Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002821-47.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
31/01/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 06/02/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. AUSÊNCIA DE
INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. CUSTAS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
I - A ausência de manifestação do Ministério Público em primeiro grau não implica
necessariamente a nulidade da sentença se, no caso, a demandante obtiver pronunciamento
jurisdicional favorável em segunda instância.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI - O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo,
conforme firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VII - Honorários advocatícios fixados em 15% das parcelas vencidas até a presente data, tendo
em vista que o pedido foi julgado improcedente pelo Juízo a quo.
VIII - O STJ entendeu que a Lei Estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei Estadual nº
1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei Estadual nº 3.002/2005, que trata de custas, e
não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do Sul (Resp:
186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE, Data de
Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica mantida a condenação da autarquia no
pagamento das custas processuais.
IX - Determinada a imediata implantação do benefício, nos termos do artigo 497 do COPC de
2015.
X - Apelação da parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5002821-47.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: NEUSA CABRAL BATISTA
Advogados do(a) APELANTE: HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979000A, GUILHERME
FERREIRA DE BRITO - MS9982000A, PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS1078900A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO (198) Nº 5002821-47.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: NEUSA CABRAL BATISTA
Advogados do(a) APELANTE: HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979000A, GUILHERME
FERREIRA DE BRITO - MS9982000A, PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS1078900A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido da parte autora em ação em que pleiteia a
concessão de amparo assistencial ao portador de deficiência, sob fundamento de que não restou
comprovada sua hipossuficiência econômica. Não houve condenação em custas e honorários
advocatícios, por ser a demandante beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Em sua apelação, a parte autora sustenta que comprovou o preenchimento dos requisitos
necessários à concessão do benefício, a saber, é portadora de deficiência e não possui meios
para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família. Assevera que o §1° do artigo 20 da
Lei Orgânica da Assistência Social estabelece que somente os filhos solteiros podem ser
considerados como componentes do núcleo familiar, para fins de obtenção do benefício almejado.
Aduz que seu filho Marison é casado, não podendo ter sua renda computada como sendo de sua
genitora. Alega, ainda, que a jurisprudência é pacífica no sentido de que não é plausível deixar a
mantença do idoso ou do portador de deficiência ad eternum ao alvitre de outro integrante do
grupo familiar, que, pode, eventualmente, cessar a cooperação no sustento do hipossuficiente,
deixando-o sem condições de prover à própria subsistência. Pugna pela reforma da sentença,
com a concessão do benefício pleiteado, ou pela anulação do julgado, com o retorno dos autos
ao Juízo de origem, para a produção de laudo social conclusivo, no sentido de informar de forma
clara quais dos filhos são casados e quais sãos os gastos do filho Marison.
Com contrarrazões de apelação, os autos vieram a esta Corte.
Em parecer, o i. representante do Parquet Federal, opinou pelo provimento da apelação da
autora, a fim de que seja declarada a nulidade do feito, por ausência de intervenção do Ministério
Público em primeiro grau, bem como para que seja reaberta a instrução probatória.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5002821-47.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: NEUSA CABRAL BATISTA
Advogados do(a) APELANTE: HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979000A, GUILHERME
FERREIRA DE BRITO - MS9982000A, PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS1078900A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
Da intervenção do Ministério Público Federal.
A ausência de manifestação do Ministério Público em primeiro grau não implica necessariamente
a nulidade da sentença se, no caso, a demandante obtiver pronunciamento jurisdicional favorável
em segunda instância. Nesse sentido, confira-se jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PRELIMINAR. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE.
PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO DO FALECIDO. CUMPRIMENTO DO PERÍODO DE
CARÊNCIA PARA A APOSENTADORIA POR IDADE. INOCORRÊNCIA. ARTIGO 102 DA LEI Nº
8.213/91. INAPLICÁVEL.
1 - Não há que se falar em nulidade do processo pela ausência de participação do Ministério
Público uma vez que não houve prejuízo para os autores e a omissão foi suprida pela
manifestação nesta instância.
(....)
(TRF-3ª Região; AC 1082026 - 2006.03.99.000948-8/SP; 10ª Turma; Rel. Juiz Nino Toldo; j.
24.07.2007; DJ 08.08.2007; pág. 554)
Assim sendo, a apreciação acerca de eventual prejuízo a ser suportado pela autora deve ser
realizada após o exame do mérito.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica
realizada em 29.07.2015, constatou que a autora é portadora de sequela de AVC, com
acometimento de sistema nervoso central, com diminuição de sua capacidade motora (diminuição
de força, parestesia, atrofia em membros superiores e inferiores), alterações no equilíbrio e
alterações locomotoras (na marcha). Esclareceu que o tratamento do AVC foi adequado, mas
houve prejuízo para o órgão afetado (cérebro), resultando em diminuição da capacidade para a
realização de esforços e atividades que necessitem atenção e concentração. Atestou que a
requerente apresenta capacidade laborativa diminuída em função da dificuldade para realização
de atividades leves a moderadas, estando totalmente incapacitada para funções mais pesadas ou
que exijam atenção e concentração. Conclui pela inaptidão total, definitiva e omniprofissional.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 11.04.2016 constatou que a autora mora com
seu esposo, três filhos e duas noras, sendo que, de todos eles, apenas aufere renda o filho
Marsion Cabral Batista, no valor de R$. 1.200,00 mensais, proveniente de sua atividade laborativa
em um mercado. O imóvel em que a família reside pertence ao filho Marsion, e é edificado em
alvenaria, cobertura em eternit e possui uma edícula nos fundos, dividida em quatro peças, onde
convivem quatro pessoas. Na casa da frente reside um dos filhos da autora com a nora. O
ambiente proporciona à demandante conforto mínimo e é guarnecida por móveis antigos. O bairro
onde a autora reside é servido de água, esgoto e pavimentação asfáltica e fica próximo dos locais
de atendimentos referentes a saúde. Foi verificado, outrossim, que a autora faz uso contínuo de
medicamentos, adquiridos através da justiça, sendo que um deles custa R$ 67,00 cada caixa, a
qual é usada duas vezes na semana. O companheiro da requerente também apresenta
problemas de saúde, enfrentou um início de infarto e igualmente faz uso de medicação contínua.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o
requisito referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à
concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo
(10.12.2013), ante o firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
A correção monetária e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com a legislação de
regência.
Fixo os honorários advocatícios em 15% das parcelas vencidas até a presente data, tendo em
vista que o pedido foi julgado improcedente pelo Juízo a quo.
Por fim, o STJ entendeu que a Lei Estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei Estadual
nº 1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei Estadual nº 3.002/2005, que trata de custas,
e não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do Sul (Resp:
186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE, Data de
Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica mantida a condenação da autarquia no
pagamento das custas processuais.
Diante do exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para julgar procedente o pedido,
para condenar o INSS a conceder à autora o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da
Constituição da República, equivalente a um salário mínimo mensal, desde a data do
requerimento administrativo (10.12.2013).
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído
com os devidos documentos da parte autora NEUZA CABRAL BATISTA, para que o benefício de
prestação continuada seja implantado de imediato, com data de início (DIB) em 10.12.2013, no
valor mensal de um salário mínimo, conforme artigo 497, caput, do novo Código de Processo
Civil.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. AUSÊNCIA DE
INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. CUSTAS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
I - A ausência de manifestação do Ministério Público em primeiro grau não implica
necessariamente a nulidade da sentença se, no caso, a demandante obtiver pronunciamento
jurisdicional favorável em segunda instância.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI - O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo,
conforme firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VII - Honorários advocatícios fixados em 15% das parcelas vencidas até a presente data, tendo
em vista que o pedido foi julgado improcedente pelo Juízo a quo.
VIII - O STJ entendeu que a Lei Estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei Estadual nº
1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei Estadual nº 3.002/2005, que trata de custas, e
não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do Sul (Resp:
186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE, Data de
Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica mantida a condenação da autarquia no
pagamento das custas processuais.
IX - Determinada a imediata implantação do benefício, nos termos do artigo 497 do COPC de
2015.
X - Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, para julgar procedente o pedido,
para condenar o INSS a conceder à autora o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da
Constituição da República, equivalente a um salário mínimo mensal, desde a data do
requerimento administrativo (10.12.2013)., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
