Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5470315-87.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/08/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- O perito médico estimou expressamente em vinte e quatro meses o prazo para recuperação da
parte autora, de modo que o benefício assistencial ora concedido deve ter a duração de vinte e
quatro meses a partir da perícia, realizada em 19/04/2018, devendo a parte autora ser
previamente notificada acerca da previsão de cessação do mencionado benefício, de modo a
possibilitar-lhe eventual pedido administrativo de prorrogação na hipótese de permanência da
deficiência.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Pedido de antecipação dos efeitos da tutela de mérito indeferido, em razão do marco para
cessação do benefício concedido, de modo que já não se fazem presentes os requisitos para a
concessão da tutela pretendida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. Sentença reformada para julgar parcialmente
procedente o pedido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5470315-87.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: ALEXSANDRO GABRIEL SILVA RODRIGUES DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: MARIANE FAVARO MACEDO - SP245229-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5470315-87.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: ALEXSANDRO GABRIEL SILVA RODRIGUES DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: MARIANE FAVARO MACEDO - SP245229-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203,
inciso V, da Constituição da República.
O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.
A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento
dos requisitos legais ao amparo pretendido. Postula, por fim, a antecipação dos efeitos da tutela
de mérito.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5470315-87.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: ALEXSANDRO GABRIEL SILVA RODRIGUES DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: MARIANE FAVARO MACEDO - SP245229-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 48261255, realizado em 19/04/2018,
considerou o autor, então, com 19 anos de idade, que estudou até o 1º Colegial e trabalhou como
servente de pedreiro, portador de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de
múltiplas drogas e de outras substâncias psicoativas, esquizofrenia paranóide e psicose não
orgânica não especificada, que o incapacitam ao labor, de forma total e temporária.
O perito consignou que as patologias iniciaram-se em idos de 2015. Estabeleceu a data de início
da incapacidade, em 24/07/2014, estimando, em vinte e quatro meses, o prazo para recuperação
do promovente.
Tal cenário autoriza concluir pela existência de comprometimento ou restrições sociais
decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2 (dois) anos, configurando-se, por
conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão do benefício de prestação
continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/1993.
Averbe-se que a jurisprudência da Nona Turma deste E. Tribunal vem reconhecendo o direito ao
benefício assistencial, mesmo em casos de incapacidade temporária, desde que preenchidos os
demais requisitos para tanto. A propósito, colacionam-se os seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL (ART. 557, §1º, DO CPC). BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA ATÉ 28 DE FEVEREIRO DE 2011. TERMO
INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA.
PREQUESTIONAMENTO. (...) 2 - Incapacidade total e temporária comprovada pelo laudo
pericial. 3 - Estudo social comprova a condição de miserabilidade da autora no período
compreendido entre 03 de março de 2008 e 28 de fevereiro de 2011. 4 - De rigor a concessão do
benefício assistencial no lapso em que restaram preenchidos os requisitos legais. (...) 10 - Agravo
legal parcialmente provido.” (Destaquei.)
(APELREEX 00059087220124039999, Relator Desembargador Federal Nelson Bernardes, j.
18/06/2012, e-DJF3 28/06/2012)
“CONSTITUCIONAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL - APELAÇÃO COM PRELIMINAR DE
ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA
SENTENÇA- DESCABIMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ARTIGO 203,
INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DEFICIÊNCIA E NECESSIDADE DE OBTENÇÃO
DA PRESTAÇÃO - COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. MANUTENÇÃO DA TUTELA
ANTECIPADA CONCEDIDA. (...) II - A concessão do benefício assistencial do art. 203, V, CF
sujeita-se, na espécie, à demonstração da condição de deficiência do autor, somada à
hipossuficiência própria e da família. III - Os laudos periciais atestam que a autora sofreu extração
cirúrgica da mama direita, para retirada de tumor maligno com 2 a 5 cm de diâmetro, tendo como
sequela "edema de seu membro superior direito, impossibilitando-a de trabalhar no momento", e
continua em tratamento realizando quimioterapia e hormonioterapia profilática, que provocam
efeitos colaterais como náuseas, vômitos, fogaços e queda de cabelo. Vejo que a autora padece
de grave doença, que exige árduo e constante acompanhamento médico, tendo o Sr. Perito
concluído o laudo atestando a sua incapacidade total e temporária para o trabalho, de modo que
tenho por atendido, ao menos nos tempos atuais, o primeiro dos requisitos para a concessão do
benefício. IV - Do conjunto probatório extrai-se que a autora é separada do marido, não aufere
qualquer rendimento, apenas recebe uma cesta básica do Hospital do Câncer, morando em
quarto e cozinha cedidos pela irmã, dependendo da ajuda de amigos, da irmã e do cunhado, que
percebe aposentadoria de um salário mínimo. Verifica-se, assim, que a situação é de
precariedade e miséria, estando a autora total e temporariamente incapacitada para exercer
qualquer trabalho, dependendo da assistência e colaboração da irmã e amigos, sem condições
para uma sobrevivência digna, conforme preceitua a Constituição Federal. (...) VI -Apelação do
INSS improvida. Sentença e tutela antecipada mantidas.” (Destaquei.)
(AC 00013359220014036113, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 09/05/2005,
DJU 23/06/2005)
Destarte, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos da Lei.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 48261289, produzido em 08/08/2018.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside no município de Guararapes/SP, com a
genitora, de 41 anos, e uma irmã, de 18 anos, idades correspondentes à data do estudo
socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
“7.1 Produtos e tecnologia (refere-se a qualquer produto para melhorar a funcionalidade de uma
pessoa incapacitada – despesa, distância geográfica entre o domicilio e o local de acesso,
qualidade e periocidade), produtos e tecnologia para o consumo pessoal.
_Não há na residência produtos e tecnologia para uso pessoal e mobilidade na vida diária, nem o
de produtos e tecnologia para comunicação.
_Moradia e mudanças ambientais (refere-se ao ambiente natural ou físico, levando em conta o
grau de vulnerabilidade e de risco social – acessibilidade, privacidade da moradia, insalubridade e
precarização do ambiente).
Há acessibilidade. OBS: com poucas condições de higiene e limpeza. Um único quarto para a
genitora e a irmã do requerente. Foi considerado qualificador 2, barreira moderada.
_Sobre a situação e condição de moradia (a residência é financiada, de alvenaria, sem forro, sem
laje, sem revestimentos cerâmicos, pintados internamente, sem acabamentos elaborados,
murada lateralmente. Não possui área frontal. Foi considerado, qualificador 2, barreira moderada.
(...)
_Sobre serviços, sistemas e políticas (refere-se à rede de serviços, sistemas e políticas
garantidoras de proteção social). A rua é asfaltada, o bairro é servido por serviços de
abastecimento de água e esgoto, energia elétrica, coleta de lixo, correios e segurança pública. O
centro da cidade, bem como ter acesso as repartições públicas, CRAS e Centro de Saúde ficam
distantes da residência. Que quando necessário, o mesmo se desloca caminhando ou de bicicleta
sempre acompanhado por um familiar. Foi considerado qualificador 2, barreira moderada. (com
base no formulário de avaliação do grau de incapacidade – Ministério de Desenvolvimento Social
e Combate à Fome, portaria conjunta nº 1, de 24 de Maio de 2011).”
As despesas, à época do laudo, consistiam em prestações de financiamento do imóvel (R$
148,34), tarifas de água/esgoto (R$ 19,46) e energia elétrica (R$ 47,06), gás (R$ 70,00, a cada
dois meses), IPTU (parcelas mensais de R$ 29,29) e alimentação (R$ 150,00).
Os medicamentos dos quais o pretendente necessita, todos de alto custo, são fornecidos pela
rede pública de saúde. Duas, das três irmãs do requerente, “trabalham e ajudam a mãe com
algumas despesas mensais de alimentação, energia elétrica e cesta básica que recebem no
trabalho mensalmente”.
Os ganhos da família advém do trabalho da genitora, no comércio ambulante, com “venda de
milho (cereal) e demais legumes no município de Araçatuba-SP”. Obtém cerca de R$ 700,00
mensais.
Considerado o núcleo de três pessoas, a renda familiar per capita totaliza R$ 233,33, inferior à
metade do salário mínimo, à época, de R$ 954,00.
Dessa forma, divisa-se caracterizada conjuntura de miserabilidade.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, a família encontra-se em vulnerabilidade social, justificando-se a concessão do
benefício assistencial requerido, conforme registrado no parecer técnico (destaques no original):
“PARECER TÉCNICO
Através do estudo social realizado no dia 08 de agosto de 2018 às 15h30, foi considerando o
aspecto histórico e composição familiar, a infraestrutura e condições gerais da moradia, os meios
de sobrevivência e o cálculo de renda per capita do grupo familiar.
Do ponto de vista técnico do SERVIÇO SOCIAL, podemos concluir que esta perícia trata-se de
processo que versa acerca da concessão de Benefício Assistencial (Art. 203), V CF/88), a pessoa
com deficiência que também afirma ser incapaz para o trabalho e não possuir renda suficiente
para a própria subsistência.
Conforme declarado, a família foi encontrada em situação vulnerável. Foi encontrado um
ambiente precário, com poucas condições de higiene e limpeza. Sobre estudo socioeconômico, a
família conta apenas com a renda (autônoma) da genitora, proveniente especificamente do
comércio ambulante, com venda de milho (cereal) e demais legumes no município de Araçatuba-
SP.
A renda do mês varia em torno de R$ 700,00 (setecentos) reais destinados a sobrevivência do
grupo familiar. A genitora conta apenas com a ajuda das filhas para complementos de outras
despesas, e da cesta básica das mesmas.
Declarou que não recebem nenhum benefício de Programa Assistencial da União, do Estado ou
do Município. Sendo assim, a renda familiar é inferior a ¼ do salário mínimo.”
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo, em
29/11/2017. Nesse sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora
Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX
00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016,
e-DJF3 31/03/2016.
Contudo, considerando que o perito médico estimou expressamente em vinte e quatro meses o
prazo para recuperação da parte autora e que a prova técnica foi realizada em 19/04/2018, o
benefício assistencial ora concedido deve ter a duração de vinte e quatro meses a partir da
perícia, devendo a parte autora ser previamente notificada acerca da previsão de cessação do
mencionado benefício, de modo a possibilitar-lhe eventual pedido administrativo de prorrogação
na hipótese de permanência da deficiência.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-
se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas
vencidas entre os termos inicial e final do benefício.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas devidas
à parte contrária.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Por fim, indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela de mérito, em razão do marco para
cessação do benefício concedido, de modo que já não se fazem presentes os requisitos para a
concessão da tutela pretendida.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA
REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO,
concedendo-lhe o benefício de prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo, explicitando a duração da benesse e fixando consectários na forma explicitada,
abatidos eventuais valores já recebidos.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Juíza Federal Convocada Vanessa Mello: O Desembargador Federal Batista
Gonçalves em seu fundamentado voto deu parcial provimento à apelação da parte autora, para
reformar a sentença e julgarparcialmente procedente o pedido, concedendo-lhe o benefício de
prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Ouso, porém, com a máxima vênia, apresentar divergência parcial, apenas e tão somente para
fixar o termo final do benefício.
A perícia médica (ID 48261255), devidamente fundamentada, concluiu pela incapacidade
temporária, estabelecendo o prazo de 24 mesas a contar da realização da perícia.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora em menor extensão, para
estabelecer o termo final do benefício da autora em 02/07/2020.
No mais, acompanho o voto do Relator.
É o voto.
Vanessa Mello
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- O perito médico estimou expressamente em vinte e quatro meses o prazo para recuperação da
parte autora, de modo que o benefício assistencial ora concedido deve ter a duração de vinte e
quatro meses a partir da perícia, realizada em 19/04/2018, devendo a parte autora ser
previamente notificada acerca da previsão de cessação do mencionado benefício, de modo a
possibilitar-lhe eventual pedido administrativo de prorrogação na hipótese de permanência da
deficiência.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Pedido de antecipação dos efeitos da tutela de mérito indeferido, em razão do marco para
cessação do benefício concedido, de modo que já não se fazem presentes os requisitos para a
concessão da tutela pretendida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. Sentença reformada para julgar parcialmente
procedente o pedido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria,
decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator, que foi
acompanhado pela Juíza Federal Convocada Leila Paiva e pelo Desembargador Federal Toru
Yamamoto (5º voto). Vencida a Juíza Federal Convocada Vanessa Mello, que dava parcial
provimento à apelação da parte autora em menor extensão, no que foi acompanhada pelo
Desembargador Federal Gilberto Jordan (4º voto). Julgamento nos termos do disposto no art.
942, caput e § 1º, do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
