Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6109943-34.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
15/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/04/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA DO
BENEPLÁCITO NO CURSO DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR DA PARTE AUTORA NA VIA
JUDICIAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- A concessão do benefício de prestação continuada na via administrativa não afasta o interesse
de agir da parte autora no átrio judicial, pois há de se perquirir sobre a presença dos requisitos à
sua outorga, desde 18/02/2014, data de entrada do primeiro requerimento administrativo, nos
termos do pedido inicial, e eventuais parcelas decorrentes até a implantação da benesse, naquela
senda, além dos consectários legais e verba honorária. Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- O próprio autor qualifica-se, na exordial, como "separado de fato", não havendo qualquer
averbação na certidão de casamento por ele apresentada, sendo certo, na linha da jurisprudência
desta E. Nona Turma, que a propalada separação de fato é irrelevante, para fins de concessão do
Benefício de Prestação Continuada, se os consortes convivem sob o mesmo teto.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício, entre as
datas do requerimento na via administrativa, formulado em 18/02/2014, e da sua concessão,
naquela seara, em 28/12/2018.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no
art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser a
parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação da parte autora parcialmente provida, para afastar a extinção do processo, sem exame
do mérito, declarada na sentença.
- Exame do mérito nos termos do artigo 1.013, § 3º, I, do Código de Processo Civil.
- Pedido de concessão do benefício de prestação continuada, no período debatido, julgado
improcedente.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6109943-34.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: IVO BATISTA SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE INTRIERI - SP259014-N, ROBERTO AUGUSTO DA
SILVA - SP172959-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CARLOS ALBERTO PIAZZA - SP232476-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6109943-34.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: IVO BATISTA SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE INTRIERI - SP259014-N, ROBERTO AUGUSTO DA
SILVA - SP172959-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CARLOS ALBERTO PIAZZA - SP232476-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que, em
ação visando à concessão do benefício de prestação continuada, julgou extinto o feito, sem
resolução de mérito, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, ante a outorga
administrativa do benefício almejado, com DIB em 28/12/2017.
Pretende, o apelante, que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença do
interesse de agir, visto que, a seu sentir, faz jus à benesse assistencial entre as datas do primeiro
requerimento na via administrativa, agilizado em 18/02/2014, e da sua concessão, naquela seara,
o que se deu, apenas, em 28/12/2018. No mérito, defende o implemento das condicionantes
exigidas ao benefício de prestação continuada, no período em apreço.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo parcial provimento da apelação,
apenas, para reconhecer a presença de interesse processual, denegando-se, no mérito, o
benefício assistencial.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6109943-34.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: IVO BATISTA SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE INTRIERI - SP259014-N, ROBERTO AUGUSTO DA
SILVA - SP172959-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CARLOS ALBERTO PIAZZA - SP232476-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Cuida-se de ação ajuizada em 17/03/2014, consoante consulta ao sistema e-SAJ do e. Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, que busca a concessão de Benefício de Prestação
Continuada.
Com processamento regular, informou, a assistente social, que houve concessão administrativa,
ao autor, do benefício de amparo social ao idoso, com data de início em 28/12/2017, de acordo
com os dados do CNIS. Vide docs. 100320907 e 100320913, págs. 2.
Ora, o fato de a benesse ser concedida na via administrativa não afasta o interesse de agir da
parte autora no átrio judicial, pois há de se perquirir sobre a presença dos requisitos à sua
outorga, desde 18/02/2014, data de entrada do primeiro requerimento administrativo (doc.
100320869, pág. 5), nos termos do pedido inicial, e eventuais parcelas decorrentes até a
implantação do amparo assistencial naquela senda, além dos consectários legais e verba
honorária.
Nesse sentido é o entendimento desta E. Corte, tirado de situação parelha:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CONCESSÃO NA VIA
ADMINISTRATIVA. INTERESSE DE AGIR. PARCELAS VENCIDAS. RECONHECIMENTO DO
PEDIDO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I. O fato do benefício de
aposentadoria por invalidez ser concedido na via administrativa não afasta o interesse de agir da
parte autora na via judicial, pois são devidas as parcelas vencidas entre eventual termo inicial e
implantação na via administrativa, além dos consectários legais e verbas honorárias. II. Afastada
a superveniente da ação, o feito encontra-se em termos para ser julgado com a análise do mérito,
nos termos do disposto no artigo 515, §3º, do CPC. III. São devidas as parcelas vencidas, a título
de auxílio-doença, desde a data imediatamente posterior ao cancelamento indevido do benefício
até a data imediatamente anterior à efetiva implantação do benefício de aposentadoria por
invalidez. IV. Correção monetária sobre os valores em atraso deve seguir o disposto no
Provimento n.º 26/01 da E. Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 3ª Região, observando-se a
Súmula nº 08 desta Corte Regional e a Súmula nº 148 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. V.
Juros de mora à taxa de 12% (doze por cento) ao ano, conforme Enunciado n.º 20, aprovado na
Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal. VI. Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor
da condenação, excluídas as parcelas vincendas, considerando-se as prestações vencidas as
compreendidas entre o termo inicial do benefício e a data deste acórdão (Súmula 111 do STJ).
VII. Apelação da parte autora parcialmente provida." (AC 00384891920074039999, Sétima
Turma, Desembargador Federal Walter do Amaral, DJF3 03/09/2008 (grifos nossos)
Destarte, deve ser afastada a extinção do processo sem resolução do mérito, sendo cabível,
desde logo, seu exame, nos termos do estabelecido no art. 1.013, parágrafo 3º, inciso I, do
Código de Processo Civil, porquanto a demanda acha-se em condições de imediata análise.
Discute-se o direito da parte autora à concessão do benefício de prestação continuada.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso vertente, verifica-se, pelos documentos 100320868 e 100320869, pág. 5, que a parte
autora, nascida em 16/12/1947, possuía 66 anos de idade em 18/02/2014, data de entrada do
primeiro requerimento aviado na senda administrativa, restando, pois, implementado o requisito
etário.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 100320922, produzido em 12/03/2019.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor, "separado de fato", reside com a "ex-esposa",
de 65 anos, idade correspondente à data do estudo socioeconômico.
A filha do casal, "Simone Batista Santos, não se considera moradora da residência, mas segundo
a genitora a mesma tem um dormitório e serve-se da infraestrutura da casa, como: água, energia
elétrica e alimentação".
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"O requerente reside em imóvel próprio, simples, a construção é de alvenaria, laje, muro no bloco
de tijolos, teto de PVC, pintada, com pisos e azulejos.
A casa é arejada e composta, por: uma sala, uma cozinha, três dormitórios, dois banheiros e uma
lavanderia com umidade na parede e limo, garagem coberta, corredor lateral com umidade e
reboco liso.
Na área externa, tem uma escada para acesso ao dormitório da filha, situado no piso superior,
onde a mesma acomoda-se.
Averiguei que o dormitório do requerente necessita de higiene e arrumação.
(...)
O bairro apresenta infraestrutura: água encanada, rede de esgoto e de telefonia, rua asfaltada,
energia elétrica e equipamentos sociais, como: escolas públicas, Unidade de Pronto Atendimento,
UBS-Morada do Sol, creche, transporte público e estabelecimentos comerciais no entorno."
A residência encontra-se guarnecida com móveis e eletrodomésticos suficientes para atender aos
moradores, inclusive, a filha do casal.
O requerente "citou que tem problemas de saúde: dor na coluna, artrose", contudo, não realiza
tratamento médico, tampouco, faz uso de medicações.
A ex-esposa relata pressão alta e dores nas costas. Utiliza medicamentos contínuos e segue em
acompanhamento de rotina, na Unidade de Pronto Atendimento - UPA e na Unidade Básica de
Saúde - UBS.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 113,14) e energia elétrica (R$
253,86), gás (R$ 75,00), IPTU (R$ 67,86), telefone celular (R$ 54,71) e alimentação (R$ 500,00).
O casal recebe cartão gratuidade para transporte e medicação fornecida pela rede pública de
saúde.
A "ex-esposa" do proponente titulariza o benefício de aposentadoria por idade, de valor mínimo,
desde 03/12/2013 (doc. 100320874, pág. 19).
A filha do autor negou-se a informar seus rendimentos, consoante registrado pela perita
(destaques no original):
"A ex-esposa do requerente, na minha presença, telefonou para a filha Simone Batista dos
Santos, via what’sapp, para solicitar a meu pedido os seus documentos e vencimentos para ser
colocado neste estudo social, e esta disse em alta voz, ouvida por mim, a seguinte frase: _ “Eu
não moro ai”. Mas, a mãe, que falou com esta filha ao telefone, disse o seguinte: _ “Ela mora aqui
sim, come, toma banho e usa a energia elétrica”.
Não obstante, os dados do CNIS, trazidos pelo INSS (doc. 100320928), mostram que a filha do
casal trabalhava regularmente e, em fevereiro de 2014, quando do primeiro requerimento
administrativo formulado pelo demandante, auferia salário de R$ 1.346,85. Para fins
comparativos, tem-se que o salário mínimo, àquela altura, era de R$ 724,00.
De toda sorte, desimporta problematizar a inclusão, ou não, daquela, no conceito de família, na
acepção da Lei nº 12.435/2011, para efeito de concessão do Benefício de Prestação Continuada,
visto que a "ex-esposa" do proponente, ao tempo da feitura do estudo social, não ostentava idade
bastante a permitir a supressão dos seus proventos, do cômputo da renda per capita do casal,
então, de meio salário mínimo, patamar que, segundo a jurisprudência, assegura-lhe o mínimo à
sobrevivência.
Averbe-se, ainda, a esse respeito, que o próprio autor qualifica-se, na exordial, como "separado
de fato" (doc. 100320865, pág. 2), não havendo qualquer averbação na certidão de casamento
apresentada no doc. 100320869, pág. 4, sendo certo, na linha da jurisprudência desta E. Nona
Turma, que a propalada separação de fato é irrelevante, para fins de concessão da benesse
assistencial, se os consortes convivem sob o mesmo teto, in verbis (destaquei):
“PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88. LEI
N. 8.742/93 E 12.435. NÃO COMPROVADA A MISERABILIDADE. DESPROVIMENTO. ÔNUS
DA SUCUMBÊNCIA. 1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência
ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida
por sua família. 2. No caso vertente, a parte autora, que contava mais de 65 (sessenta e cinco)
anos de idade na data do ajuizamento da ação, requereu o benefício assistencial por ser idosa .
3. Quanto ao requisito da miserabilidade, o estudo social, realizado em 15/9/2013, revela que a
parte autora reside com seu marido, de 65 anos, e filha, de 41 anos. 4. Para fins de cálculo da
renda, suposta separação de corpos é irrelevante, se marido e mulher convivem sob o mesmo
teto. 5. A renda familiar é constituída da aposentadoria por tempo de contribuição recebida pelo
marido e do benefício assistencial recebido pela filha, ambos no valor de um salário mínimo. 6.
Decerto, em face do disposto no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, o montante
recebido a título de benefício assistencial e, por analogia, também benefício previdenciário de
valor equivalente a um salário-mínimo, possa ser desconsiderado para efeito de renda, cabe
ressaltar que, no caso concreto, as circunstâncias fáticas não autorizam o afastamento do critério
objetivo exposto na lei, nem a interpretação extensiva do dispositivo supracitado para contemplar
a parte autora com o benefício assistencial. 7. Com efeito, consoante os autos, a família reside
em imóvel próprio, localizado em região urbanizada com saneamento e infraestrutura básica.
Composto de seis cômodos (dois quartos, duas salas, uma cozinha, um banheiro e duas
varandas), todos mobiliados e em excelente estado de conservação. 8. Tem área total de 242
metros quadrados e área construída de 128 metros quadrados. 9. Outrossim, possuem telefone
fixo, e há duas filhas solteiras que não coabitam com a autora e que desenvolvem atividade
laborativa. 10. O estudo social demonstra que os gastos suportados pelo núcleo familiar não
suplantam o montante dos rendimentos advindos dos benefícios previdenciários auferidos. 11.
Por fim, não se pode olvidar da receita esporádica advinda com a venda de bala de coco, e das
conclusões da assistente social: de não estar configurada a situação de vulnerabilidade,
considerando a ausência de relato quanto à situação de privação de necessidades básicas, e as
condições de moradia. 12. Destarte, verifica-se que a família tem acesso aos mínimos sociais e
não desfruta a condição de miserabilidade que enseja a percepção do benefício. 13. Apelação
desprovida. 14. Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e
honorários de advogado, arbitrados pelo MM. Juízo a quo, mas suspensa a exigibilidade,
segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser a parte autora beneficiária da
justiça gratuita. Considerando que a apelação foi interposta antes da vigência do Novo CPC, não
incide ao presente caso a regra de seu artigo 85, § 1º, que determina a majoração dos honorários
de advogado em instância recursal.” (Ap 00061490720164039999, Relator Juiz Convocado
Rodrigo Zacharias, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/11/2016):
Destarte, não aflora, dos elementos dos autos, contexto de precariedade financeira tal, entre as
datas de entrada do primeiro requerimento administrativo e da concessão administrativa da
benesse, quando seja, 18/02/2014 a 28/12/2017, a ponto de franquear a outorga do beneplácito,
nesse interregno.
Nesse sentido, os fundamentos postos na r. sentença recorrida, que adoto, também, como razão
de decidir:
"Nem se argumente que a parte autora, nesta ação, teria direito ao percebimento do benefício
com data retroativa à data do indeferimento do primeiro requerimento administrativo por ela
formulado, ocorrido em 18/02/2014 (fls. 14), pois as provas produzidas nos autos constatam a
situação de miserabilidade do autor apenas em março de 2.019 (fls. 117/123) e a condição de
hipossuficiência do autor foi somente reconhecida administrativamente quando do segundo
requerimento por ele formulado, não havendo elementos probatórios nestes autos aptos a
demonstrar que a condição de miserabilidade do autor já existia em data anterior."
E, como se sabe, dentre os escopos do benefício de prestação continuada, não está o de
suplementar renda ou propiciar maior conforto ao interessado. A propósito: AC
00394229420044039999, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, TRF3, Nona Turma,
DJU 24/11/2005.
Assim, não restou comprovada situação de hipossuficiência no período aludido, ainda que por
outros meios probantes, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal,
exarado em repercussão geral, sendo, portanto, indevido o benefício, no período debatido no
apelo autoral.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, para afastar a extinção do
processo, sem exame do mérito, declarada na sentença, e, examinando-o, nos termos
estabelecidos no artigo 1.013, § 3º, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente o pedido
de concessão do benefício de prestação continuada, entre as datas do requerimento na via
administrativa, formulado em 18/02/2014, e da sua concessão, naquela seara, em 28/12/2018.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, que manteve a
sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA DO
BENEPLÁCITO NO CURSO DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR DA PARTE AUTORA NA VIA
JUDICIAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- A concessão do benefício de prestação continuada na via administrativa não afasta o interesse
de agir da parte autora no átrio judicial, pois há de se perquirir sobre a presença dos requisitos à
sua outorga, desde 18/02/2014, data de entrada do primeiro requerimento administrativo, nos
termos do pedido inicial, e eventuais parcelas decorrentes até a implantação da benesse, naquela
senda, além dos consectários legais e verba honorária. Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- O próprio autor qualifica-se, na exordial, como "separado de fato", não havendo qualquer
averbação na certidão de casamento por ele apresentada, sendo certo, na linha da jurisprudência
desta E. Nona Turma, que a propalada separação de fato é irrelevante, para fins de concessão do
Benefício de Prestação Continuada, se os consortes convivem sob o mesmo teto.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício, entre as
datas do requerimento na via administrativa, formulado em 18/02/2014, e da sua concessão,
naquela seara, em 28/12/2018.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no
art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser a
parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação da parte autora parcialmente provida, para afastar a extinção do processo, sem exame
do mérito, declarada na sentença.
- Exame do mérito nos termos do artigo 1.013, § 3º, I, do Código de Processo Civil.
- Pedido de concessão do benefício de prestação continuada, no período debatido, julgado
improcedente. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação e, nos termos do artigo 1.013, § 3º, I, do
Código de Processo Civil, julgar improcedente o pedido de concessão do benefício de prestação
continuada, entre as datas do requerimento na via administrativa, formulado em 18/02/2014, e da
sua concessão, naquela seara, em 28/12/2018, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
