Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5347212-09.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
15/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/05/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício
(Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o
pedido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5347212-09.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: TALES MATEUS FERREIRA MENDES SCHUARTZ
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO SANITA - SP377334-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5347212-09.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: TALES MATEUS FERREIRA MENDES SCHUARTZ
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO SANITA - SP377334-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que julgou
improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício de prestação continuada.
Pretende que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à
outorga da benesse.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5347212-09.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: TALES MATEUS FERREIRA MENDES SCHUARTZ
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO SANITA - SP377334-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Discute-se o direito da parte autora à concessão do benefício de prestação continuada.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 145405016, realizado em 14/02/2020,
considerou que o autor, então, com 23 anos de idade, ensino médio completo e que trabalhou
"em uma lanchonete, onde ficava responsável por anotar os pedidos", apresenta quadro de
disacusia de alta intensidade em ouvido esquerdo, decorrente de perda de audição neuro-
sensorial não especificada, diagnóstico corroborado por exame audiométrico complementar.
O perito atestou que o demandante é portador de deficiência, segundo os qualificadores dos
domínios "Funções auditivas", "Sensações associadas à função auditiva e vestibular", "Funções
auditivas e vestibulares, outras especificadas e não especificadas" e "Olho, ouvido e estruturas
relacionadas, não especificadas".
Estabeleceu a data de início da deficiência em 04/10/2019, acrescentando que os
impedimentos apresentados são de longa duração.
Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pela existência de
comprometimento ou restrições sociais decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2
(dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão
do benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº
8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 145404998, produzido em 28/01/2020.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside com a genitora, Cristina Ferreira
Mendes, de 40 anos, a avó, Nadjane Côrrea da Silva Mendes, de 72 anos, e um primo, de oito
anos, idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"A) Situação Habitacional
O Requerente e sua genitora dividem um quarto cedido pela sra. Nadjane. É um dormitório
agregado à casa da sra. Nadjane, onde partilham da sala, cozinha e banheiro da residência.
A residência da sra. Nadjane é financiada, há mais de 30 (trinta) anos.
Apresentou Carnê de Prestações da CDHU-Companhia de Desenvolvimento Habitacional e
Urbano do Estado de São Paulo. A casa é simples, possuindo 3 (três) quartos, 1 (uma) sala, 1
(uma) cozinha e 1 (um) banheiro. Não há garagem na frente.
Conforme mencionado, um dos quartos foi cedido ao Requerente e sua genitora, onde foi
relatado pela sra. Cristina, que a mesma e seu filho passaram a residir com a mãe, após o
término do relacionamento com o pai de Tales, e também por falta de condições financeiras de
arcar com às despesas de aluguel, água, alimentação sozinha (SIC).
Os cômodos no geral são todos de alvenaria, alguns com forro de PVC, revestimento cerâmico
e paredes com pintura simples. A genitora e o Requerente segundo informado, dormem em um
quarto que pertence a residência da sra. Nadjane.
O dormitório do requerente e de sua genitora "possui duas cama de solteiro (onde duas
cadeiras de área foram encontradas em cima de uma das camas), algumas roupas amontados
no canto de uma das camas, um ventilador de chão, uma TV de tubo, um guarda-roupas de três
portas (em mal estado de conservação). O quarto possui parte das paredes reboco com pintura
simples, não há forro, há revestimento cerâmico. A genitora informou que dorme em um colchão
no chão e o Requerente em uma das camas de solteiro do quarto".
A assistente social salientou a existência de barreira moderada no que tange à situação e
condição de moradia, notadamente, pela falta de privacidade. Consignou que, "no geral a
residência foi encontrada em uma situação vulnerável de limpeza e de organização".
Há relatório fotográfico, que confirma a descrição elaborada no laudo.
No que tange às despesas, a genitora do autor informou que "através do seu trabalho, mesmo
que informal, gasta em média R$ 300,00 reais mensais com alimentação (sendo de
responsabilidade dela essa garantia ao filho). Apresentou uma despesa média de R$ 150,00
reais de Energia Elétrica (a conta está em seu nome), que ajuda parcialmente como pode sua
mãe com a conta de água, aproximadamente R$ 50,00 reais mensais e demais despesas que
forem necessárias, desde que possa contribuir com o que foi provido no seu trabalho. Que o
salário de aposentadoria da mãe é utilizada para pagamento da parcela do CDHU, alimentação,
medicamentos, gás entre outros necessários à subsistência da sra. Nadjane e de João Vitor
(primo de Tales)".
A genitora trabalha em serviços domésticos/diarista. Obtém, mensalmente, em torno de R$
960,00.
A avó do demandante recebe aposentadoria de valor mínimo e o primo deste, pensão pela
morte do genitor, no importe de meio salário mínimo.
De se esclarecer que o salário mínimo, em 2020, até 31/01, era de R$ 1.039,00, e, após, de R$
1.045,00.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão da aposentação recebida pela progenitora do requerente, em aplicação analógica ao
art. 34 do Estatuto do Idoso, nos moldes do citado precedente do Excelso Pretório.
Por outra parte, o primo não integra o conceito de família, na acepção da Lei nº 12.435/2011,
para efeito de concessão do Benefício de Prestação Continuada.
Assim, a renda per capita do autor totaliza valor inferior à metade do salário mínimo.
Dessa forma, divisa-se caracterizada conjuntura de miserabilidade.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o implante da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Nesse
sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal
Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona
Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil,
observando-se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as
parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas
devidas à parte contrária.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR
A SENTENÇA E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o
benefício de prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo,
nos termos da fundamentação supra. Fixo consectários, na forma explicitada, abatidos
eventuais valores já recebidos.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana:
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença que julgou improcedente
o pedido de benefício assistencial.
O eminente Relator deu provimento à apelação e, assim, reformou a sentença, para acolher o
pleito de benefício assistencial.
Ouso, porém, apresentar divergência de Sua Excelência, pelos seguintes fundamentos.
Com a devida vênia, entendo não configurada a situação de miserabilidade legal, na qual a
pessoa é incapaz de sobreviver sem a ação do Estado, já que ela e sua família são
notoriamente hipossuficiente economicamente.
Consoante bem delineado no voto do Relator, o requerente (Tales) e sua genitora (Cristina)
residem na casa (financiada pelo CDHU) da avó materna (Nadjane), com esta e um primo (João
Vitor).
O Relator destacou o fato de que o rendimento da avó (no valor de um salário mínimo) não
pode ser contabilizado na apuração da renda familiar per capita, em aplicação analógica ao art.
34 do Estatuto do Idoso.
Em relação ao primo, fez constar a circunstância de ele não integrar o conceito de família, na
acepção da Lei n. 12.435/2011, para efeito de concessão do Benefício de Prestação
Continuada.
Nessa esteira, remanesce o rendimento da genitora (em torno de R$ 960,00 mensais – pouco
inferior ao salário mínimo da época do laudo) para ser dividido com seu filho (requerente), o que
perfaz renda mensal per capita inferior a 1/2 (meio) salário mínimo.
Embora inferior a 1/2 (meio) salário mínimo, o fato é que se trata de renda superior ao critério
de miserabilidade legal, correspondente à renda per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário
mínimo, estabelecida no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993.
De fato, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de repercussão geral, reconheceu que
esse requisito do artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 não pode ser considerado taxativo (RE n.
580.963, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
Nesse julgamento, a Suprema Corte não declarou a inconstitucionalidade do mencionado
preceito, mas concluiu que sua mera interpretação gramatical, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos nos quais, embora o limite legal de renda per
capita seja ultrapassado, evidencia-se um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Dessa forma, o critério da miserabilidade contido no § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 não
impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do
idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo
de necessidades especiais com medicamentos ou com educação.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza – entendida
como a falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial –, para concluir se é devida ou não
a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Na hipótese, contudo, o estudo social evidencia não haver peculiaridade alguma passível de ser
considerada para afastar a incidência do critério insculpido no artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
Com efeito, as despesas relatadas pela genitora, de aproximadamente R$ 500,00, são
consideravelmente inferiores aos rendimentos (R$ 960,00).
Ademais, a família tem à sua disposição infraestrutura básica para sobreviver.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
aquelas pessoas que nem sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico,
pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Desse modo, ausente um dos requisitos legais, é indevido o benefício.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, fixados em 12% sobre o valor da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11 do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma
do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça
gratuita.
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.
Desembargadora Federal DALDICE SANTANA
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do
benefício (Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o
pedido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
maioria, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator, que
foi acompanhado pela Juíza Federal Convocada Leila Paiva e pelo Desembargador Federal
Gilberto Jordan (4º voto). Vencida a Desembargadora Federal Daldice Santana, que negava
provimento à apelação. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
