
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5726030-33.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: Y. V. D. C. M. M.
Advogado do(a) APELADO: RITA DE CASSIA PEREIRA DE OLIVEIRA - SP379723-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5726030-33.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: Y. V. D. C. M. M.
Advogado do(a) APELADO: RITA DE CASSIA PEREIRA DE OLIVEIRA - SP379723-N
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R E L A T Ó R I O
O Exmo. Senhor Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de sentença pela qual foi julgado procedente o pedido do autor, para condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição da República, a partir da data do requerimento administrativo (05.07.2017). Sobre as prestações atrasadas deverá incidir correção monetária, consoante INPC e juros de mora, a partir da citação, segundo índice de remuneração da caderneta de poupança. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios nos percentuais mínimos do artigo 85 do CPC, a serem fixados em liquidação, incidentes sobre as prestações vencidas até a data da sentença. Sem custas processuais. Concedida a tutela antecipada, determinando-se a imediata implantação do benefício, tendo sido cumprida a decisão judicial, consoante noticiado pelo réu.
O réu apela argumentando não restarem preenchidos os requisitos para a concessão do benefício. Subsidiariamente, requer sejam observados os critérios de cálculo de correção monetária e juros de mora previstos na Lei nº 11.960/09.
Com as contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta E. Corte.
O i. representante do Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do réu.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5726030-33.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: Y. V. D. C. M. M.
Advogado do(a) APELADO: RITA DE CASSIA PEREIRA DE OLIVEIRA - SP379723-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC, recebo a apelação do réu.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.Coube à Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS), a instituição do referido benefício, tratando dos critérios para sua concessão em seus artigos 20 e 21. Por sua vez, a Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, veio modificar os referidos dispositivos, sendo aplicáveis para os benefícios requeridos a partir de sua edição - caso dos autos - os seguintes requisitos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. § 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. § 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo.§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.Assim, para que alguém faça jus ao benefício pleiteado, deve ser portador de deficiência ou ter mais de 65 anos e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011).Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão previsto no caput do art. 21.Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico pericial, elaborado em 17.04.2018, atesta que a autora, com dois anos de idade, é portadora de encefalopatia anóxica perinatal com tetraplegia espástica, deficiência mental, estrabismo e epilepsia.
Faz-se mister, aqui, observar o que dispõe o art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/2007:
Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
§ 1o Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação continuada às crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade.Neste passo, em se tratando de criança, não há que se perquirir quanto à sua capacidade laborativa, mas deve-se ter em conta as limitações que a deficiência de que é portadora impõem ao seu desenvolvimento e a atenção especial de que necessita.
Assim, a deficiência apresentada pela autora autoriza a concessão do benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. (...)Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente.(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
O estudo social, realizado em 28.04.2018, constatou que o núcleo familiar do autor é composto por seus genitores e mais dois irmãos. A família reside em imóvel próprio, composto de quatro cômodos, sendo dois quartos, um banheiro, sala e cozinha. A renda mensal familiar é proveniente dos rendimentos do genitor como motorista de canavieiro, no valor de R$ 1.890,00. A genitora não trabalha, em razão dos cuidados com a filha. As despesas mensais declaradas são na ordem de R$ 989,00, decorrentes de alimentação, água, energia elétrica, fraldas, pedasure, gastos com viagem para tratamento junto ao Hospital Luci Montoro, em Marília/SP. O genitor paga pensão alimentícia a um outro filho, no valor aproximado de R$ 400,00. A autora é portadora de órtese de pés e mão esquerda. Necessita de um colete que tem um custo de R$ 850,00 e a família não possui condições de arcar. Faz sessões de fisioterapia, duas por semana, ao custo de R$ 150,00 mensais e de equoterapia (quatro sessões por mês), ao custo de R$ 320,00 mensais.
Verifica-se, pelos dados do CNIS, que o genitor da demandante, à época do laudo social, percebia rendimentos R$ 3.156,21. No entanto, em decorrência dos graves problemas de saúde da filha, não é suficiente para o custeio do tratamento adequado e o sustento da família.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos, demonstra que a autora preenche o requisito referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
Mantido o termo inicial do benefício a contar da data do requerimento administrativo (05.07.2017), em conformidade com sólido entendimento jurisprudencial.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de poupança a partir de 30.06.2009.
Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, os honorários advocatícios, fixados nos percentuais mínimos, deverão incidir sobre as prestações vencidas até a data do presente acórdão, eis que de acordo com o entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.
As parcelas pagas a título de antecipação de tutela deverão ser compensadas, quando da liquidação da sentença.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do réu.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5726030-33.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: Y. V. D. C. M. M.
Advogado do(a) APELADO: RITA DE CASSIA PEREIRA DE OLIVEIRA - SP379723-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O e. Relator Desembargador Federal Sergio Nascimento apresentou voto no sentido de negar provimento à apelação interposta pelo INSS, mantendo a sentença que concedeu o benefício assistencial à autora incapaz, portadora de deficiência.
Para melhor refletir sobre o tema, pedi vista dos autos e, nesta oportunidade, expresso meu posicionamento acerca da questão posta.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
O benefício assistencial requer, portanto, o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
Não há controvérsia acerca do requisito da deficiência, em face da conclusão do laudo médico pericial, que concluiu que a pericianda Yasmin Vitória da Cruz Mariano Marques, nascida em 01/09/2015, é portadora de encefalopatia anóxica perinatal com tetraplegia espástica, deficiência mental, estrabismo e epilepsia, e conclui que em virtude desse quadro clínico há incapacidade total e permanente para a vida independente.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pela autora Yasmin Vitória da Cruz Mariano Marques, os genitores Ricardo Aparecido Mariano Marques, motorista canavieiro, empregado formalmente, e Lucineia da Cruz Mariano Marques, desempregada, e os irmãos Ricardo Aparecido Mariano Marques Junior, nascido em 12/02/2010 e Luis Phelipe da Cruz Paião, nascido em 18/10/2002, sem renda.
Na visita domiciliar realizada no dia 28/04/2018, constatou a Assistente Social que a família residia em casa própria, composta por dois dormitórios, sala, cozinha e banheiro.
A renda familiar era proveniente do salário do genitor, no valor de R$1.890,00.
Foram informadas despesas com alimentação, energia elétrica, água, gás, fraldas, Pedasure e com viagens para tratamento da autora no Hospital Luci Montoro, situado em outro Município, e consta que o genitor pagava pensão alimentícia a outra filha, no valor aproximado de R$400,00.
Relatou a Assistente Social que a autora necessitava de cuidados e acompanhamentos de especialista para que sua situação não se agravasse ainda mais, que ela fazia uso de órtese nos pés e na mão esquerda, cedidos pelo Hospital que a atendia, todavia, necessitava de um colete que custava R$850,00 e a família tinha condições de pagar, devido aos gastos excessivos com consultas médicas, medicamentos, exames, procedimentos, sessões de fisioterapia e equoterapia; e que o genitor estava com várias dívidas na empresa por conta dos empréstimos e débitos em cartões de alimentação, o qual estava sem saldo há três meses.
Concluiu a experta favoravelmente pela concessão do benefício à requerente, para que pudesse ter continuidade aos tratamentos e acompanhamentos que realizava e uma melhor qualidade de vida.
Como se vê do estudo social, o genitor é o único responsável pela mantença do grupo familiar composto por cinco pessoas, sendo dois adultos, a autora deficiente e dois irmãos menores de idade.
Cabe destacar que a genitora da autora laborou formalmente como empregada doméstica até o nascimento da autora, todavia, ela não pode retornar ao mercado de trabalho para complementar o orçamento doméstico em virtude dos problemas permanentes de saúde da filha, que é tetraplégica e necessita de seus cuidados em tempo integral.
Extrai-se do holerite que instruiu a petição inicial, que no mês de outubro de 2017, o salário do genitor correspondeu ao valor bruto de R$2.994,17 e líquido de R$1.112,57, após os descontos de contribuição previdenciária e sindical, mensalidade AFC Associação, cartão convênio, pensão alimentícia, seguro de vida, equipamentos/materiais, parcela de empréstimo e FGTS, no montante de R$1.881,60.
Entretanto, como se vê do referido documento, seu salário normal correspondeu ao valor R$1.668,43 e a remuneração a maior só foi alcançada com a realização de serviço extraordinário, evidenciando o empenho do genitor em prover as necessidades básicas da família, sem, contudo, lograr êxito.
Como posto pelo douto custos legis em primeira instância, “o critério da renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo traduz juízo de certeza acerca da miserabilidade (presunção absoluta). Mas não significa que a renda superior a tal critério legal afasta a situação de penúria da família. Não à toa que o § 11º do mesmo artigo 20 da Lei nº. 8.742/93, inserido pela Lei nº. 13.146/15, estabelece que: “Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.”
Destarte, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que a autora encontra-se em situação de vulnerabilidade e risco social e que preenche os requisitos legais para usufruir do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
Assim, após exame acurado da situação posta a desate, verifiquei que a solução dada pelo e. Relator é a mais adequada, conforme fundamentos por ele adotados em seu voto.
Ante o exposto, acompanho o voto do e. Relator, para negar provimento à apelação.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio: Na presente Sessão, o Exmo. Desembargador Federal Sérgio Nascimento proferiu voto negando provimento à apelação do INSS.
Trata-se de apelação de sentença pela qual foi julgado procedente o pedido do autor, para condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição da República, a partir da data do requerimento administrativo (05.07.2017). Sobre as prestações atrasadas deverá incidir correção monetária, consoante INPC e juros de mora, a partir da citação, segundo índice de remuneração da caderneta de poupança. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios nos percentuais mínimos do artigo 85 do CPC, a serem fixados em liquidação, incidentes sobre as prestações vencidas até a data da sentença. Sem custas processuais. Concedida a tutela antecipada, determinando-se a imediata implantação do benefício, tendo sido cumprida a decisão judicial, consoante noticiado pelo réu.
O réu apela argumentando não restarem preenchidos os requisitos para a concessão do benefício. Subsidiariamente, requer sejam observados os critérios de cálculo de correção monetária e juros de mora previstos na Lei nº 11.960/09.
Quanto ao requisito de incapacidade, acompanho o E. Relator. Entretanto, em relação à miserabilidade, tenho entendimento diverso.
Assinale-se que o benefício aqui postulado é de natureza assistencial e deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do recolhimento de contribuições.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.".
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
"Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo."
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013).
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
"Agravos regimentais em reclamação. Perfil constitucional da reclamação. Ausência dos requisitos. Recursos não providos. 1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões (art. 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação de súmula vinculante (art. 103-A, § 3º, CF/88). 2. A jurisprudência desta Corte desenvolveu parâmetros para a utilização dessa figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF. 3. A definição dos critérios a serem observados para a concessão do benefício assistencial depende de apurado estudo e deve ser verificada de acordo com as reais condições sociais e econômicas de cada candidato à beneficiário, não sendo o critério objetivo de renda per capta o único legítimo para se aferir a condição de miserabilidade. Precedente (Rcl nº 4.374/PE) 4. Agravos regimentais não providos."(Rcl 4154 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-229 DIVULG 20-11-2013 PUBLIC 21-11-2013)
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido." (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão, pela Lei 13.146/2015, do § 11, no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a existir previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Dessa forma, feitas tais considerações, conclui-se que somente o cálculo da renda per capita, por si só, não é suficiente para verificar a existência da hipossuficiência, necessária à concessão do benefício. Há que se levar em conta todo o conjunto probatório do caso concreto.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
No Estudo Social, produzido em 28.04.2018, consta que a família é composta pela parte postulante, seus pais e dois irmão, à época com 8 e 16 anos de idade. Foi informado que o pai era motorista canavieiro e tinha renda bruta de pouco menos de R$ 3.000,00, mas que, em razão de empréstimos e débitos no cartão alimentação, estava sem receber há três meses. Também foi informado que o mesmo paga pensão alimentícia a outra filha. As despesas informadas foram com alimentação (R$ 422,00), água (R$ 115,54), energia elétrica (R$ 60,46), gás (R$ 70,00), fraldas (R$ 23,90), Pedasure (R$ 138,00), gastos com viagem para tratamento (R$ 160,00), totalizando R$ 989,90. Consta também dos autos que a autora faz fisioterapia (2 vezes por semana) ao custo de R$ 150,00, e equoterapia (4 vezes por mês) ao custo de R$ 320,00.
Pela análise da documentação dos autos nota-se que os pais da autora se esforçam para prover a filha de tratamentos a fim de auxiliá-la em sua recuperação.
Entretanto, em que pese a gravidade da doença da autora e o louvável esforço dos pais, há que se considerar que o direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação de sensível carência material enfrentada pelo postulante, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo constituinte, isto é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta privação de recursos, e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o tão combalido orçamento da Seguridade Social.
O benefício em questão é devido àqueles que não tem condições de manutenção de suas necessidades básicas, nem de tê-las providas por seus familiares ou por terceiros.
O pai da autora tem um emprego que lhe gera um salário mensal, suficiente para o pagamento das despesas básicas de alimentação e manutenção da residência, bem como, acesso a tratamentos de fisioterapia e equoterapia.
Dessa forma, não se pode dizer que a autora está desamparada materialmente, em comparação a tantos outros casos nos quais o benefício assistencial seria a única renda possível para que uma família possa se alimentar e pagar despesas básicas como água, luz e alimentação.
Entendo que o caso não se enquadra nas hipóteses de assistência social, mas sim de saúde, portanto não se encontra abrangido pelo benefício em questão.
Assim, no caso em apreço, entendo que não restaram satisfeitos todos os requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do texto constitucional, e art. 20, caput, da Lei 8.742/1993.
Ante o exposto, com a máxima vênia, divirjo do E. Desembargador Federal Relator, para dar provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido, cassando a tutela antecipada concedida anteriormente.
Observo que, apesar do julgamento do recurso representativo de controvérsia REsp nº 1.401.560/MT, entendo que, enquanto mantido o posicionamento firmado pelo e. STF no ARE 734242 AgR, este deve continuar a ser aplicado nestes casos, afastando-se a necessidade de devolução de valores recebidos de boa fé, em razão de sua natureza alimentar.
Honorários advocatícios pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei 13.105/15).
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93 define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar.
V - Em razão do trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos do artigo 85, § 11, do Novo Código de Processo Civil de 2015, fixo os honorários advocatícios em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da presente decisão, eis que de acordo com o entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.
VI - Por fim, o STJ entendeu que a Lei Estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei Estadual nº 1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei Estadual nº 3.002/2005, que trata de , e não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do Sul (Resp: 186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE, Data de Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica mantida a condenação da autarquia ao pagamento das custas.
VII - Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, após o voto-vista do Des. Fed. Baptista Pereira, no sentido de acompanhar o relator decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento à apelação do réu, vencido o Des. Fed. Nelson Porfirio, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
