Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0003917-80.2015.4.03.6111
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
02/05/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/05/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF.
REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA.
INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
IMPLANTAÇÃO IMEDIATA.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V- O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do requerimento administrativo,
consoante firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VI- Honorários advocatícios fixados em 15% do valor das prestações vencidas até a presente
data, uma vez que o pedido foi julgado improcedente no Juízo "a quo", nos termos da Súmula 111
do STJ e de acordo com entendimento firmado por esta 10ª Turma.
VII- Determinada a imediata implantação do benefício, na forma do artigo 497 do CPC de 2015.
VII - Apelação da parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003917-80.2015.4.03.6111
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: VINICIUS DE SOUZA LISBOA
REPRESENTANTE: BRUNA PEREIRA DE SOUZA
Advogados do(a) APELANTE: GISELE CRISTINA LUIZ MAY - SP348032-N, DEISI APARECIDA
PARPINELLI ZAMARIOLI - SP185200-N, CHRISTIANE REZENDE PUTINATI KIHARA -
SP139362-N, ALLAN KARDEC MORIS - SP49141-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003917-80.2015.4.03.6111
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: VINICIUS DE SOUZA LISBOA
REPRESENTANTE: BRUNA PEREIRA DE SOUZA
Advogados do(a) APELANTE: ALLAN KARDEC MORIS - SP49141-N, CHRISTIANE REZENDE
PUTINATI KIHARA - SP139362-N, DEISI APARECIDA PARPINELLI ZAMARIOLI - SP185200-N,
GISELE CRISTINA LUIZ MAY - SP348032-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ALLAN KARDEC MORIS
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: CHRISTIANE REZENDE PUTINATI KIHARA
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: DEISI APARECIDA PARPINELLI ZAMARIOLI
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: GISELE CRISTINA LUIZ MAY
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido do autor objetivando a concessão do
benefício de prestação continuada de que trata o art. 203, V, da Constituição da República. A
parte autora foi condenada ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes fixados em
10% do valor da causa, observada sua condição de beneficiária da justiça gratuita.
A parte autora apela, aduzindo restarem preenchidos os requisitos os requisitos necessários à
concessão do benefício, a teor do disposto art. 20, da Lei 8.742/1993.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Em parecer, o i. representante do Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação
do demandante.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003917-80.2015.4.03.6111
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: VINICIUS DE SOUZA LISBOA
REPRESENTANTE: BRUNA PEREIRA DE SOUZA
Advogados do(a) APELANTE: ALLAN KARDEC MORIS - SP49141-N, CHRISTIANE REZENDE
PUTINATI KIHARA - SP139362-N, DEISI APARECIDA PARPINELLI ZAMARIOLI - SP185200-N,
GISELE CRISTINA LUIZ MAY - SP348032-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ALLAN KARDEC MORIS
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: CHRISTIANE REZENDE PUTINATI KIHARA
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: DEISI APARECIDA PARPINELLI ZAMARIOLI
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: GISELE CRISTINA LUIZ MAY
V O T O
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011).
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, restou relatado
pelo perito nomeado pelo Juízo que o autor, menor impúbere, contando atualmente com 05 anos
de idade (nascido em 16.07.2013), sofreu hemorragia intracerebral não especificada e, após
submeter-se a diversas cirurgias, passou a apresentar crises convulsivas refratárias ao
tratamento medicamentoso. O expert destacou que deficiência do demandante limita o
desempenho de suas atividades e restringe sua participação social compatível com sua idade e
concluiu que, pelas sequelas ocasionadas pela doença e por ser menor de idade, o autor
necessita da ajuda de terceiros para sobreviver.
Faz-se mister, aqui, observar o que dispõe o art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/2007:
Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
§ 1o Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação continuada às crianças e
adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência
e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social,
compatível com a idade.
Neste passo, em se tratando de criança, não há que se perquirir quanto à sua capacidade
laborativa, mas deve-se ter em conta as limitações que a deficiência de que é portadora impõem
ao seu desenvolvimento e a atenção especial de que necessita.
Assim, a deficiência apresentada pelo autor, autoriza a concessão do benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - Resp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalizarão". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalizarão dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalizarão decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Cl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Nesse contexto, o estudo social realizado em 31.03.2018 apurou que o núcleo familiar do autor é
composto por ele, sua genitora e o irmão, também menor. A mãe do demandante trabalha como
manicure em sua residência, auferindo renda mensal média equivalente a R$ 400,00. Residem
em imóvel alugado, em regular estado de conservação. A família conta, também, com a
assistência governamental oriunda de programa social, consubstanciada em R$ 130,00 (centro e
trinta reais) advindos do Programa Bolsa Família. As despesas familiares são compreendidas por
gás (R$ 33,00), água (R$ 73,08), IPTU (R$ 35,20), energia elétrica (R$ 71,06), aluguel (R$
630,00 – este custeado pelos avós maternos do demandante), alimentação (R$ 400,00 – sendo
que os avós maternos do autor fornecem o vale-alimentação recebido da empresa onde
trabalham, no valor de R$ 200,00), fundo mútuo (R$ 70,00) e vestuário (R$ 67,00). A genitora do
requerente possui ainda, um veículo Ford Fiesta, ano 2010, doado por seus pais a fim de que
pudesse levar o autor ao médico com maior agilidade nos momentos de convulsão, porém o
pagamento das parcelas encontra-se em atraso desde setembro de 2016, bem como a
documentação irregular, razão pela qual o veículo está impedido de trafegar atualmente.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos, demonstra que o autor preenche o requisito
referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do
benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do requerimento administrativo
(17.03.2015), consoante firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência.
Fixo os honorários advocatícios em 15% do valor das prestações vencidas até a presente data,
uma vez que o pedido foi julgado improcedente no Juízo a quo, nos termos da Súmula 111 do
STJ e de acordo com entendimento firmado por esta 10ª Turma.
A autarquia previdenciária está isenta de custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, I, da Lei
9.289/96, do art. 24-A da MP 2.180-35/01, e do art. 8º, § 1º da Lei 8.620/92.
Diante do exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para julgar procedente o pedido, e
condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, a partir da data do
requerimento administrativo (17.03.2015). Honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor
das prestações vencidas até a data do presente julgamento.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído
com os devidos documentos da parte autora VINÍCIUS DE SOUZA LISBOA, representada por
sua genitora BRUNA PEREIRA DE SOUZA, a fim de serem adotadas as providências cabíveis
para que seja implantado o benefício de prestação continuada, com data de início - DIB em
17.03.2015, no valor de um salário mínimo, tendo em vista o caput do artigo 497 do CPC.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF.
REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA.
INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
IMPLANTAÇÃO IMEDIATA.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V- O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do requerimento administrativo,
consoante firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VI- Honorários advocatícios fixados em 15% do valor das prestações vencidas até a presente
data, uma vez que o pedido foi julgado improcedente no Juízo "a quo", nos termos da Súmula 111
do STJ e de acordo com entendimento firmado por esta 10ª Turma.
VII- Determinada a imediata implantação do benefício, na forma do artigo 497 do CPC de 2015.
VII - Apelação da parte autora provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
