Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5815296-31.2019.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
26/02/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/02/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatada, pelo laudo pericial, a deficiência, o benefício é devido entre 25/10/2017 a
30/09/2019, período em que comprovada, também, a hipossuficiência econômica.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o
pedido.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5815296-31.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: G. D. S. N.
REPRESENTANTE: MAGALI RODRIGUES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO GUIMARAES NOGUEIRA - SP292903-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5815296-31.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: G. D. S. N.
REPRESENTANTE: MAGALI RODRIGUES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO GUIMARAES NOGUEIRA - SP292903-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação, interposto pela parte autora, em face da r. sentença que julgou
improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício assistencial a pessoa
deficiente.
Pretende, a apelante, que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos
requisitos à outorga da benesse.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer. Opinoupelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5815296-31.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: G. D. S. N.
REPRESENTANTE: MAGALI RODRIGUES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO GUIMARAES NOGUEIRA - SP292903-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 75535689, realizado em 11/11/2017,
considerou a autora, então, com onze anos de idade, portadora de retardo mental leve e
transtorno hipercinético, desde o nascimento, que a incapacitam, do forma total, a toda e qualquer
atividade.
A constatação da perícia médica autoriza concluir, portanto, pela existência de comprometimento
e restrições sociais para as atividades próprias da idade da parte autora, pelo interregno referido
pela lei, de modo que o quadro apresentado ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência, nos
termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, c/c o art. 4º, inciso II e § 1º, do Decreto nº 6.214/2007.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 75535696, produzido em 27/08/2018.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora reside no município de Guarantã/SP, com os
genitores, o pai, com 37 anos, e a mãe, com 36, e um irmão, de nove anos, idades
correspondentes à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
“Os pais da autora tinham uma casa de COHAB em outro bairro da cidade de Guarantã.
Venderam o imóvel, investiram em um terreno com dois cômodos e aos poucos construíram mais
um cômodo.
(...)
A residência está localizada na Rua Fusão Fusiwara nº 226 – Jardim Luciana – Guarantã – SP,
conforme endereço citado no processo. É de alveanria, com 03 cômodos, 02 quartos, cozinha e
banheiro (foto anexa), sem acabamento, contrapiso, sem reboque e sem forro. No imóvel não há
TV a cabo nem internet, mas possui água encanada, esgoto, energia e pavimentação.
(...)
Os móveis são antigos e conservados: guarda-roupa, camas, mesas e cadeiras, armário, sofá e
estante (foto anexa).
Obs. Segundo a genitora da autora os móveis foram adquiridos pelo seu esposo no período de
casamento.
(...)
Os eletrodomésticos são: geladeira, TV, fogão e liquidificador, todos em regular estado de
conservação, segundo o genitor da autora foram adquiridos no período de casamento (foto
anexa).”
A família possui um Gol, ano 1996, quitado. Segundo informam, o veículo é utilizado, somente,
para “levar a autora a Lins/SP para consultas ou exames”.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 18,44) e energia elétrica (R$
93,48), gás (R$ 69,00), alimentação (R$ 900,00), calçados (R$ 80,00), vestuário (R$ 100,00),
combustível (R$ 100,00) e material de construção (R$ 400,00).
Os medicamentos dos quais a vindicante necessita são fornecidos pela rede pública de saúde.
No que diz com a elucidação da renda familiar, verifica-se, pelos registros do CNIS, que advém
do trabalho do genitor, como tratorista, tendo recebido salário médio, no ano de 2017, de R$
1.679,70, em 2018, de R$ 1.827,40 e, em 2019, até o mês de outubro, de R$ 1.921,53.
De seu turno, a genitora informa que “não tem como gerar renda, uma vez que a autora necessita
de cuidados especiais”. Contudo, os registros do CNIS revelam o histórico de trabalhadora dessa,
com registros de contrato de trabalho entre 1º/09/2013 a 31/12/2013, 1º/06/2014 a 30/11/2014,
1º/03/2015 a 31/07/2015 e 27/11/2015 a 24/10/2017. Principiou novo vínculo laboral em
1º/10/2019, junto ao empregador LC Joaquim Supermercado. No ano de 2017, recebeu salário de
R$ 1.138,00, até o mês de outubro, e, no ano de 2019, passou a receber R$ 1.026,48.
Portanto, a renda familiar per capita, ao núcleo de quatro pessoas, totalizou valor inferior à
metade do salário mínimo, apenas, entre 25/10/2017 a 30/09/2019, período em que a genitora da
vindicante esteve desempregada.
De se esclarecer que o salário mínimo, no ano de 2017, era de R$ 937,00, no ano de 2018, de R$
954,00, e, no ano de 2019, de R$ 998,00.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica entre 25/10/2017 a
30/09/2019, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em
repercussão geral.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, à época, a família
encontrava-se economicamente vulnerável, justificando-se, do ponto de vista sociológico, a
concessão do benefício assistencial requerido.
No que tange ao termo inicial do benefício, cabe considerar que, segundo a jurisprudência,
inclusive assentada pelo C. Superior Tribunal de Justiça, em sede de repercussão geral (Recurso
Especial nº 1.369.165/SP), os benefícios por incapacidade devem ser concedidos, em regra, a
partir do requerimento administrativo ou, na sua ausência, da citação. Na hipótese vertente,
contudo, o benefício há de ser concedido a partir de 25/10/2017, ocasião em que restaram
preenchidos os requisitos legais à sua outorga.
O termo final da benesse deve ser estabelecido em 30/09/2019, nos termos delineados.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-
se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas
vencidas entre os termos inicial e final do benefício.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas devidas
à parte contrária.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR A
SENTENÇA E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o
benefício de prestação continuada, entre 25/10/2017 a 30/09/2019, e fixando consectários na
forma explicitada, abatidos eventuais valores já recebidos.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: A eminente relatora, Juíza Federal
Convocada Vanessa Mello, em seu fundamentado voto, deu provimento à apelação da parte
autora, para reformar a sentença e julgar parcialmente procedente o pedido.
Ouso, porém, apresentar divergência, pelas seguintes razões.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
Com a devida vênia, entendo não estar patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
Segundo o relatório socioeconômico (Id 75535696): a autora reside com os genitores (Fabio e
Magali) e irmão (Gustavo) de 9 anos;
(i)quanto a moradia: Construída de alvenaria, com 03 cômodos – 02 quartos, cozinha e um
banheiro.
Obs.: a família possui um veículo Gol/1997 – quitado.
(ii)Quanto à renda:
“A fonte de renda do grupo familiar provém do trabalho que o genitor da autora realiza como
tratorista, recebendo mensalmente R$ 1774,04”
(iii)quanto aos gastos (mensais): informa o relatório social: Energia (R$ 93,00), Alimentação (R$
900,00), Gás (R$ 69,00), Água (R$ 18,44), Calçados (R$ 80,00), Vestuário (R$ 100,00),
Combustível (R$ 100,00).
Nessas circunstâncias, embora evidentemente a parte autora seja pobre, certo é que não se
encontra em situação de miserabilidade, uma vez que possui condições razoáveis de moradia e
de sobrevivência, até porque a família pode despender recursos mensais com automóvel,
calçados, vestuário.
Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da Constituição Federal é claro ao estabelecer
que, para fins de concessão desse benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária.
Vale dizer: o benefício somente deve ser concedido àqueles que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não se destina à
complementação de renda familiar.
Nesse sentido, reporto-me ao seguinte julgado (g. n.):
“CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, INCISO V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA
MANTIDA.
I - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº
10.741/2003.
II - a autora contava com 68 (sessenta e oito) anos, na data do requerimento administrativo, tendo
por isso a condição de idosa.
III - Os elementos de prova existentes nos autos apontam em sentido contrário à alegada
miserabilidade da autora.
V - Na época do estudo social, as despesas giravam em torno de R$ 1.300,00, consistindo em
alimentação, água, energia elétrica, farmácia e gás; ou seja, as despesas eram inferiores às
receitas.
VI - A autora não vive em situação de risco social ou vulnerabilidade social, não podendo o
benefício assistencial ser utilizado para fins de complementação de renda.
VII - O benefício assistencial não tem por fim a complementação da renda familiar ou
proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado
de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente
em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.
VIII - Apelação improvida.”
(TRF 3ª Região - AC n. 5562391-33.2019.4.03.9999 - 9ª Turma - Rel. Des. Fed. Marisa Santos -
05/11/2019, e-DJF3 Judicial 1, Data: 07/11/2019)
Assim, embora o pretendido benefício pudesse melhorar o padrão de vida do postulante e de sua
família, o sistema de assistência social foi concebido para auxiliar pessoas em situação de
penúria (incapazes de sobrevivência sem a ação do Estado), e não para incremento de padrão de
vida.
Diante do exposto, nego provimento à apelação, para manter a improcedência do pedido.
Fica mantida a condenação em honorários de advogado, ora arbitrados em 12% (doze por cento)
sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do
artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98,
§ 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
DALDICE SANTANA
Desembargadora Federal
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatada, pelo laudo pericial, a deficiência, o benefício é devido entre 25/10/2017 a
30/09/2019, período em que comprovada, também, a hipossuficiência econômica.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o
pedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria,
decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto da Relatora, que foi
acompanhada pela Desembargadora Federal Marisa Santos e pelo Desembargador Federal
Gilberto Jordan (que votou nos termos do art. 942 caput e § 1º do CPC). Vencida a
Desembargadora Federal Daldice Santana que lhe negava provimento. Julgamento nos termos
do disposto no artigo 942 caput e § 1º do CPC
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
