
| D.E. Publicado em 16/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0006129-45.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF.
Segundo a inicial, o autor é pessoa com deficiência, não tendo condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, fazendo jus ao benefício.
Concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo de 1º grau julgou procedente o pedido e condenou o INSS ao pagamento do benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da citação, em 14.10.2015, com correção monetária pelo IPCA-E, juros de mora nos termos da Lei 11.960/09, e honorários advocatícios fixados em 10% do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, nos termos da Súmula 111 do STJ. Deferiu, ainda, a antecipação da tutela.
Sentença proferida em 28.08.2017, submetida ao reexame necessário.
Em apelação, o INSS sustenta que o autor não preenche o requisito da hipossuficiência para a obtenção do benefício, razão pela qual o apelado não faz jus ao benefício assistencial, postulando a reforma do julgado.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou a dispor:
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ (REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190):
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento" (destaquei).
Continuo mantendo o entendimento anterior porque, a meu ver, a fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da CF elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salário mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.
O laudo médico pericial trazido com a inicial, fls. 22/23, de 29.04.2015, em processo de interdição, atesta que o autor é portador de retardo mental grave, problema que o incapacita de forma total e permanente para qualquer atividade da vida civil.
Dessa forma, a patologia apontada pelo perito se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 20, § 2º, I e II.
O estudo social feito em 21.12.2016, às fls. 69/71, indica que o autor reside com o irmão e curador, Sr. Dejaniro Alves da Silva, de 34 anos, a cunhada Graciele Amorim de Oliveira da Silva, de 13, Miriam Amorim de Oliveira da Silva, de 11, e Beatriz Amorim de Oliveira da Silva, de 08. O irmão "é proprietário do sítio que possui duas casas onde reside ele e sua família acima citada e em outra casa reside sua mãe e Sra. Luzia Mendes da Costa Silva, de 73 anos que é aposentada e sua filha Maria Isabel Alves da Silva, de 41 anos que é uma pessoa com deficiência beneficiário do Benefício de Prestação Continuada - BCP. Segundo Dejaniro a renda da mãe e da irmã é toda destinada para as despesas delas e que José sempre morou com ele que possui uma renda de R$ 788,00 reais proveniente das vendas do leite". A assistente social relata que o autor e sua família não possuem condições mentais e físicas para exercer atividade laborativa e que a família não possui meios de prover sua manutenção.
A consulta ao CNIS indica que o último vínculo de trabalho do irmão do autor cessou em 16.04.2007, sendo beneficiário de auxílio-doença previdenciário no período de 03.12.2017 a 31.01.2018, de valor mínimo. A mãe, idosa, nascida em 14.12.1943, recebe pensão por morte previdenciário, desde 13.12.2009, e aposentadoria por idade, desde 09.02.2004, ambos de valor mínimo, um dos benefícios deve ser excluído da renda familiar, por analogia, nos termos do art. 34, par. único, da Lei nº 10.741/03. A irmã recebe amparo social à pessoa portadora de deficiência, desde 29.07.1997.
Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício.
A situação é precária e de miserabilidade, dependendo a parte autora do benefício assistencial que recebe para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal.
Assim, preenche o autor todos os requisitos necessários ao deferimento do benefício.
NEGO PROVIMENTO à apelação, mantendo a antecipação da tutela.
É o voto.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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| Data e Hora: | 07/08/2018 13:43:31 |
