
| D.E. Publicado em 05/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0019406-31.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF.
Segundo a inicial, o autor é pessoa com deficiência, não tendo condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, fazendo jus ao benefício.
Concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo de 1º grau julgou procedente o pedido e condenou o INSS ao pagamento do benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo, em 22.04.2014, com correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, juros de mora nos termos do art. 11.960/09, e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, I, do CPC. Isentou a autarquia ao pagamento das custas e despesas processuais, por força do art. 8º, § 1º da lei 8.620/93.
Sentença proferida em 23.08.2017, não submetida ao reexame necessário.
Em apelação, o INSS sustenta que o autor não preenche o requisito da hipossuficiência para obtenção do beneficio, postulando a reforma da sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo parcial provimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF.
Considerando que o valor da condenação ou proveito econômico não ultrapassa 1.000 (mil) salários mínimos na data da sentença, conforme art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, não conheço da remessa oficial.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou a dispor:
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ (REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190):
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento" (destaquei).
Continuo mantendo o entendimento anterior porque, a meu ver, a fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da CF elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salário mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.
O laudo médico pericial feito em 02.10.2015, às fls. 76/79, atesta que o autor é portador de retardo mental grave, que o incapacita de forma total e permanente para o trabalho.
Dessa forma, a patologia apontada pelo perito se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 20, § 2º, I e II.
O estudo social feito em 25.08.2016, às fls. 68/74, informa que o autor reside com o pai, Luiz Carlos de Lima, de 48 anos, a mãe, Aparecida Ferreira da Silva de Lima, de 40, e as irmãs Gabrieli Ferreira de Lima, de 14, Grazieli Ferreira de Lima, de 11, e Gisele Ferreira de Lima, de 10, em casa própria, com cinco cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro, todos com piso frio e forro. As despesas são: alimentação R$ 350,00; água R$ 52,00; energia elétrica R$ 122,00; gás R$ 37,00. A única renda da família advém do trabalho informal do pai do autor, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais.
A consulta ao CNIS (doc. anexo) indica que a mãe do autor foi beneficiária de auxílio - doença previdenciário no período de 12.08.2011 a 03.11.2016, no valor de um salário mínimo ao mês; e, quanto ao pai, tem vínculo de trabalho no período de 22.07.2014 a 18.12.2014 e desde 03.05.2017, auferindo o valor, em média, de pouco mais de dois salários mínimos ao mês, sendo beneficiário de auxílio-doença previdenciária no período de 21.10.2015 a 12.05.2016, recebendo o valor, em média, de um salário mínimo e meio ao mês.
Dessa forma, a renda familiar per capita sempre é inferior à metade do salário mínimo desde 19.12.2014.
Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício desde 19.12.2014.
A situação é precária e de miserabilidade, dependendo a parte autora do benefício assistencial para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal, desde 19.12.2014.
Assim, preenche o autor todos os requisitos necessários ao deferimento do benefício desde 19.12.2014.
NÃO CONHEÇO da remessa oficial e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação para fixar o termo inicial do benefício em 19.12.2014.
É o voto.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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