Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5045753-11.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
27/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 01/06/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Apelação da parte autora desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5045753-11.2021.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: TADEU DA COSTA
Advogado do(a) APELANTE: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5045753-11.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: TADEU DA COSTA
Advogado do(a) APELANTE: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que julgou
improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício de prestação continuada.
Pretende que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à
outorga da benesse.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5045753-11.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: TADEU DA COSTA
Advogado do(a) APELANTE: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Discute-se o direito da parte autora à concessão do benefício de prestação continuada.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 153906268, realizado em 14/05/2019,
considerou o autor, Tadeu da Costa, então, com 53 anos de idade, que "estudou um ano, só
sabe assinar o nome" e trabalhou como rurícola, com registros em CTPS até idos de 2000, e,
após, servente de pedreiro, portador de epilepsia e retardo mental leve.
O perito consignou que o proponente apresenta crise convulsiva controlada com medicamento,
que não interfere em atividades laborais, contudo, não deve trabalhar em escadas ou andaime.
Por sua vez, o estudo social colacionado ao doc. 153906265, produzido em 13/03/2019,
especifica que o demandante tem dificuldade de aprendizagem, ao realizar transações
econômicas básicas, "é lento e às vezes se confunde", além disso, "é ingênuo e tem relatos
fantasiosos".
É cediço que o art. 16, § 2º, do Decreto nº 6.214/2007, estabelece que “a avaliação social
considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as
deficiências nas funções e nas estruturas do corpo”, e, ainda, “a limitação do desempenho de
atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades”, daí defluindo que
a avaliação da deficiência deve ser modulada conforme a qualificação e experiência pessoal, no
contexto social em que vive o postulante do amparo assistencial.
Destarte, as patologias ostentadas pelo autor e as restrições laborais impostas - subir em
andaimes ou escadas, atividades inerentes à atuação deste como servente de pedreiro -
associadas à sua idade, ausência de instrução, experiência profissional e as atuais condições
do mercado de trabalho, a rigor, obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas, nos termos estabelecidos no art. 20, § 2º, da
Lei nº 8.742/93, para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada.
Veja-se, nesse sentido, o seguinte julgado do C. STJ, em situação análoga:
"PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACÓRDÃO
EMBASADO EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DO LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE.1. Na
análise da concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está adstrito ao laudo
pericial, devendo considerar também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do
segurado a fim de aferir-lhe a possibilidade ou não de retorno ao trabalho. A invalidez laborativa
não decorre de mero resultado de uma disfunção orgânica, mas da somatória das condições de
saúde e pessoais de cada indivíduo. Precedentes. 2. O Tribunal a quo admitiu estar
comprovado que a ora agravada ficou incapacitada de modo permanente e definitivo para
exercer suas atividades laborativas, não obstante o laudo pericial ter concluído pela
incapacidade apenas parcial. Inteligência da Súmula 83/STJ. 3. A revisão do conjunto conjunto
fático-probatório dos autos que levou o Tribunal a quo a conclusão acerca da incapacidade
laboral do segurado exige análise de provas e fatos, o que inviabiliza a realização de tal
procedimento pelo STJ, no recurso especial, nos termos da Súmula 07/STJ. 4. Agravo
regimental não provido.” (STJ, AgRg no AREsp 196053/MG, Segunda Turma, Relator Ministro
Castro Meira, Data do Julgamento: 25/09/2012, DJe 04/10/2012).
No mesmo diapasão, a jurisprudência da Terceira Seção deste E. Tribunal:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR.
IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS.
INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (...) III - O
conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com redação
alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que
considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha
potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor
apresenta deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim,
que houve "...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral...", apresentando
incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim,
que o autor "não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que
determinam desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de
trabalho..." V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
que se incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no
art. 462 do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo
do direito ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de
se reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo
de natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (...)XIV - Ação rescisória cujo
pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga procedente.” (AR
00155670320104030000, Relator para o acórdão Desembargador Federal Sergio Nascimento,
j. 25/06/2015, e-DJF3 15/07/2015)
Portanto, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mencionado estudo
social.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor, solteiro, reside com a irmã, Maria do Carmo da
Costa, de 55 anos, viúva, dois sobrinhos, Emerson da Costa Riso, de 40 anos, e Gledson Luis
da Costa Riso, de 38 anos, Jonata Luís da Costa Riso, de doze anos, filho deste último, e a filha
de um outro sobrinho, Ágata Vitória da Costa Riso, de 18 anos, idades correspondentes à data
do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"Tadeu residia numa casa de propriedade da mãe: ele, a mãe e o irmão. A irmã, Lucimara
Marcelino, construiu dois cômodos no mesmo terreno e mora lá até os dias atuais. Após o
falecimento da mãe, Lucimara expulsou Tadeu da casa porque ele não ajudava a pagar as
contas de água e luz. Em setembro/2018 ele foi morar na casa da outra irmã, Maria do Carmo.
A residência de Maria do Carmo é simples, assim como os móveis e equipamentos que a
guarnecem, alguns enferrujados. O bairro é periférico, mas conta com boa estrutura.
A casa é de alvenaria, coberta apenas com telha, as paredes são rebocadas e pintadas, o piso
é cerâmico, azulejo no banheiro e área de serviço, na cozinha só tem azulejo em metade de
duas paredes."
A corroborar a situação habitacional, há relatório fotográfico, que confirma a descrição
elaborada no laudo.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 254,90) e energia elétrica
(R$ 171,97), gás (R$ 90,00), IPTU (R$ 28,90), telefone (R$ 99,00, incluso celular), alimentação
(R$ 600,00) e medicamentos (R$ 600,00).
A respeito deste último dispêndio, a assistente social realçou que a medicação utilizada pelo
proponente é fornecida pela rede pública de saúde.
Os ganhos da família advém do benefício previdenciário titularizado pela irmã (R$ 998,00), dos
salários auferidos por Emerson da Costa Riso (R$ 1.500,00) e por Gledson Luis da Costa Riso
(R$ 900,00) e do valor recebido por Ágata Vitória da Costa Riso (R$ 200,00), estagiária. De se
esclarecer, para fins comparativos, que o salário mínimo, à época do estudo social, era de R$
998,00.
Conquanto estes familiares não integrem o conceito de família, na acepção da Lei nº
12.435/2011, para efeito de concessão do Benefício de Prestação Continuada, os elementos de
convicção coligidos aos autos não indicam cotidiano de privações a ponto de franquear a
outorga do beneplácito buscado.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, o autor dispõe de apoio físico, emocional, afetivo e proteção dos familiares que o
acolheram, e a renda familiar está sendo suficiente para o sustento de todos.
E, como se sabe, dentre os escopos do benefício de prestação continuada, não está o de
suplementar renda ou propiciar maior conforto ao interessado. A propósito: AC
00394229420044039999, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, TRF3, Nona
Turma, DJU 24/11/2005.
Assim, não restou comprovada situação de hipossuficiência, mesmo que por outros meios
probantes, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em
repercussão geral.
Destarte, ainda que por fundamento diverso, deve ser mantida a improcedência do pedido.
Não se descarte a possibilidade de alteração desse cenário, no decorrer do tempo, a ponto de,
eventualmente, justificar-se a concessão do benefício, hipótese em que resta, de todo modo,
franqueado à parte autora deduzir nova postulação quanto à outorga da benesse pleiteada.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Apelação da parte autora desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
