, na forma delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. ANÁLISE DA
DEFICIÊNCIA PREJUDICADA. REQUISITOS CUMULATIVOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício, restando
prejudicada a análise da deficiência, uma vez que tais pressupostos são cumulativos.
Precedentes da Turma.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do NCPC,
observado o disposto no art. 98, § 3º, do NCPC, por ser a parte autora beneficiária da justiça
gratuita.
- Apelação da parte autora desprovida.
ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma,
por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
