Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5004843-44.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
22/10/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 25/10/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA CR.
REMESSA OFICIAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DOTJMS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º.
DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL.
JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de
reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a
sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
II - Constatam-se irregularidades no trâmite processual do presente feito, visto que, por se tratar
de ação de concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203,
V, da Constituição da República, ajuizada em face do INSS, a competência absoluta para seu
julgamento é da Justiça Federal, mesmo que processada por Juízo Estadual em exercício da
competência delegada.
III - Vislumbra-sea incompetência absoluta doE. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do
Sul para julgar a apelação interposta pela Autarquia, sendo oportuno destacar que, ainda que
tenha decorrido o prazo para a interposição de recursos em face do referido julgado, este não
produziu efeitos no mundo jurídico.
IV - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
V - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
VI - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
VII - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VIII - O termo inicial do benefício deve mantido na data da decisão que deferiu a antecipação dos
efeitos da tutela (01.07.2016), ante a ausência de recurso da parte autora.
IX - Recurso da Autarquia não conhecido no que tange à correção monetária e aos juros de mora,
visto que a sentença decidiu nos exatos termos de sua pretensão.
X - Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do
disposto no artigo 85, § 11, do CPC, fica a base de cálculo da verba honorária majorada para as
parcelas vencidas até a presente data, mantido o percentual de 10%.
XI -Reconhecida a incompetência doTJMS. Apelação do réu não conhecida em parte e, na parte
conhecida, improvida. Remessa oficial, tida por interposta, improvida.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5004843-44.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: EMILIANA DA ROSA DUARTE
PROCURADOR: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
APELAÇÃO (198) Nº 5004843-44.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: EMILIANA DA ROSA DUARTE
PROCURADOR: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de sentença
pela qual foi julgado procedente o pedido em ação para condenar o réu a conceder ao autor o
benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição da República, a partir da data do
deferimento da tutela de urgência (01.07.2016). Sobre as prestações atrasadas deverão incidir
correção monetária e juros de mora na forma da Lei nº 11.960/2009. O réu foi condenado, ainda,
ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% das parcelas vencidas até a data da
sentença. Não houve condenação em custas.
Por força da decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, foi noticiada a implantação
do benefício em favor da demandante (doc. ID Num. 4182317 - Pág. 77).
O réu apela, alegando não restaram preenchidos os requisitos para a concessão do benefício em
comento, quais sejam, a incapacidade para os atos da vida independente e a miserabilidade do
demandante. Subsidiariamente, pede seja o termo inicial do benefício estabelecido na data da
juntada aos autos do estudo social, bem como a aplicação dos juros e correção monetária na
forma da Lei 11.960/2009. Suscita o prequestionamento da matéria ventilada.
Com contrarrazões, foram os autos remetidos ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que
negou provimento ao apelo do INSS, com decurso de prazo, sem interposição de recurso contra o
acórdão proferido por aquela Corte, em 15.12.2017.
Iniciado procedimento de execução invertida, foi verificada pelo Juízo a quo a incompetência
material do TJMS para análise da apelação interposta pelo INSS, determinando-se a remessa
dos autos a esta Corte.
A d. representante do Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação do réu,
com a antecipação, de ofício, dos efeitos da tutela jurisdicional.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5004843-44.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: EMILIANA DA ROSA DUARTE
PROCURADOR: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
V O T O
Recebo a apelação do INSS, na forma do artigo 1.011 do CPC de 2015.
Da remessa oficial tida por interposta
Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de
reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a
sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
Do julgamento do apelo do INSS pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.
Efetivamente, constatam-se irregularidades no trâmite processual do presente feito, visto que, por
se tratar de ação de concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no
artigo 203, V, da Constituição da República, ajuizada em face do INSS, a competência absoluta
para seu julgamento é da Justiça Federal, mesmo que processada por Juízo Estadual em
exercício da competência delegada.
Vislumbra-se, por conseguinte, a incompetência absoluta doE. Tribunal de Justiça do Estado do
Mato Grosso do Sul para julgar a apelação interposta pela Autarquia, sendo oportuno destacar
que, ainda que tenha decorrido o prazo para a interposição de recursos em face do referido
julgado, este não produziu efeitos no mundo jurídico.
Passo, assim,ao julgamento do mérito.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica
realizada em 03.10.2016 (doc. ID Num. 4182318 - Pág. 18/25), constatou que a autora padece de
miocardiopatia dilatada, lombociatalgia e artrose de joelhos, doenças crônicas e degenerativas,
presentes há vários anos, que tendem a se agravar com o tempo, encontrando-se definitivamente
inválida para exercer trabalhos que possam prover o seu sustento.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 16.07.2016 constatou que a autora reside com
seu marido, idoso, e uma filha adotiva de 17 anos, estudante, em imóvel próprio, construído em
madeira, composto por dois quartos, sala e varanda. A cozinha fica separada, assim como o
banheiro, uma “casinha de madeira” nos localizada fundos da residência. A moradia é humilde,
porém limpa e organizada, localizada em bairro muito pobre, sem asfalto e esgoto. Nos fundos
passa um rio denominado “Candelão”, o qual transborda quando chove, alagando os fundos da
casa, situação que já levou a demandante a ir para um abrigo em razão de uma enchente. A
residência é guarnecida por poucos móveis e utensílios, dentre eles fogão a gás e a lenha, mesa,
cadeiras, sofá rasgado, camas, televisão e geladeira com defeito, o que faz com que tenham que
buscar gelo na casa de um vizinho. A renda da família consiste no benefício de prestação
continuada recebido pelo esposo da demandante, que não entra no cômpito da renda familiar,
além de R$ 112,00 provenientes do programa Bolsa Família. Foram informados gastos com água
(R$ 120,00), energia elétrica (R$ 60,00) e mercado (R$ 500,00), além de medicamentos, em valor
não declarado.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a autora preenche o requisito
referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do
benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve mantido na data da decisão que deferiu a antecipação dos
efeitos da tutela (01.07.2016), ante a ausência de recurso da parte autora.
Não conheço do recurso da Autarquia no que tange à correção monetária e aos juros de mora,
visto que a sentença decidiu nos exatos termos de sua pretensão.
Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do
disposto no artigo 85, § 11, do CPC, fica a base de cálculo da verba honorária majorada para as
parcelas vencidas até a presente data, mantido o percentual de 10%.
Deixo de acolher o parecer ministerial na parte em que opina pela antecipação, de ofício, dos
efeitos da tutela jurisdicional, visto que esta já foi deferida em primeira instância, tendo havido a
implantação do benefício em favor da parte autora.
Diante do exposto, reconheço a incompetência do E. Tribunal de Justiça do Estado do Mato
Grosso do Sul para o julgamento do presente recurso,não conheço de parte da apelação do réu
e, na parte conhecida, nego-lhe provimento, assim como nego provimento à remessa oficial tida
por interposta. As parcelas pagas a título de antecipação de tutela deverão ser compensadas
quando da liquidação da sentença.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA CR.
REMESSA OFICIAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DOTJMS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º.
DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL.
JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de
reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a
sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
II - Constatam-se irregularidades no trâmite processual do presente feito, visto que, por se tratar
de ação de concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203,
V, da Constituição da República, ajuizada em face do INSS, a competência absoluta para seu
julgamento é da Justiça Federal, mesmo que processada por Juízo Estadual em exercício da
competência delegada.
III - Vislumbra-sea incompetência absoluta doE. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do
Sul para julgar a apelação interposta pela Autarquia, sendo oportuno destacar que, ainda que
tenha decorrido o prazo para a interposição de recursos em face do referido julgado, este não
produziu efeitos no mundo jurídico.
IV - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
V - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
VI - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
VII - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VIII - O termo inicial do benefício deve mantido na data da decisão que deferiu a antecipação dos
efeitos da tutela (01.07.2016), ante a ausência de recurso da parte autora.
IX - Recurso da Autarquia não conhecido no que tange à correção monetária e aos juros de mora,
visto que a sentença decidiu nos exatos termos de sua pretensão.
X - Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do
disposto no artigo 85, § 11, do CPC, fica a base de cálculo da verba honorária majorada para as
parcelas vencidas até a presente data, mantido o percentual de 10%.
XI -Reconhecida a incompetência doTJMS. Apelação do réu não conhecida em parte e, na parte
conhecida, improvida. Remessa oficial, tida por interposta, improvida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, declarar a nulidade do
acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, não conhecer de
parte da apelação do réu e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, assim como negar
provimento à remessa oficial tida por interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
