Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000748-23.2018.4.03.6134
Relator(a)
Juiz Federal Convocado LEILA PAIVA MORRISON
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
04/06/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 05/06/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
pedido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000748-23.2018.4.03.6134
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: ELIAS RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO HENRIQUE PEREIRA - SP221167-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000748-23.2018.4.03.6134
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADALEILA PAIVA
APELANTE: ELIAS RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO HENRIQUE PEREIRA - SP221167-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que julgou
improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício assistencial a pessoa
deficiente.
Pretende, o apelante, que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos
requisitos à outorga da benesse.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000748-23.2018.4.03.6134
RELATOR:Gab. 32 -JUÍZA CONVOCADALEILA PAIVA
APELANTE: ELIAS RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO HENRIQUE PEREIRA - SP221167-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 120055921, realizado em 07/08/2018,
considerou o autor, então, com 35 anos de idade, sem alfabetização e sem histórico laboral,
portador de retardo mental moderado, que o incapacita para desenvolver atividades laborais que
lhe confiram o próprio sustento e caracteriza-lhe como deficiente, na forma da Lei.
Não há possibilidade de recuperação.
Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pela existência de
comprometimento ou restrições sociais decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2
(dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão do
benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº
8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 120055923, produzido em 20/08/2018.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside no município de Cosmópolis/SP, com a
genitora, viúva, de 64 anos e sete meses, e um irmão, de 44 anos, idades correspondentes à data
do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
“IV – INFRAESTRUTURA E CONDIÇÕES GERAIS DE HABITABILIDADE E MORADIA:
O autor reside com sua família em casa própria. Reside no local há vinte anos, e, tem bom
relacionamento com os vizinhos. O Bairro é dotado de toda infraestrutura: asfalto, calçada,
energia elétrica, iluminação pública, coleta de lixo, correios, saneamento básico.
É um bairro que fica próximo ao centro da cidade (ônibus: 05 minutos), de fácil acesso as
políticas públicas, tais como: Posto de saúde, Transporte público, comércio em geral. No entorno
há supermercado; padaria; farmácia; escola; praça; igreja.
A casa é de Alvenaria, antiga, simples, construída em terreno inteiro, composta por: 01 sala; 01
cozinha (com revestimento de azulejo); 01 copa; 04 quartos; 01 despensa; 01 banheiro interno.
Metragem do terreno conforme carnê de IPTU:
- área do terreno: 2780,46m²
- área de construção: 153,06m²
Os quartos forma divididos da seguinte forma:
- 01 quarto (p/o autor): 01 cama de solteiro; 01 guarda-roupa.
- 01 quarto (p/ Maria): 01 cama de casal; 01 guarda-roupa; 02 camas de solteiro.
- 01 quarto (Donizeti): 01 cama de solteiro; 01 cômoda.
- 01 quarto (que era utilizado pelos pais do autor): 01 cama de casal; 01 guarda-roupa.
Internamente apresenta piso frio, coberta com telhas, pintura látex danificada; possui infiltração
em alguns cômodos (chove dentro). Externamente o terreno é murado; quintal no contra-piso
danificado.
Nos fundos da residência há uma casa construída (que é da irmã do autor – Eliana), que está
abandonada e sem condições de habitabilidade.
O imóvel é bem simples e razoavelmente conservado; observamos que precisa de manutenção,
mas aparenta relativo conforto aos moradores. Os equipamentos domésticos e mobiliários são
antigos, simples, com razoável conservação. Bens eletrodomésticos e eletrônicos no local: 01
fogão; 01 geladeira; 01 DVD; 01 Forno micro-ondas; 02 TVs; 01 tanquinho elétrico (queimado).”
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água e esgoto (R$ 53,00) e energia
elétrica (R$ 106,00), gás (R$ 70,00), alimentação (R$ 500,00), recarga de celular (R$ 10,00),
vestuário (recebem doações dos familiares e dispendem, para tanto, cerca de R$ 100,00,
anualmente), funerária (R$ 96,00) e medicamentos (R$ 150,00), não fornecidos pela rede pública
de saúde.
Em questões de saúde, a genitora apresenta diabetes, osteoporose, hipertensão arterial e “fortes
dores na coluna”. O irmão “é muito nervoso, às vezes, surta e quebra as coisas dentro de casa,
porém, ele diz que é saudável; já ficou internado por um mês, na cidade de Lavras/MG, no
‘Hospital dos Loucos’. Contudo, não faz uso de medicamentos.
Não há gastos com transporte, “pois, o autor e sua mãe possuem carteirinha para circular
gratuitamente no transporte público; já o irmão – Donizeti – sempre utiliza a bicicleta ou vai a pé
aos lugares”.
Os ganhos da família advém do benefício de pensão por morte titularizado pela genitora, no valor
de R$ 1.136,10.
O irmão, atualmente, não exerce atividade, formal ou informal, que possa gerar renda.
Considerado o núcleo de três pessoas, a renda familiar per capita totaliza R$ 378,70, inferior à
metade do salário mínimo, à época, de R$ 954,00.
Dessa forma, divisa-secaracterizada conjuntura de miserabilidade.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, a família encontra-se em vulnerabilidade social, como segue:
“VII – CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÃO:
Ao Tecer a análise e considerações atentando para a coerência dos fatos apresentados no corpo
do laudo pericial, com a adoção de critérios técnicos e científico, tendo como referencial os
Conceitos e Princípios éticos do Serviço Social.
Considerando a análise fundamentada do caso, suas peculiaridades e aspectos relevantes para
subsidiar a decisão judicial, apresentamos os indicativos da existência de vulnerabilidade e risco
social do autor, devido a condição de saúde apresentada e ao baixo grau de escolaridade, não
tendo condições de prover o seu próprio sustento.
Conclui-se que a condição socioeconômica em que se encontra o autor e sua família, tange um
grau de vulnerabilidade social, e, atende aos mínimos sociais de forma precária, não da forma a
que faz jus a pessoa deficiente conforme os parâmetros definidos pela Política Nacional de
Assistência Social.
Solicitaram o Benefício de Prestação continuada- LOAS, para ajudar na compra dos
medicamentos do autor, segundo a mãe.”
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Nesse
sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal
Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona
Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-
se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas
vencidas até a data da decisão concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do
Superior Tribunal de Justiça.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas devidas
à parte contrária.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR A
SENTENÇA E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o
benefício de prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo, e
fixando consectários na forma explicitada, abatidos eventuais valores já recebidos.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: A relatora, Juíza Federal Convocada
Leila Paiva, em seu fundamentado voto deu provimento à apelação da parte autora, para reformar
a sentença e julgou parcialmente procedente o pedido, concedendo-lhe o benefício de prestação
continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Ouso, porém, apresentar divergência pelas seguintes razões:
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
Com a devida vênia, entendo não estar patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
Segundo o relatório do estudo social, datado de 20/08/2018 (Id 120055923):
(i) a parte autora (portador de deficiência mental – CID F79) reside com a genitora (viúva de 64
anos) e um irmão, de 44 anos (à época do estudo desempregado);
(ii) “A casa é de Alvenaria, antiga, simples, construída em terreno inteiro, composta por: 01 sala;
01 cozinha (com revestimento de azulejo); 01 copa; 04 quartos; 01 despensa; 01 banheiro
interno.
- área do terreno: 2780,46m²
- área de construção: 153,06m²
Os quartos forma divididos da seguinte forma:
- 01 quarto (p/o autor): 01 cama de solteiro; 01 guarda-roupa.
- 01 quarto (p/ Maria): 01 cama de casal; 01 guarda-roupa; 02 camas de solteiro.
- 01 quarto (Donizeti): 01 cama de solteiro; 01 cômoda.
- 01 quarto (que era utilizado pelos pais do autor): 01 cama de casal; 01 guarda-roupa.
Internamente apresenta piso frio, coberta com telhas, pintura látex danificada; possui infiltração
em alguns cômodos (chove dentro). Externamente o terreno é murado; quintal no contra-piso
danificado.
Nos fundos da residência há uma casa construída (que é da irmã do autor – Eliana), que está
abandonada e sem condições de habitabilidade.
O imóvel é bem simples e razoavelmente conservado; observamos que precisa de manutenção,
mas aparenta relativo conforto aos moradores. Os equipamentos domésticos e mobiliários são
antigos, simples, com razoável conservação. Bens eletrodomésticos e eletrônicos no local: 01
fogão; 01 geladeira; 01 DVD; 01 Forno micro-ondas; 02 TVs; 01 tanquinho elétrico (queimado).” ;
(iii) Os ganhos da família advém da pensão titularizada pela genitora no valor de R$ 1100,00,
atualmente R$ 1227,70; (TOTAL = R$ 1227,70)
obs.: O irmão, atualmente, não exerce atividade, formal ou informal, que possa gerar renda. =
segundo o CNIS o último vínculo foi em 2008 e como Contribuinte Individual de 11/2017 a
10/2018
(iv)As despesas fixas:
- tarifas de água e esgoto (R$ 53,00)
- e energia elétrica (R$ 106,00)
- gás (R$ 70,00)
- alimentação (R$ 500,00)
- recarga de celular (R$ 10,00)
- vestuário (recebem doações dos familiares e dispendem, para tanto, cerca de R$ 100,00,
anualmente)
- funerária (R$ 96,00)
- medicamentos (R$ 150,00), não fornecidos pela rede pública de saúde.
(TOTAL = R$ 985,00)
Nessas circunstâncias, embora evidentemente a parte autora seja pobre, certo é que não se
encontra em situação de miserabilidade, uma vez que possui condições razoáveis de moradia e
de sobrevivência - (inclusive depreende-se dos autos que a residência de 153,06m², em um
terreno de 2780,46m² possui 01 copa e 04 quartos e, ainda, conta com despesa com funerária e,
por fim, as despesas informadas são inferiores à renda declarada).
Ressalte-se que o artigo 203, V, da Constituição Federal é claro ao estabelecer que, para fins de
concessão desse benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária.
Vale dizer: o benefício somente deve ser concedido àqueles que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não se destina à
complementação de renda familiar.
Assim, embora o pretendido benefício pudesse melhorar o padrão de vida do postulante e de sua
família, o sistema de assistência social foi concebido para auxiliar pessoas em situação de
penúria (incapazes de sobrevivência sem a ação do Estado), e não para incremento de padrão de
vida.
Diante desse contexto, não se enxerga, no caso, circunstância de vulnerabilidade social apta a
ensejar a concessão do benefício de assistência social e, assim, nego provimento à apelação.
Fica mantida a condenação em honorários de advogado, ora arbitrados em 12% (doze por cento)
sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do
artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98,
§ 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
DALDICE SANTANA
Desembargadora Federal
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o
pedido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto da Relatora,
que foi acompanhada pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan e pelo Desembargador
Federal Batista Gonçalves (4º voto). Vencida a Desembargadora Federal Daldice Santana, que
lhe negava provimento. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
