Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0002337-28.2014.4.03.6118
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 07/07/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício
(Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002337-28.2014.4.03.6118
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: FRANCISCA OLIMPIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: MARIANA REIS CALDAS - SP313350-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002337-28.2014.4.03.6118
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: FRANCISCA OLIMPIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: MARIANA REIS CALDAS - SP313350-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que julgou
improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício de prestação continuada.
Pretende que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à
outorga da benesse.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002337-28.2014.4.03.6118
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: FRANCISCA OLIMPIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: MARIANA REIS CALDAS - SP313350-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Discute-se o direito da parte autora à concessão do benefício de prestação continuada.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Realizada a perícia médica em 02/02/2015, o laudo coligido ao doc. 146861206, págs. 84/87 e
104, considerou a autora, então, com 63 anos de idade, escolaridade: 2ª série fundamental,
profissão: "faxineira e cozinheira (trabalhou somente por 4 meses), toda a sua vida trabalhou
em sua própria casa", portadora de insuficiência venosa de membros inferiores e hipertensão
arterial.
Apresenta dor e edema nas pernas, ao permanecer longo tempo em pé, em decorrência de
úlceras de membros inferiores, àquela altura, cicatrizadas, e dispnéia a grandes esforços.
O perito concluiu que a proponente encontra-se incapacitada, de forma parcial e permanente,
para o desempenho de atividades laborais que demandem esforços físicos, inclusive, como
faxineira e cozinheira, muito embora haja "informação espontânea da mesma, de que executa
sozinha todos os seus afazeres domésticos, sem ajuda".
Salientou que a enfermidade vem se agravando, contudo, é passível de melhora, mediante
tratamento clínico, de fácil acesso. Não obstante, o louvado não vislumbrou qualquer
perspectiva de recuperação da capacidade laborativa da proponente, fora do ambiente do lar,
acrescentando que a idade e a escolaridade desta impossibilitam a reabilitação profissional.
Consignou, por fim, a impossibilidade de estimar as datas de início da doença e da
incapacidade, à míngua de apresentação de exames que as comprovem.
Do estudo social produzido em 29/03/2015 (doc. 146861206, págs. 94/100), haure-se, mais,
que o estado de saúde da postulante, "por causa das varizes é bem delicado, as pernas são
muito inchadas e com muitas feridas mal cicatrizadas ou com difícil cicatrização".
É cediço que o art. 16, § 2º, do Decreto nº 6.214/2007, estabelece que “a avaliação social
considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as
deficiências nas funções e nas estruturas do corpo”, e, ainda, “a limitação do desempenho de
atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades”, daí defluindo que
a avaliação da deficiência deve ser modulada conforme a qualificação e experiência pessoal, no
contexto social em que vive o postulante do amparo assistencial.
Destarte, as patologias apresentadas, associadas à idade da parte autora, seu grau de
instrução, experiência profissional e as atuais condições do mercado de trabalho, demonstram
que, a rigor, a incapacidade se revela total e permanente, autorizando concluir que obstrui sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas,
nos termos estabelecidos no art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, para fins de reconhecimento do
direito ao Benefício de Prestação Continuada.
Veja-se, nesse sentido, o seguinte julgado do C. STJ, em situação análoga:
"PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACÓRDÃO
EMBASADO EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DO LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE.1. Na
análise da concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está adstrito ao laudo
pericial, devendo considerar também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do
segurado a fim de aferir-lhe a possibilidade ou não de retorno ao trabalho. A invalidez laborativa
não decorre de mero resultado de uma disfunção orgânica, mas da somatória das condições de
saúde e pessoais de cada indivíduo. Precedentes. 2. O Tribunal a quo admitiu estar
comprovado que a ora agravada ficou incapacitada de modo permanente e definitivo para
exercer suas atividades laborativas, não obstante o laudo pericial ter concluído pela
incapacidade apenas parcial. Inteligência da Súmula 83/STJ. 3. A revisão do conjunto conjunto
fático-probatório dos autos que levou o Tribunal a quo a conclusão acerca da incapacidade
laboral do segurado exige análise de provas e fatos, o que inviabiliza a realização de tal
procedimento pelo STJ, no recurso especial, nos termos da Súmula 07/STJ. 4. Agravo
regimental não provido.” (STJ, AgRg no AREsp 196053/MG, Segunda Turma, Relator Ministro
Castro Meira, Data do Julgamento: 25/09/2012, DJe 04/10/2012).
No mesmo diapasão, a jurisprudência da Terceira Seção deste E. Tribunal:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR.
IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS.
INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (...) III - O
conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com redação
alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que
considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha
potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor
apresenta deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim,
que houve "...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral...", apresentando
incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim,
que o autor "não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que
determinam desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de
trabalho..." V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
que se incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no
art. 462 do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo
do direito ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de
se reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo
de natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (...)XIV - Ação rescisória cujo
pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga procedente.” (AR
00155670320104030000, Relator para o acórdão Desembargador Federal Sergio Nascimento,
j. 25/06/2015, e-DJF3 15/07/2015)
Portanto, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência.
Não se olvide, ainda, que a parte autora completou 65 anos em 28/05/2016 (doc. 146861206,
pág. 15), o que descortina o implemento do requisito etário no curso da lide, cabendo, também,
tomá-lo em consideração, por força do disposto no art. 493 do Código de Processo Civil.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mencionado estudo
social.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora residia com a sobrinha, e o cônjuge desta,
ambos, com 24 anos, idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
A sobrinha casara-se no mês anterior ao da realização do estudo social, ocasião em que o
consorte desta passou a residir no imóvel da proponente, para aguardar "o término da
construção de seus cômodos no terreno da tia".
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"IV- INFRA-ESTRUTURA E CONDIÇÕES GERAIS DE MORADIA:
Principais características e breve descrição da rua e do bairro onde se localiza o imóvel:
Trata-se de imóvel próprio. A rua não é pavimentada, mas possui guias e sarjetas, a numeração
das casas é sequencial, o bairro possui iluminação pública, água, esgoto, creche, posto de
saúde e igrejas.
Principais Características, breve descrição do imóvel residencial e dos utensílios domésticos no
interior da casa da pericianda:
No terreno foram edificados 05 cômodos de alvenaria com o banheiro, trata-se de construção
antiga, muito precária, com laje, mas sem telhado, com muitas goteiras. Os cômodos são
rebocados e pintados (pintura antiga), todos os cômodos com laje descascando, o chão é
revestido com piso frio/vermelhão. O estado de conservação da residência é precário, as
condições de higiene e organização da casa são razoáveis. O imóvel é composto por:
Sala: 01 sofá de 2 e 3 lugares, 01 rack, 01 televisão de 29 polegadas;
Quarto: 01 cama de casal, 01 guarda-roupa e 01 ventilador;
Quarto: 01 cama de casal, 01 colchão de solteiro, 01 cama de solteiro, 01 guarda-roupa e 01
ventilador;
Cozinha: 01 fogão 04 bocas, 01 mesa, 01 armário, 01 1iquidificador, 01 geladeira. A cozinha é
revestida até a metade com azulejo, a laje está descascando, muito crítico. Tudo bem simples.
Banheiro: localizado na área interna da casa, possui vaso sanitário, chuveiro e pia.
A área de serviço é coberta de telhas, com muitas goteiras, um fogão à lenha, um tanque,
muitos pertences e árvores. Essa área está no contrapiso."
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 62,63) e energia elétrica (R$
66,71) e gás (R$ 33,00).
Recebem cesta básica.
A demandante segue em tratamento médico na rede pública de saúde, que lhe fornece alguns
medicamentos, "quando tem". Contudo, "faz um tempo que não está conseguindo comprar seus
medicamentos, que custam aproximadamente R$ 200,00".
A subsistência vinha sendo provida pelo salário do esposo da sobrinha, no importe de R$
788,00.
Averbe-se que, tanto ele, como a sobrinha da autora, não integram o conceito de família, na
acepção da Lei nº 12.435/2011, para efeito de concessão do Benefício de Prestação
Continuada.
Assim, não há qualquer renda passível de consideração jurídica.
Ante a ausência de renda, a autora depende, à sobrevivência, do auxílio de irmãos, vizinhos e
amigos.
Destarte, aflora, dos elementos dos autos, contexto de precariedade financeira tal a justificar a
inclusão da parte autora no elenco de beneficiários da prestação buscada.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o implante da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo formulado em 28/03/2014.
Nesse sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora
Federal Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX
00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j.
14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Averbe-se, a esse respeito, que, muito embora o perito médico não tenha estimado a data de
início da incapacidade, observa-se que a parte autora instruiu a ação com documentos médicos
datados de março de 2014, atestando sua incapacidade laborativa em razão de patologias
idênticas às inseridas no laudo pericial, situação que permite fixar a DII na data de entrada do
aludido requerimento, quando já se faziam, então, presentes, os requisitos à outorga da
benesse. Vide doc. 146861206, págs. 24/25.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil,
observando-se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as
parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas
devidas à parte contrária.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR
A SENTENÇA E JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o benefício de
prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos
da fundamentação supra. Fixo consectários, na forma explicitada, abatidos eventuais valores já
recebidos.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do
benefício (Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
