Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5048181-68.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
08/08/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 12/08/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. RENDA MENSAL PER CAPITA
FAMILIAR. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PERCEBIDO POR MAIOR DE 65
ANOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO. LEI Nº 10.741/2003. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
REQUISITOS COMPROVADOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
I - Não merece prosperar a alegação de cerceamento de defesa. O pedido não atendido para
complementação do estudo social não acarretou prejuízo à autarquia, uma vez que o feito
encontra-se devidamente instruído, com a juntada do estudo sócio econômico, firmado por
Assistente Social.
II - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº
10.741/2003.
III - A autora contava com 77 (setenta e sete) anos, quando ajuizou a presente ação, tendo por
isso a condição de idosa.
III- O estudo social feito em 04.04.2018 (ID-6026665) indica que o autor reside com a
companheira, Yukie Arakaki Miyashiro, de 78 anos, em casa cedida pelo filho do autor que reside
“no Japão e cedeu para o casal morar, mas não costuma entrar em contato com o pai. A casa é
bastante simples, antiga, sem acabamento e necessita de manutenção, foi construída com
blocos, telhas brazilit e as janelas não tem vidros. A casa é localizada no final da rua com difícil
acesso. É composta por cozinha/sala, dois dormitórios, uma despensa e dois banheiros,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
revestidos de piso de cerâmica (bastante gasto) e não há azulejo. O mobiliário é simples e possui
todos os essenciais, mas em mal estado de conservação. Na cozinha/ sala há uma geladeira
pequena bem enferrujada, uma mesa pequena de masseira com algumas cadeiras, um fogão de
4 bocas, um armário pequeno, um móvel pequeno com uma televisão média modelo novo e um
jogo de sofá de 2 e 3 lugares; na despensa há prateleiras com panelas; no dormitório da casal há
uma cama de casal e um guarda-roupa pequeno (com cupim); no outro dormitório há um sofá
velho e um cômoda (onde a Sra. Tukie guarda as roupas em sacolas plásticas devido cupim) e
nos banheiros há vaso sanitário, lavatório e cheveiro elétrico em apenas um banheiro”. As
despesas são: alimentação R$ 300,00; gás R$ 70,00; luz R$ 80,00; remédios para filha R$
110,00; combustível R$ 80,00; telefone fixo e celular R$ 100,00; clínica filha Yukie R$ 200,00. A
única renda do casal advém do benefício de pensão por morte que a companheira recebe, no
valor de R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais) mensais.
IV - A consulta ao CNIS (ID-71831281) indica que a companheira do autor recebe pensão por
morte previdenciária, desde 04.03.1994, no valor de um salário mínimo ao mês.
V - Análise do pedido à luz da recente decisão proferida no recurso extraordinário mencionado
em face às informações trazidas pelo estudo social coligido aos autos resta demonstrada a
situação de hipossuficiência econômica da demandante.
VI - Em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deve ser excluído do cálculo da
renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos,
independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o dispositivo
no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso.
VII - Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições
apresentadas, não justifica o indeferimento do benefício. Verifico que a situação é precária e de
miserabilidade, dependendo a autora do benefício assistencial para suprir as necessidades
básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição
Federal.
VIII - Apelação improvida. Tutela antecipada mantida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5048181-68.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: ANTOKU SADOYAMA
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO CARLOS AVANCO - SP68563-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5048181-68.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: ANTOKU SADOYAMA
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO CARLOS AVANCO - SP68563-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203,
V, da CF.
Segundo a inicial, o autor é pessoa idosa, não tendo condições de prover seu sustento ou de tê-lo
provido por sua família, fazendo jus ao benefício.
Concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo de 1º grau julgou procedente o pedido e condenou o INSS ao pagamento do benefício de
prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento
administrativo, em 13.12.2017, com correção monetária pelo IPCA-E, juros de mora nos termos
da Lei 1º-F da Lei 9.494/97, e honorários advocatícios fixados em 10% das parcelas vencidas.
Deferiu, ainda, a antecipação da tutela.
Sentença proferida em 14.06.2018, não submetida ao reexame necessário.
Em apelação, o INSS alega nulidade da sentença, apontando cerceamento de defesa pela falta
de complementação do estudo social, uma vez que o estudo feito não indica a qualificação
completa dos filhos e suas respectivas capacidades econômicas.
Com contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5048181-68.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: ANTOKU SADOYAMA
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO CARLOS AVANCO - SP68563-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203,
V, da CF.
Não merece prosperar a alegação de cerceamento de defesa. O pedido não atendido para
complementação do estudo social não acarretou prejuízo à autarquia, uma vez que o feito
encontra-se devidamente instruído, com a juntada do estudo sócio econômico, firmado por
Assistente Social.
As provas produzidas nos autos são suficientes ao deslinde da causa.
Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
O não-acatamento das argumentações deduzidas no recurso não implica cerceamento de defesa,
visto que ao julgador cumpre apreciar o tema de acordo com o que reputar atinente à lide. Não
está obrigado o magistrado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado
pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131 do CPC), utilizando-se de fatos,
jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.
Inexiste violação do artigo 535 do CPC, quando o magistrado decide todas as questões postas na
apelação, mesmo que contrárias à sua pretensão.
Agravo regimental desprovido."
(STJ, AgRg no REsp. nº 494.902/RJ, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, j.
15.09.2005, v.u., DJ 17.10.2005).
O estudo social atendeu às necessidades do caso concreto, não tendo se mostrado a
necessidade de complementação.
Embora o estudo social feito não apresenta respostas a todos os quesitos, o juiz entendeu
suficiente as informações trazidas. O casal não tem filhos comuns, apenas originários das uniões
anteriores. Os filhos residem em outras cidades, possuem seus próprios núcleos familiares e não
têm condições de sustentar os pais. A assistente social relata, ainda, que a renda recebida pela
companheira é utilizada para ajudar na compra de remédios para duas de suas filhas.
O juiz, ao proferir a decisão, não está adstrito, exclusivamente, ao resultado do laudo pericial,
podendo valer-se dos demais elementos de prova existentes nos autos para formar sua
convicção.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios
norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza
no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF,
garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art.
203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser
pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente
reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu
próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65
anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de
06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65
(sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou
a dispor:
§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼
do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº
1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a
adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da
necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º
do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a
família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de
penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando
outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova
poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na
situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j.
04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:
"A Lei 8742/93, Art. 20, § 3º, quis apenas definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário-
mínimo é, objetivamente considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de
deficiência; tal regra não afasta, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de
miserabilidade da família do necessitado".
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que
reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT,
Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em
03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a
constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios
objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário
a que se nega provimento" (destaquei).
A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e
justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua
manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade,
representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive
aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de
concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para
dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com
deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de
dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência
Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o
intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria
que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do
benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art.
194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar
as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de
beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao
princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da
isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante
do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que
substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de
miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente,
para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real
necessidade de concessão do benefício.
No caso dos autos, o autor contava com 77 (setenta e sete) anos, na data do requerimento
administrativo, tendo, por isso, a condição de idoso.
O estudo social feito em 04.04.2018 (ID-6026665) indica que o autor reside com a companheira,
Yukie Arakaki Miyashiro, de 78 anos, em casa cedida pelo filho do autor que reside “no Japão e
cedeu para o casal morar, mas não costuma entrar em contato com o pai. A casa é bastante
simples, antiga, sem acabamento e necessita de manutenção, foi construída com blocos, telhas
brazilit e as janelas não tem vidros. A casa é localizada no final da rua com difícil acesso. É
composta por cozinha/sala, dois dormitórios, uma despensa e dois banheiros, revestidos de piso
de cerâmica (bastante gasto) e não há azulejo. O mobiliário é simples e possui todos os
essenciais, mas em mal estado de conservação. Na cozinha/ sala há uma geladeira pequena
bem enferrujada, uma mesa pequena de masseira com algumas cadeiras, um fogão de 4 bocas,
um armário pequeno, um móvel pequeno com uma televisão média modelo novo e um jogo de
sofá de 2 e 3 lugares; na despensa há prateleiras com panelas; no dormitório da casal há uma
cama de casal e um guarda-roupa pequeno (com cupim); no outro dormitório há um sofá velho e
um cômoda (onde a Sra. Tukie guarda as roupas em sacolas plásticas devido cupim) e nos
banheiros há vaso sanitário, lavatório e cheveiro elétrico em apenas um banheiro”. As despesas
são: alimentação R$ 300,00; gás R$ 70,00; luz R$ 80,00; remédios para filha R$ 110,00;
combustível R$ 80,00; telefone fixo e celular R$ 100,00; clínica filha Yukie R$ 200,00. A única
renda do casal advém do benefício de pensão por morte que a companheira recebe, no valor de
R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais) mensais.
A consulta ao CNIS (ID-71831281) indica que a companheira do autor recebe pensão por morte
previdenciária, desde 04.03.1994, no valor de um salário mínimo ao mês.
Nesse ponto, outra questão se apresenta.
O art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), exclui do cômputo, para
cálculo da renda per capita, o benefício de prestação continuada anteriormente concedido a outro
idoso do grupo familiar.
O dispositivo suscitava controvérsia na jurisprudência, porque há entendimentos no sentido de
que o mesmo critério deve ser aplicado, por analogia, quando se tratar de pessoa com
deficiência, ou seja, exclui-se do cômputo da renda per capita familiar o benefício assistencial
anteriormente concedido a outra pessoa com deficiência do grupo familiar.
Alguns julgados têm entendido que até mesmo o benefício previdenciário com renda mensal de
um salário mínimo, concedido a outra pessoa do mesmo grupo familiar, não deve ser considerado
no cômputo da renda per capita.
Não me parece correto o entendimento, porque o benefício previdenciário, por definição, é renda,
uma vez que substitui os salários de contribuição ou remuneração do segurado quando em
atividade, além de ter caráter vitalício na maioria das vezes. Diferentemente, o benefício
assistencial não se encaixa no conceito de renda, pois é provisório por definição.
No sentido de que o art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003, enseja interpretação restritiva,
ou seja, que apenas o benefício assistencial eventualmente recebido por um membro da família
pode ser desconsiderado para fins de aferição da renda per capita familiar, colaciono os
seguintes julgados do STJ:
5ª Turma, AgRgREsp 1.069.476, 03-03-2009;
5ª Turma, AgRgAIREsp 1.140.015, 09-02-2010;
5ª Turma, AgRgREsp 1.177.395, 04-05-2010;
5ª Turma, AgRgREsp 1.221.056, 22-02-2011;
6ª Turma, AgRgAIREsp 1.232.067, 18-03-2010; e
6ª Turma, AgRgREsp 1.233.274, 15-03-2011.
Porém, no REsp Repetitivo 1.355.052/SP, o STJ decidiu no sentido da aplicação analógica da
mencionada norma legal (art. 34 da Lei 10.741/2003), a fim de que também o benefício
previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo
da renda per capita prevista no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. .742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(STJ, 1ª Seção, REsp 1355052/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j 25/02/15).
Da mesma Corte colaciono ainda:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE
HIPOSSUFICIÊNCIA DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A
RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO.
EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO
RECEBIDO POR IDOSO QUE FAÇA PARTE DO NÚCLEO FAMILIAR. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. O Tribunal de origem adotou o entendimento pacificado pela 3a. Seção desta Corte, no
julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo da controvérsia, de que a limitação do valor
da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a
pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se
absolutamente a hipossuficiência quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário
mínimo.
2. Ademais, a 1a. Seção, no julgamento do REsp. 1.355.052/SP, submetido ao rito do art. 543-C
do CPC, firmou a orientação de que, para se calcular a renda per capita do segurado para fins de
concessão do benefício assistencial, deve ser excluído do cômputo o benefício previdenciário
recebido por idoso integrante do núcleo familiar no valor de um salário mínimo
3. Agravo Regimental desprovido.
(STJ, 1ª T, AgRg no AREsp 211332, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j 18/02/16).
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
RENDA MENSAL PER CAPITA FAMILIAR. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO
PERCEBIDO POR MAIOR DE 65 ANOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI Nº 10.741/2003.
APLICAÇÃO ANALÓGICA.
1. A finalidade da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), ao excluir da renda do núcleo familiar o
valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, foi protegê-lo, destinando essa verba
exclusivamente à sua subsistência.
2. Nessa linha de raciocínio, também o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo
recebido por maior de 65 anos deve ser afastado para fins de apuração da renda mensal per
capita objetivando a concessão de benefício de prestação continuada.
3. O entendimento de que somente o benefício assistencial não é considerado no cômputo da
renda mensal per capita desprestigia o segurado que contribuiu para a Previdência Social e, por
isso, faz jus a uma aposentadoria de valor mínimo, na medida em que este tem de compartilhar
esse valor com seu grupo familiar.
4. Em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deve ser excluído do cálculo da
renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos,
independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto
no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso.
5. Incidente de uniformização a que se nega provimento.
(STJ - Pet 7203 / PE - 3ª Seção - rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11/10/2011)
A questão foi levada ao STF, que reconheceu a Repercussão Geral nos autos do RE 580963,
Rel. Min. Gilmar Mendes. O Plenário, em 18/04/2013, em julgamento de mérito, por maioria,
declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 da Lei
10.741/2003.
Transcrevo excerto:
(...)
4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003.O
Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a
qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita
a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de
previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de
justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial
inconstitucional.580963.
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo
único, da Lei 10.741/2003.
6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
Embora o STF tenha reconhecido a inconstitucionalidade da renda per capita de ¼ do salário
mínimo e também do art. 34 do Estatuto do Idoso, vinha entendendo que a melhor forma de se
avaliar a situação de necessidade seria por meio do montante que dos ganhos do grupo familiar
caberia a cada um de seus integrantes.
Na linha desse entendimento, o valor per capita a ser considerado deveria ser o de um salário
mínimo, pois esse é o valor escolhido pela CF para qualificar e quantificar o bem-estar social,
assegurando os mínimos vitais à existência com dignidade.
Entretanto, observo que esse meu entendimento distancia-se da jurisprudência atual das Cortes
Superiores, que confere interpretação ampliada à hipótese excepcional estabelecida pelo
legislador no parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/03, razão pela qual passo a adotar o
posicionamento ali firmado, no sentido de não computar também o benefício previdenciário de
valor mínimo recebido pelo idoso, no cálculo da renda familiar per capita, a que se refere o art.
20, §3º, da Lei 8.742/93.
No caso, excluindo-se do cômputo da renda familiar o benefício que a companheira recebe, a
renda familiar é nula; e, considerando as informações do estudo sociaL, verifico que a situação é
precária e de miserabilidade, fazendo jus ao recebimento de benefício assistencial para suprir as
necessidades básicas, não possuindo condições de prover o seu sustento, nem de tê-lo provido
por sua família, com a dignidade preconizada pela Constituição Federal.
Assim, preenche o autor todos os requisitos necessários ao deferimento do benefício.
NEGO PROVIMENTO à apelação, mantendo a antecipação da tutela.
É o voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. RENDA MENSAL PER CAPITA
FAMILIAR. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PERCEBIDO POR MAIOR DE 65
ANOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO. LEI Nº 10.741/2003. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
REQUISITOS COMPROVADOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
I - Não merece prosperar a alegação de cerceamento de defesa. O pedido não atendido para
complementação do estudo social não acarretou prejuízo à autarquia, uma vez que o feito
encontra-se devidamente instruído, com a juntada do estudo sócio econômico, firmado por
Assistente Social.
II - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº
10.741/2003.
III - A autora contava com 77 (setenta e sete) anos, quando ajuizou a presente ação, tendo por
isso a condição de idosa.
III- O estudo social feito em 04.04.2018 (ID-6026665) indica que o autor reside com a
companheira, Yukie Arakaki Miyashiro, de 78 anos, em casa cedida pelo filho do autor que reside
“no Japão e cedeu para o casal morar, mas não costuma entrar em contato com o pai. A casa é
bastante simples, antiga, sem acabamento e necessita de manutenção, foi construída com
blocos, telhas brazilit e as janelas não tem vidros. A casa é localizada no final da rua com difícil
acesso. É composta por cozinha/sala, dois dormitórios, uma despensa e dois banheiros,
revestidos de piso de cerâmica (bastante gasto) e não há azulejo. O mobiliário é simples e possui
todos os essenciais, mas em mal estado de conservação. Na cozinha/ sala há uma geladeira
pequena bem enferrujada, uma mesa pequena de masseira com algumas cadeiras, um fogão de
4 bocas, um armário pequeno, um móvel pequeno com uma televisão média modelo novo e um
jogo de sofá de 2 e 3 lugares; na despensa há prateleiras com panelas; no dormitório da casal há
uma cama de casal e um guarda-roupa pequeno (com cupim); no outro dormitório há um sofá
velho e um cômoda (onde a Sra. Tukie guarda as roupas em sacolas plásticas devido cupim) e
nos banheiros há vaso sanitário, lavatório e cheveiro elétrico em apenas um banheiro”. As
despesas são: alimentação R$ 300,00; gás R$ 70,00; luz R$ 80,00; remédios para filha R$
110,00; combustível R$ 80,00; telefone fixo e celular R$ 100,00; clínica filha Yukie R$ 200,00. A
única renda do casal advém do benefício de pensão por morte que a companheira recebe, no
valor de R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais) mensais.
IV - A consulta ao CNIS (ID-71831281) indica que a companheira do autor recebe pensão por
morte previdenciária, desde 04.03.1994, no valor de um salário mínimo ao mês.
V - Análise do pedido à luz da recente decisão proferida no recurso extraordinário mencionado
em face às informações trazidas pelo estudo social coligido aos autos resta demonstrada a
situação de hipossuficiência econômica da demandante.
VI - Em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deve ser excluído do cálculo da
renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos,
independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o dispositivo
no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso.
VII - Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições
apresentadas, não justifica o indeferimento do benefício. Verifico que a situação é precária e de
miserabilidade, dependendo a autora do benefício assistencial para suprir as necessidades
básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição
Federal.
VIII - Apelação improvida. Tutela antecipada mantida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação. O Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
acompanhou a Relatora com ressalva de entendimento pessoal, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
