Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5045279-40.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
27/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 31/05/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício
(Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5045279-40.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: HELENA CARDOSO BAOMBACINE
Advogado do(a) APELANTE: CONRADO SILVEIRA ADACHI - SP414532-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5045279-40.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: HELENA CARDOSO BAOMBACINE
Advogado do(a) APELANTE: CONRADO SILVEIRA ADACHI - SP414532-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que julgou
improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício de prestação continuada.
Pretende que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à
outorga da benesse.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal deliberou pela ausência de fundamentos à sua intervenção nos
autos, requerendo a prossecução do feito.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5045279-40.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: HELENA CARDOSO BAOMBACINE
Advogado do(a) APELANTE: CONRADO SILVEIRA ADACHI - SP414532-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Discute-se o direito da parte autora à concessão do benefício de prestação continuada.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 153830778, realizado em 05/03/2020,
considerou a autora, então, com 64 anos de idade, ensino primário até a 3ª série e que
trabalhou como copeira, em serviços gerais e rurícola, no plantio de cana de açúcar, até o ano
de 2010, quando passou a desempenhar a “atividade do lar”, portadora de gastrite, hipertensão
arterial, condropatia associada a cisto no joelho esquerdo, espondilopatia cervical, epicondilite
lateral à direita e depressão.
Sobre o quadro cardíaco, a autora apresenta inversão do posicionamento do coração,
associado a quadro de hipertensão e antecedente de dois eventos isquêmicos, sendo que, no
momento do ato pericial, encontrava-se com a pressão fora dos alvos terapêuticos.
No joelho esquerdo, constatou-se alteração condral associada a cisto, que não incorre, contudo,
em limitação motora ou funcional.
O quadro cervical é degenerativo e está associado à fusão incompleta do arco C5, com
limitação leve de movimentos para a esquerda, sem sintomas radiculares.
A gastrite é passível de tratamento e não lhe acarreta incapacidade.
Em relação ao quadro psiquiátrico, a autora apresenta-se com exame psíquico dentro dos
padrões de normalidade, “sendo entendido como quadro controlado com o tratamento atual.
Nota-se que não apresentou história clínica ou comprometimento que sugiram quadro de
esquizofrenia”.
Não foram apresentados exames pregressos relativos à epicondilite lateral à direita, embora a
postulante apresente sintomas e manobras positivas para a enfermidade, que apresenta,
contudo, boa evolução com o tratamento medicamentoso.
No componente "Funções do Corpo", a requerente apresenta alteração da mobilidade das
articulações, alteração nas funções da pressão arterial e funções mentais, outras especificadas.
Em "Atividades e Participação", no que se refere à aprendizagem e aplicação de conhecimento,
tarefas e demandas gerais, comunicação e cuidado pessoal, não há dificuldade. Sobre a
mobilidade, apresenta leve dificuldade para carregar objetos.
O perito concluiu que a somatória das enfermidades, associada à idade da parte autora e ao
risco para o quadro cardíaco e para o joelho esquerdo, acarreta-lhe incapacidade parcial e
permanente para o exercício da última função laboral exercida, como rurícola, no entanto, não
vislumbrou impedimento para que a mesma exerça as atividades de autocuidado e do lar.
Acrescentou que o quadro de gastrite é comprovado desde 31/08/2018, o quadro de epicondilite
foi comprovado no ato pericial, o quadro psiquiátrico é aventado desde 30/09/2019, as
enfermidades do joelho esquerdo são comprovadas desde 26/09/2013 e a enfermidade cervical
remete a 03/09/2010.
Por fim, consignou que a data de início da incapacidade restou comprovada em 30/09/2019.
Não obstante a conclusão do louvado, as condições pessoais da parte autora, no contexto
social em que vive, seu grau de instrução, experiência profissional e as atuais condições do
mercado de trabalho, demonstram que, a rigor, a incapacidade se revela total e permanente,
autorizando concluir que obstrui sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas, nos termos estabelecidos no art. 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93, para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada.
Veja-se, nesse sentido, o seguinte julgado do C. STJ, em situação análoga:
"PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACÓRDÃO
EMBASADO EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DO LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE.1. Na
análise da concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está adstrito ao laudo
pericial, devendo considerar também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do
segurado a fim de aferir-lhe a possibilidade ou não de retorno ao trabalho. A invalidez laborativa
não decorre de mero resultado de uma disfunção orgânica, mas da somatória das condições de
saúde e pessoais de cada indivíduo. Precedentes. 2. O Tribunal a quo admitiu estar
comprovado que a ora agravada ficou incapacitada de modo permanente e definitivo para
exercer suas atividades laborativas, não obstante o laudo pericial ter concluído pela
incapacidade apenas parcial. Inteligência da Súmula 83/STJ. 3. A revisão do conjunto conjunto
fático-probatório dos autos que levou o Tribunal a quo a conclusão acerca da incapacidade
laboral do segurado exige análise de provas e fatos, o que inviabiliza a realização de tal
procedimento pelo STJ, no recurso especial, nos termos da Súmula 07/STJ. 4. Agravo
regimental não provido.” (STJ, AgRg no AREsp 196053/MG, Segunda Turma, Relator Ministro
Castro Meira, Data do Julgamento: 25/09/2012, DJe 04/10/2012).
No mesmo diapasão, a jurisprudência da Terceira Seção deste E. Tribunal:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR.
IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS.
INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (...) III - O
conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com redação
alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que
considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha
potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor
apresenta deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim,
que houve "...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral...", apresentando
incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim,
que o autor "não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que
determinam desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de
trabalho..." V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
que se incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no
art. 462 do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo
do direito ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de
se reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo
de natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (...)XIV - Ação rescisória cujo
pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga procedente.” (AR
00155670320104030000, Relator para o acórdão Desembargador Federal Sergio Nascimento,
j. 25/06/2015, e-DJF3 15/07/2015)
Portanto, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 153830772, produzido em 07/02/2020.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora reside com o cônjuge, de 58 anos, idade
correspondente à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
“O imóvel é próprio (o mesmo é herança deixada pelos genitores falecidos do seu esposo). A
casa é de alvenaria, encontra-se em estado de conservação bastante precário, sem pintura e
com muitas rachaduras nas paredes. O imóvel não está murado, composto por 02 quartos, sala,
cozinha e banheiro.
Guarnecido por mobília em péssimo estado de conservação, sendo: 01 bi-cama infantil carros
Disney com colchão, 01 cômoda antiga, 01 cama de casal, um guarda-roupa antigo, 01
prateleira de ferro, estofado (3x2 lugares), mesinha antiga com TV (simples), mesa com 04
cadeiras, fogão, geladeira e armário de parede.
Vale ressaltar que o quarto de solteiro pertence a uma boneca (Amanda) que a autora trata
como filha, a mesma relata que preenche o vazio de não ter filhos, a autora dá banho e troca as
roupinhas da boneca todos os dias.
A casa é simples, porém, muito organizada.”
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 56,00) e energia elétrica (R$
80,00), gás (R$ 75,00) e alimentação (R$ 200,00).
Há relato de atraso no pagamento do IPTU.
O casal possui uma Belina, ano 86, “mas a mesma não funciona. Está sem pneus, a autora
relata que os vendeu para comprar alimentos”.
A assistente social ressaltou que, “para conseguir manter os gastos com alimentação, que para
a família vem a ser prioridade, a Srª Helena (requerente) deixa de cumprir financeiramente com
algumas despesas, intercalando-as no mês seguinte”.
Os ganhos da família advém dos “bicos” realizados pelo consorte, “assentando pisos nos
túmulos no cemitério”. Obtém cerca de R$ 300,00 mensais.
Destarte, aflora, dos elementos dos autos, contexto de precariedade financeira tal a justificar a
inclusão da parte autora no elenco de beneficiários da prestação buscada.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, o casal vivencia uma situação de extrema miserabilidade e vulnerabilidade social e
econômica, justificando-se a concessão do benefício assistencial requerido.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Nesse
sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal
Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona
Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil,
observando-se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as
parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas
devidas à parte contrária.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR
A SENTENÇA E JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o benefício de
prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos
da fundamentação supra. Fixo consectários, na forma explicitada, abatidos eventuais valores já
recebidos.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do
benefício (Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
