Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5139532-20.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Reconhece-se o direito ao benefício assistencial, mesmo em casos de incapacidade temporária,
desde que preenchidos os demais requisitos para tanto. Precedentes da Nona Turma deste e.
Tribunal.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Apelação da parte autora desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5139532-20.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: LUCIENE MAGRON
Advogado do(a) APELANTE: ALINE RAPHAEL DA SILVA - SP322299-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5139532-20.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: LUCIENE MAGRON
Advogado do(a) APELANTE: ALINE RAPHAEL DA SILVA - SP322299-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que julgou
improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício de prestação continuada.
Pretende que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à
outorga da benesse.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5139532-20.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: LUCIENE MAGRON
Advogado do(a) APELANTE: ALINE RAPHAEL DA SILVA - SP322299-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Discute-se o direito da parte autora à concessão do benefício de prestação continuada.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Realizada a perícia médica em 05/11/2020, o laudo coligido ao doc. 168215540 considerou a
autora, então, com 40 anos de idade, escolaridade: segundo ano do ensino médio, profissão:
ajudante, portadora de artrose de joelho direito.
A vindicante apresentou-se, ao exame, com marcha claudicante com uso de bengala, aumento
do volume e limitação de flexão e extensão do joelho direito.
O perito atestou que a condição médica da pretendente é geradora de incapacidade laborativa
total, temporária e multiprofissional.
Acrescentou que as moléstias estão em evolução e a pretendente aguarda a realização de
tratamento cirúrgico.
Por fim, o perito consignou que a doença iniciou-se em 2015.
Conquanto não tenha estabelecido a data de início da incapacidade, há, nos autos, relatório
médico atestando que, já, no final de 2017, a proponente apresentava as mesmas limitações de
movimento constatadas no exame pericial, que lhe acarretaram inaptidão laboral (doc.
168215501, pág. 9).
A par disso, o relatório médico datado de 02/07/2019 prescreve repouso total de suas
atividades laborais/físicas (doc. 168215501, pág. 9).
Tal cenário autoriza concluir pela existência de comprometimento ou restrições sociais
decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2 (dois) anos, configurando-se, por
conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão do benefício de prestação
continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/1993.
Averbe-se que a jurisprudência da Nona Turma deste E. Tribunal vem reconhecendo o direito
ao benefício assistencial, mesmo em casos de incapacidade temporária, desde que
preenchidos os demais requisitos para tanto. A propósito, colacionam-se os seguintes julgados,
tirados de situações parelhas:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL (ART. 557, §1º, DO CPC). BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. INCAPACIDADE TOTAL E
TEMPORÁRIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA ATÉ 28 DE FEVEREIRO
DE 2011. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA
HONORÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. (...) 2 - Incapacidade total e temporária comprovada
pelo laudo pericial. 3 - Estudo social comprova a condição de miserabilidade da autora no
período compreendido entre 03 de março de 2008 e 28 de fevereiro de 2011. 4 - De rigor a
concessão do benefício assistencial no lapso em que restaram preenchidos os requisitos legais.
(...) 10 - Agravo legal parcialmente provido.” (Destaquei.) (APELREEX
00059087220124039999, Relator Desembargador Federal Nelson Bernardes, j. 18/06/2012, e-
DJF3 28/06/2012)
“CONSTITUCIONAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL - APELAÇÃO COM PRELIMINAR DE
ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA
SENTENÇA- DESCABIMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ARTIGO 203,
INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DEFICIÊNCIA E NECESSIDADE DE OBTENÇÃO
DA PRESTAÇÃO - COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. MANUTENÇÃO DA
TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA. (...) II - A concessão do benefício assistencial do art.
203, V, CF sujeita-se, na espécie, à demonstração da condição de deficiência do autor, somada
à hipossuficiência própria e da família. III - Os laudos periciais atestam que a autora sofreu
extração cirúrgica da mama direita, para retirada de tumor maligno com 2 a 5 cm de diâmetro,
tendo como sequela "edema de seu membro superior direito, impossibilitando-a de trabalhar no
momento", e continua em tratamento realizando quimioterapia e hormonioterapia profilática, que
provocam efeitos colaterais como náuseas, vômitos, fogaços e queda de cabelo. Vejo que a
autora padece de grave doença, que exige árduo e constante acompanhamento médico, tendo
o Sr. Perito concluído o laudo atestando a sua incapacidade total e temporária para o trabalho,
de modo que tenho por atendido, ao menos nos tempos atuais, o primeiro dos requisitos para a
concessão do benefício. IV - Do conjunto probatório extrai-se que a autora é separada do
marido, não aufere qualquer rendimento, apenas recebe uma cesta básica do Hospital do
Câncer, morando em quarto e cozinha cedidos pela irmã, dependendo da ajuda de amigos, da
irmã e do cunhado, que percebe aposentadoria de um salário mínimo. Verifica-se, assim, que a
situação é de precariedade e miséria, estando a autora total e temporariamente incapacitada
para exercer qualquer trabalho, dependendo da assistência e colaboração da irmã e amigos,
sem condições para uma sobrevivência digna, conforme preceitua a Constituição Federal. (...)
VI -Apelação do INSS improvida. Sentença e tutela antecipada mantidas.” (Destaquei.) (AC
00013359220014036113, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 09/05/2005, DJU
23/06/2005)
Destarte, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos da Lei.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 168215536, produzido em 22/10/2020.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora, solteira, reside com os genitores, o pai, com
70 anos, e a mãe, com 66, idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"A família reside em imóvel próprio, localizado na rua Antônio Gerin, nº 990, bairro: Pampuã, na
cidade de Ipuã - SP. Possui acesso à água, luz elétrica, esgoto, pavimentação e coleta de lixo.
O imóvel é construído em alvenaria, com forro de laje, piso frio, composta por três quartos, dois
banheiros, uma sala, uma cozinha/copa, uma varanda, na entrada da residência fica o alpendre
e ao lado a garagem. No mesmo endereço, aos fundos tem uma outra casa pequena, onde
Luciene se acomoda, composta por um banheiro, cozinha/copa e um quarto, todos os cômodos
com piso frio, e sem forro.
O imóvel encontra-se em uma boa localização na cidade, as condições de moradia são
satisfatórias, com móveis e eletrodomésticos em boas condições de uso."
A corroborar a situação habitacional, há relatório fotográfico, que confirma a descrição
elaborada no laudo.
Despesas, à época do laudo:
- tarifas de água (R$ 72,75) e energia elétrica (R$ 189,31);
- gás (R$ 65,00);
- IPTU (R$ 1.178,00, anualmente);
- telefone (R$ xx);
- alimentação, produtos de higiene e limpeza (R$ 800,00);
- farmácia (R$ 300,00), e
- plano funerário (R$ 54,00).
Os ganhos da família advém da aposentadoria titularizada pelo genitor, à época, de R$
1.583,18, e do benefício de prestação continuada percebido pela genitora desde 08/05/2019.
Conquanto este último benefício não possa ser considerado na contabilização da renda familiar,
nos termos do art. 34 do Estatuto do Idoso, a aposentadoria do genitor da autora ultrapassa o
valor do salário mínimo, o que não permite seja elidida do cômputo da renda da família.
Assim, a renda per capita da vindicante suplanta a metade do salário mínimo, à época, de R$
1.039,00.
Destarte, os elementos de convicção coligidos aos autos não indicam cotidiano de privações a
ponto de franquear a outorga do beneplácito buscado.
E, como se sabe, dentre os escopos do benefício de prestação continuada, não está o de
suplementar renda ou propiciar maior conforto ao interessado. A propósito: AC
00394229420044039999, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, TRF3, Nona
Turma, DJU 24/11/2005.
Assim, não restou comprovada situação de hipossuficiência, ainda que por outros meios
probantes, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em
repercussão geral.
Por tudo, deve ser mantida a improcedência do pedido.
Não se descarte a possibilidade de alteração desse cenário, no decorrer do tempo, a ponto de,
eventualmente, justificar-se a concessão do benefício, hipótese em que resta, de todo modo,
franqueado à parte autora deduzir nova postulação quanto à outorga da benesse pleiteada.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Reconhece-se o direito ao benefício assistencial, mesmo em casos de incapacidade
temporária, desde que preenchidos os demais requisitos para tanto. Precedentes da Nona
Turma deste e. Tribunal.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Apelação da parte autora desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
