Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001506-47.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
27/10/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/10/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. NÃO COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
JUSTIÇA GRATUITA.
I -Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V- Do exame dos laudos sociais acostados aos autos, verifica-se que o rendimento do genitor
proporcionava à família, composta por quatro membros, renda “per capita” superior a um quarto
de salário mínimo, não havendo subsunção aos limites fixados pelo art. 20, §3º, da Lei n.
8.742/93 , com a redação dada pela Lei n. 12.435/2011, em vigor à época dos fatos.
VI - Écerto que as despesas fixas são altas em relação à renda líquida auferida pelo genitor do
autor, contudo cabe ponderar que certas despesas guardam relação com o padrão de vida
mantido pela família, que pode ser considerado acima da média nacional, haja vista o porte do
imóvel objeto de financiamento, a titularidade de um automóvel (Siena 2012/2013), bem como a
quantia gasta em supermercado.
VII - Adespeito de o autor encontrar-se acometido de enfermidades graves (paralisia cerebral
espástica com retardo mental grave a profundo, hidrocefalia e síndrome de West), a demandar
inúmeros procedimentos médicos, bem como a aquisição de vários medicamentos, há o suporte
do plano de saúde contratado (CASSEMS), que reembolsa grande parte das despesas
efetuadas.Cabe ressaltar, ainda, que o genitor do autor ostenta a condição de Funcionário
Público Estadual do Estado do Mato Grosso do Sul, gozando, portanto, de estabilidade funcional,
o que garante uma perspectiva de manutenção de renda, bem como a facilidade de obtenção de
crédito.
VIII - Não se ignoram as dificuldades econômicas enfrentadas pela família, todavia a
miserabilidade, considerada a acepção legal dada pela Lei n. 8.742/1993, não restou
demonstrada, cabendo ao Poder Público, entretanto, a realização de ações e serviços que visem
a promoção, proteção e recuperação da saúde do autor, a teor do art. 196 da Constituição
Federal.
IX - É de se esclarecer que como as despesas necessárias e rendimentos estão em um patamar
quase equivalente, considerando-se, ainda, a possibilidade do surgimento de novos gastos, a
parte autora poderá pleitear o benefício em comento novamente, caso haja alteração de sua
situação econômica.
X - Não há de se cogitar sobre eventual devolução dos valores recebidos a título de tutela
antecipada, levando-se em conta a boa fé do demandante, decorrendo de decisão judicial, e o
caráter alimentar do benefício, consoante tem decidido a E. Suprema Corte (STF, ARE 734242
AgR, Relator Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 04.08.2015, processo eletrônico
DJe-175, divulg. 04.09.2015, public. 08.09.2015).
XI - Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), conforme previsto no artigo
85, §§ 4º, III, e 8º, do CPC. A exigibilidade da verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco)
anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão
dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto
processual.
XII- Apelação do INSSe remessa oficial, tida por interposta, providas, em retificação de voto.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001506-47.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: E. E. D. S. B.
REPRESENTANTE: JAQUELINE EUGENIA DA SILVA BALDUINO
Advogado do(a) APELADO: GISELE RIBEIRO FAVERAO - MS9904,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001506-47.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: E. E. D. S. B.
REPRESENTANTE: JAQUELINE EUGENIA DA SILVA BALDUINO
Advogado do(a) APELADO: GISELE RIBEIRO FAVERAO - MS9904,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator):Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado procedente o pedido em ação previdenciária para condenar o réu
a conceder ao autor o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição da
República, desde o pedido administrativo. As prestações atrasadas serão pagas com correção
monetária e juros de mora na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal. O réu foi
condenado, ainda, ao pagamento de custas, e de honorários advocatícios arbitrados em 15%
sobre o valor da condenação até a data da sentença. Concedida a antecipação dos efeitos da
tutela para a implantação do benefício, sem cominação de multa.
A implantação do benefício foi noticiada nos autos.
O réu apela, aduzindo que não restaram preenchidos os requisitos para a concessão do
benefício em comento. Subsidiariamente, pede a fixação do termo inicial do benefício na data
da juntada do laudo pericial, e a redução dos honorários advocatícios.
Após contrarrazões, os autos vieram a esta Corte.
O d. representante do Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, e
aplicação dos juros conforme índices de atualização da poupança, e correção monetária pelo
IPCA-E.
Na sessão do dia 05.12.2018 o julgamento foi convertido em diligência para elaboração de novo
estudo social.
Em 18.06.2019 foi realizado estudo social.
Nova vista ao Ministério Público Federal, em que reitera o parecer anterior, opinando pelo
desprovimento da apelação do INSS, e manutenção do benefício.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001506-47.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: E. E. D. S. B.
REPRESENTANTE: JAQUELINE EUGENIA DA SILVA BALDUINO
Advogado do(a) APELADO: GISELE RIBEIRO FAVERAO - MS9904,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação do INSS.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento
da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência deincapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressãopessoa portadora de
deficiênciaconstante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua
abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que adeficiênciaé geradora deincapacidade
laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto
Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da
República, o texto daConvenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu
Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à
referidaConvençãostatus normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
AConvenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar
do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito
do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais
extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento,
inclusive de natureza sensorial, que tenhapotencialidadepara a obstrução da participação social
do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste
artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não
tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em
sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico
pericial (06.04.2017), atesta que o autor, nascido em 05.03.2014, é portador de sequela de
paralisia cerebral espástica com retardo mental grave a profundo, hidrocefalia, e síndrome de
West, sendo completamente dependente do cuidado dos pais para sua sobrevivência. Faz-se
mister, aqui, observar o que dispõe o art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/2007:
Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
§ 1o Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação continuada às crianças e
adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da
deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da
participação social, compatível com a idade.
Neste passo, em se tratando de criança, não há que se perquirir quanto à sua capacidade
laborativa, mas deve-se ter em conta as limitações que a deficiência de que é portadora
impõem ao seu desenvolvimento e a atenção especial de que necessita.
Portanto, a parte autora fará jus ao benefício assistencial caso preencha o requisito
socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para
'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras
pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiarper capita, observado o
limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11,
acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de rendaper capitanão excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede
de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por
acórdão que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual
se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por
ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da
questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da
Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por umprocesso de inconstitucionalização".
Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo
destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os
critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no
sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com
deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade,
que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os
indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de
um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 07.02.2017, constatou que o núcleo familiar do
autor é composto por ele, genitores, e um irmão de 13 anos, e residem em casa financiada, em
boas condições de habitação, e com móveis e eletrodomésticos em boas condições de uso e
organização. Os gastos são com o tratamento do filho (algumas despesas são custeadas pelo
plano de saúde, com base em liminar que garantiu o reembolso), financiamento da casa (R$
500,00), mercado (R$ 600,00), farmácia (R$ 200,00), acrescido do valor de R$ 250,00 (quando
precisam comprar medicamento Topamax), fraldas (R$ 300,00), leite, espessante e mucilon (R$
170,00), contas de água e luz (R$ 250,00). Possuem um carro Siena 2012, utilizado para levar
o filho às terapias, com gasto de R$ 600,00 mensais, com combustível.O pai é funcionário
público no IAGRO, com renda mensal de R$ 3.009,50, e valor líquido de R$ 1.824,75, em razão
de empréstimos consignados. A mãe está desempregada, dedicando-se aos cuidados com o
filho. Já realizaram campanhas entre familiares e amigos para conseguir pagar o tratamento do
filho.
Realizado novo estudo social em 18.06.2019, constatou-se que o autor, de 5 anos e com
necessidades especiais (portador de hidrocefalia, paralisia cerebral e síndrome de West), vive
com os pais e um irmão de 16 anos. O autor recebe tratamento fisioterápico em casa. Realiza,
ainda, terapia ocupacional, e acompanhamento com fonoaudióloga, três vezes por semana,
cada um, na cidade de Dourados. O tratamento do método Therasuit, protocolo de terapia
intensiva, é feito em Campo Grande, e tem ajudado muito no desenvolvimento do demandante.
Parte das despesas são custeadas pelo plano de saúde Cassems, em razão do genitor ser
funcionário público estadual. O restante é custeado pela família, que ingressou com ação
judicial para ampliar o atendimento, tendo em vista que as sessões de fisioterapia são limitadas
pela Cassems a 12 sessões mensais e o autor necessita de 16 sessões mensais, com o custo
de R$ 120,00, cada sessão. A Prefeitura Municipal fornecia um tanque de gasolina à família
para o transporte até o mês de abril/2019, mas foi suspenso, fazendo com que haja uma
despesa de R$ 450,00, apenas com o deslocamento até Dourados.
A renda da família consiste no rendimento líquido do genitor no valor de R$ 2.145,00, e já
realizaram ações entre amigo, como rifa e almoço para angariar fundos. Recebem doações de
leite, fraldas e roupas de familiares. Residem em casa própria, e pagam financiamento no valor
de R$ 500,00. O imóvel tem 7 cômodos (três quartos, cozinha, sala e dois banheiros), com
móveis e eletrodomésticos simples, e que já guarneciam a casa antes do nascimento de
Eduardo. Os gastos são com supermercado (R$ 800,00, pagamento por meio de notas
promissórias), Pediasure Complete (R$ 80,00, duas latas de leite por mês), Fortifit Pro –
Cassems (R$ 252,00), fraldas e lenços umedecidos (R$ 300,00), farmácia (R$ 500,00), gasolina
(R$ 450,00), energia (R$ 245,00), financiamento (R$ 500,00), órtese de pés (R$ 950,00, a cada
oito meses), e pagamento de R$ 22,00, de fator moderador nas consultas médicas. Possuem
três celulares, de modelo simples, e um veículo Siena 2012/2013, utilizado para o transporte do
autor para os tratamentos. A genitora informou que o filho vai realizar uma cirurgia no quadril
bilateral na AACD -Ibirapuera, com custo de 80% pago pela Cassems, e o restante pago em 20
parcelas de R$ 188,00, através de financiamento pela Caixa Econômica. Conseguiram o valor
para transporte pela Secretaria de Saúde, mas as outras despesas serão custeadas pela
família. De acordo com o estudo, a criança usa válvula de derivação na cabeça, faz uso de
cadeira de rodas, cadeira de postura, cadeira parapodium e cadeira de banho.
Convém ressaltar que, não obstante o rendimento do genitor, a família, composta por quatro
membros, apresenta renda “per capita” inferior a um salário mínimo, em razão degastos altos
com o tratamento do autor, encontrando-se o grupo familiar desguarnecido.
A mãe dedica-se integralmente ao filho, que não fala e não anda, levando-o diariamente a
Dourados, distante 40 km de Fátima do Sul, e regularmente para Campo Grande, para realizar
as terapias, sem as quais a condição do autor seria mais debilitante, e dessa forma, a genitora
não consegue exercer atividade laborativa.
Assim, ainda que a Cassems assuma o reembolso de alguns procedimentos médicos e de
alguns remédios, observa-se que os gastos são altos, e que o ressarcimento não se verifica em
todas as ocasiões, como se pode ver do indeferimento de pedido de reembolso para exame
eletroencefalograma (id 1790304).
Ademais, a família se sujeita a realizar “vaquinha” entre amigos e familiares para conseguir
realizar o tratamento. Conforme observação do estudo social há necessidade de intensificação
das terapias complementares durante a fase da infância, pois a musculatura ainda está em fase
de ser estimulada, caso contrário, poderá atrofiar. Trata-se de uma situação em que os
genitores buscam dar condições para um melhor prognóstico para o filho na fase adulta.
Não se trata de uma situação “comum”, uma vez que o menor possui necessidades
diferenciadas, em razão de apresentar seqüela de paralisia cerebral espástica, com retardo
mental grave a profundo, hidrocefalia, e síndrome de West. Ainda que tenha suas necessidades
de alimentação e sobrevivência atendidas, as suas demandas básicas são superiores ao de
outra criança na mesma idade, configurando os tratamentos realizados, ainda, que alternativos,
possibilidades de um melhor desenvolvimento. Apenas o atendimento de necessidades básicas
como alimentação e moradia não permitem seu desenvolvimento, relegando o autor a um mero
estado de sobrevivência vegetativa, eis que ante sua enfermidade apresenta necessidades
extraordinárias que comprometem significativamente o rendimento do genitor.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o
requisito referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à
concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na forma fixada na sentença, na data do pedido
administrativo (22.12.2014), eis que conforme entendimento jurisprudencial.
Os juros de mora e a correção monetária serão calculados na forma da lei de regência.
Em razão do trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos do
artigo85, § 11, do Novo Código de Processo Civil de 2015, fixo os honorários advocatícios em
15% sobre o valor das parcelas vencidas até a data dopresente julgamento, eis que de acordo
com o entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.
Por fim, o STJ entendeu que a Lei Estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei
Estadual nº 1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei Estadual nº 3.002/2005, que trata
de custas, e não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso
do Sul (Resp: 186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do
TJ/CE, Data de Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica mantida a condenação da
autarquia ao pagamento das custas.
Diante do exposto,nego provimento à apelação do INSS.
As parcelas recebidas em antecipação de tutela serão resolvidas em liquidação.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Consoante retificação de voto
procedida, em 23.03.2021, na sessão ordinária desta 10ª Turma, passo, a seguir, à declaração
de retificação do voto anteriormente apresentado.
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação do INSS.
DA REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
O § 3ºdo art.496 do novo CPC ao fazer referência expressa a "valor certo e liquido", não
permite que se afaste a remessa oficial sem que que a sentença preencha tal requisito, caso
contrário não faria sentido essa exigência de liquidez e certeza, ou seja, a lei estabelece dois
requisitos cumulativos: valor certo e liquido e que não ultrapasse o limite em salários mínimos
legalmente fixado.
Em consequência, retomando o entendimento inicial, aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula
490 do E. STJ, que assim dispõe:
"A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido
for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".
DO MÉRITO.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento
da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência deincapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressãopessoa portadora de
deficiênciaconstante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua
abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que adeficiênciaé geradora deincapacidade
laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto
Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da
República, o texto daConvenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu
Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à
referidaConvençãostatus normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
AConvenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar
do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito
do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais
extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento,
inclusive de natureza sensorial, que tenhapotencialidadepara a obstrução da participação social
do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste
artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não
tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em
sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico
pericial (06.04.2017), atesta que o autor, nascido em 05.03.2014, é portador de sequela de
paralisia cerebral espástica com retardo mental grave a profundo, hidrocefalia, e síndrome de
West, sendo completamente dependente do cuidado dos pais para sua sobrevivência. Faz-se
mister, aqui, observar o que dispõe o art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/2007:
Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
§ 1o Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação continuada às crianças e
adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da
deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da
participação social, compatível com a idade.
Neste passo, em se tratando de criança, não há que se perquirir quanto à sua capacidade
laborativa, mas deve-se ter em conta as limitações que a deficiência de que é portadora
impõem ao seu desenvolvimento e a atenção especial de que necessita.
Portanto, a parte autora fará jus ao benefício assistencial caso preencha o requisito
socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para
'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras
pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiarper capita, observado o
limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11,
acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de rendaper capitanão excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede
de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por
acórdão que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual
se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por
ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da
questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da
Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por umprocesso de inconstitucionalização".
Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo
destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os
critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no
sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com
deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade,
que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os
indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de
um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 07.02.2017, constatou que o núcleo familiar do
autor é composto por ele, genitores, e um irmão de 13 anos, e residem em casa financiada, em
boas condições de habitação, e com móveis e eletrodomésticos em boas condições de uso e
organização. Os gastos são com o tratamento do filho (algumas despesas são custeadas pelo
plano de saúde, com base em liminar que garantiu o reembolso), financiamento da casa (R$
500,00), mercado (R$ 600,00), farmácia (R$ 200,00), acrescido do valor de R$ 250,00 (quando
precisam comprar medicamento Topamax), fraldas (R$ 300,00), leite, espessante e mucilon (R$
170,00), contas de água e luz (R$ 250,00). Possuem um carro Siena 2012, utilizado para levar
o filho às terapias, com gasto de R$ 600,00 mensais, com combustível.O pai é funcionário
público no IAGRO, com renda mensal de R$ 3.009,50, e valor líquido de R$ 1.824,75, em razão
de empréstimos consignados. A mãe está desempregada, dedicando-se aos cuidados com o
filho. Já realizaram campanhas entre familiares e amigos para conseguir pagar o tratamento do
filho.
Realizado novo estudo social em 18.06.2019, constatou-se que o autor, de 5 anos e com
necessidades especiais (portador de hidrocefalia, paralisia cerebral e síndrome de West), vive
com os pais e um irmão de 16 anos. O autor recebe tratamento fisioterápico em casa. Realiza,
ainda, terapia ocupacional, e acompanhamento com fonoaudióloga, três vezes por semana,
cada um, na cidade de Dourados. O tratamento do método Therasuit, protocolo de terapia
intensiva, é feito em Campo Grande, e tem ajudado muito no desenvolvimento do demandante.
Parte das despesas são custeadas pelo plano de saúde Cassems, em razão do genitor ser
funcionário público estadual. O restante é custeado pela família, que ingressou com ação
judicial para ampliar o atendimento, tendo em vista que as sessões de fisioterapia são limitadas
pela Cassems a 12 sessões mensais e o autor necessita de 16 sessões mensais, com o custo
de R$ 120,00, cada sessão. A Prefeitura Municipal fornecia um tanque de gasolina à família
para o transporte até o mês de abril/2019, mas foi suspenso, fazendo com que haja uma
despesa de R$ 450,00, apenas com o deslocamento até Dourados.
A renda da família consiste no rendimento líquido do genitor no valor de R$ 2.145,00, e já
realizaram ações entre amigo, como rifa e almoço para angariar fundos. Recebem doações de
leite, fraldas e roupas de familiares. Residem em casa própria, e pagam financiamento no valor
de R$ 500,00. O imóvel tem 7 cômodos (três quartos, cozinha, sala e dois banheiros), com
móveis e eletrodomésticos simples, e que já guarneciam a casa antes do nascimento de
Eduardo. Os gastos são com supermercado (R$ 800,00, pagamento por meio de notas
promissórias), Pediasure Complete (R$ 80,00, duas latas de leite por mês), Fortifit Pro –
Cassems (R$ 252,00), fraldas e lenços umedecidos (R$ 300,00), farmácia (R$ 500,00), gasolina
(R$ 450,00), energia (R$ 245,00), financiamento (R$ 500,00), órtese de pés (R$ 950,00, a cada
oito meses), e pagamento de R$ 22,00, de fator moderador nas consultas médicas. Possuem
três celulares, de modelo simples, e um veículo Siena 2012/2013, utilizado para o transporte do
autor para os tratamentos. A genitora informou que o filho vai realizar uma cirurgia no quadril
bilateral na AACD -Ibirapuera, com custo de 80% pago pela Cassems, e o restante pago em 20
parcelas de R$ 188,00, através de financiamento pela Caixa Econômica. Conseguiram o valor
para transporte pela Secretaria de Saúde, mas as outras despesas serão custeadas pela
família. De acordo com o estudo, a criança usa válvula de derivação na cabeça, faz uso de
cadeira de rodas, cadeira de postura, cadeira parapodium e cadeira de banho.
Do exame dos laudos sociais acostados aos autos, verifica-se que o rendimento do genitor
proporcionava à família, composta por quatro membros, renda “per capita” superior a um quarto
de salário mínimo, não havendo subsunção aos limites fixados pelo art. 20, §3º, da Lei n.
8.742/93 , com a redação dada pela Lei n. 12.435/2011, em vigor à época dos fatos.
De outra parte, é certo que as despesas fixas são altas em relação à renda líquida auferida pelo
genitor do autor, contudo cabe ponderar que certas despesas guardam relação com o padrão
de vida mantido pela família, que pode ser considerado acima da média nacional, haja vista o
porte do imóvel objeto de financiamento, a titularidade de um automóvel (Siena 2012/2013),
bem como a quantia gasta em supermercado.
Por outro lado, a despeito de o autor encontrar-se acometido de enfermidades graves (paralisia
cerebral espástica com retardo mental grave a profundo, hidrocefalia e síndrome de West), a
demandar inúmeros procedimentos médicos, bem como a aquisição de vários medicamentos,
há o suporte do plano de saúde contratado (CASSEMS), que reembolsa grande parte das
despesas efetuadas.
Cabe ressaltar, ainda, que o genitor do autor ostenta a condição de Funcionário Público
Estadual do Estado do Mato Grosso do Sul, gozando, portanto, de estabilidade funcional, o que
garante uma perspectiva de manutenção de renda, bem como a facilidade de obtenção de
crédito.
Em síntese, não se ignoram as dificuldades econômicas enfrentadas pela família, todavia a
miserabilidade, considerada a acepção legal dada pela Lei n. 8.742/1993, não restou
demonstrada, cabendo ao Poder Público, entretanto, a realização de ações e serviços que
visem a promoção, proteção e recuperação da saúde do autor, a teor do art. 196 da
Constituição Federal.
Esclareço, entretanto, que como as despesas necessárias e rendimentos estão em um patamar
quase equivalente, considerando-se, ainda, a possibilidade do surgimento de novos gastos, a
parte autora poderá pleitear o benefício em comento novamente, caso haja alteração de sua
situação econômica.
Não há de se cogitar sobre eventual devolução dos valores recebidos a título de tutela
antecipada, levando-se em conta a boa fé do demandante, decorrendo de decisão judicial, e o
caráter alimentar do benefício, consoante tem decidido a E. Suprema Corte (STF, ARE 734242
AgR, Relator Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 04.08.2015, processo
eletrônico DJe-175, divulg. 04.09.2015, public. 08.09.2015).
Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), conforme previsto no artigo 85,
§§ 4º, III, e 8º, do CPC. A exigibilidade da verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco) anos,
desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos
benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto
processual.
Diante do exposto, em retificação de voto, dou provimento à apelação do INSS e à remessa
oficial, tida por interposta, para julgar improcedente o pedido.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado,comunique-se ao INSS (Gerência
Executiva), a fim de que seja cessado o benefício de prestação continuada (NB 87/619.803.055
- 9).
É o voto em retificação.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001506-47.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: E. E. D. S. B.
REPRESENTANTE: JAQUELINE EUGENIA DA SILVA BALDUINO
Advogado do(a) APELADO: GISELE RIBEIRO FAVERAO - MS9904,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O V I S T A
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio: Em Sessão realizada pela Décima Turma
desta E. Corte em 25.09.2018, o Exmo. Desembargador Federal Sérgio Nascimento, relator do
processo, proferiu voto pelo desprovimento da apelação do INSS e da remessa oficial, tida por
interposta, para manter a sentença que julgou procedente o pedido e condenou o INSS a
conceder à parte autora o benefício assistencial, a partir da data do requerimento
administrativo, corrigido monetariamente, fixando honorários advocatícios em 15% sobre o valor
da condenação até a data da sentença e determinando a imediata implantação do benefício.
Pedi vista dos autos e apresentei voto divergente em 16.10.208, tendo sido acompanhado pelo
E. Desembargador Federal Baptista Pereira. Após a prolação dos referidos votos, ao Turma,
por indicação do E. Relator determinou a conversão do julgamento em diligência para
elaboração de novo estudo social, contendo demonstrativo detalhado dos gastos que
efetivamente são suportados pela família.
Realizada a prova em questão, os autos foram incluídos na pauta para julgamento em
03.03.2020, tendo o E. Relator mantido o entendimento anterior.
Solicitei novamente vista dos autos, para examinar a questão à luz do novo estudo social, e
faço os seguintes acréscimos ao voto-vista já encartado nos autos.
O novo estudo, datado de 06/2019 (ID 77555506), dá conta da manutenção da composição
familiar, apenas alteradas as idades, informando que o autor realiza as terapias anteriormente
informadas.
Reiterou que parte das despesas são custeadas pelo “Plano de Saúde Cassems” e que a outra
parte é assumida pela família, a qual realiza, quando necessário, rifas e ações entre amigos
para angariar fundos. Os pais informaram que até o mês de abril de 2019 recebiam auxílio da
Prefeitura Municipal com a doação de um tanque de combustível por mês, o qual teria sido
suspenso. A renda líquida seria de R$ 2.145,97 segundo afirmam, proveniente do salário do
genitor do autor. Residem em casa própria financiada, composta de 7 cômodos, sendo uma
cozinha, três quartos, dois banheiros, uma sala, uma despensa e área de serviço coberta.
O salário bruto do genitor do autor em 04/2019, constante do ID 77555506, pág. 54, é de R$
3.460,26, do qual é deduzido o valor de R$ 537,94 a título de empréstimo e outros descontos
legais.
Quanto às despesas, foi informado gasto com mercado (R$ 800,00), Pediasure Complete (R$
80,00 cada, sendo 2 latas por mês), Cassems (R$ 252,00), Fraldas e lenços umedecidos (R$
300,00), farmácia (R$ 500,00), gasolina (R$ 450,00), energia (R$ 245,00), parcela do
financiamento da casa (R$ 500,00). Também foi informado que o autor necessita trocar a órtese
dos pés a cada 8 meses, ao custo de R$ 950,00.
A família informou que o autor realizaria uma cirurgia no quadril, custeada pelo convênio em
80%, sendo o restante pago pela família em 20 parcelas de R$ 188,03 através de empréstimo
perante a Caixa Econômica Federal, tendo obtido também ajuda da Prefeitura com o
combustível, restando as demais despesas a cargo da família.
Pela análise da documentação dos autos nota-se que os pais do autor não medem esforços
para prover o filho dos melhores tratamentos médicos existentes - aprovados ou experimentais
– a fim de auxiliá-lo em sua recuperação.
Entretanto, em que pese a gravidade da doença do autor e o louvável esforço dos pais, há que
se considerar que o direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à
situação de sensível carência material enfrentada pelo postulante, sob pena de desnaturar o
objetivo almejado pelo constituinte, isto é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em
contextos de manifesta privação de recursos, ou seja, de miserabilidade.
Em outras palavras, o benefício em questão é devido apenas àqueles que não têm as mais
mínimas condições de manutenção de suas necessidades básicas, nem de tê-las providas por
seus familiares ou por terceiros. Ampliar a utilização do instituto além dessas hipóteses,
sobrecarregaria demasiado o já tão combalido orçamento da Seguridade Social.
Observa-se que o pai do autor tem um emprego que lhe gera um salário mensal, suficiente para
o pagamento das despesas de alimentação e manutenção da residência, bem como, para o
acesso a um plano de saúde para o acompanhamento médico necessário. Ademais, ainda que
por força de decisão judicial, esse plano de saúde é responsável pelo pagamento de uma
parcela do tratamento experimental realizado. Não se pode dizer, portanto, que o autor esteja
desamparado materialmente, em comparação a tantos e tantos outros casos nos quais o
benefício assistencial seria a única renda possível para uma família alimentar-se e pagar
despesas básicas como água e luz.
Entendo, assim, que o caso não se enquadra nas hipóteses de assistência social, mas sim de
saúde, cabendo ao Sistema Único de Saúde arcar com o tratamento médico do autor.
Mantenho, portanto, o entendimento de que não restaram satisfeitos todos os requisitos
necessários à concessão do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do
texto constitucional, e art. 20, caput, da Lei 8.742/1993.
Ante o exposto, com a devida vênia, divirjo do E. Desembargador Federal Relator e dou
provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido, cassando a tutela
antecipada concedida anteriormente.
Observo que, apesar do julgamento do recurso representativo de controvérsia REsp nº
1.401.560/MT, entendo que, enquanto mantido o posicionamento firmado pelo e. STF no ARE
734242 AgR, este deve continuar a ser aplicado nestes casos, afastando-se a necessidade de
devolução de valores recebidos de boa fé, em razão de sua natureza alimentar.
Honorários advocatícios pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a
condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei
13.105/15).
É como voto.
VOTO VISTA
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em face da
sentença que julgou procedente o pedido de benefício de prestação continuada, previsto no Art.
203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
Na sessão realizada no dia 25/09/2018, o Eminente Relator, Desembargador Federal Sérgio
Nascimento, apresentou seu voto no sentido de negar provimento à remessa oficial, tida por
submetida, e à apelação.
A seu turno, o Ilustre Desembargador Federal Nelson Porfirio apresentou voto divergente,
dando provimento à apelação, sob o fundamento de que o caso não se enquadra nas hipóteses
de assistência social, mas sim de saúde, porquanto não restou demonstrada a situação de
carência material a ensejar a concessão do benefício assistencial.
Para melhor refletir sobre o tema, pedi vista dos autos, e, nesta oportunidade, expresso o meu
posicionamento quanto à matéria controvertida.
Com a devida vênia, acompanho o voto dissidente.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social,
tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS),
que, no Art. 20,capute § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao
idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiarper capitaseja inferior a ¼ (um quarto)
do salário mínimo.In verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do Egrégio Supremo
Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93
estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente,
os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua
constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas
instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunçãoiuris
et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua
comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a
Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto
minoritário do E. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar
não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros
meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um
elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a
miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo",
consoante a ementa que ora colaciono:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)".
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag
1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag
1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag
1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag
1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp
1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp
1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011;
AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador
convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro
Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe
16/11/2010.
Assim, é de se observar que não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento
firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo
Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência
econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a
comprovação da renda familiar mensalper capitainferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no E. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista
recentemente, em 18.04.2013, nos julgamentos do RE 567985/MT, pelo sistema da
repercussão geral, e da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte
declarouincidenter tantuma inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º,
do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §
3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal
Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de
prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal
per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações
de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial
previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o
Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões
judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização
dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto,
não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per
capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de
se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram
editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a
Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever
anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a
ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios
assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se
nega provimento.”
(RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG
02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013)
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art.
20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão
proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o
Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência
geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a
Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como
fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico
típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o
Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação,
se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6.
Reclamação constitucional julgada improcedente.”
(Rcl 4374, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013)
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da
repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo
único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §
3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal
Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de
prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal
per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que
situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício
assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade
1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da
LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo
Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do
critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu
inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela
LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou
deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para
concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa
Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei
10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder
apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima
associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas,
passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão
parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34,
parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não
será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não
exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de
até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para
discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos
beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários
no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei
10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”
(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013
PUBLIC 14-11-2013)
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o voto do Relator,
Ministro Gilmar Mendes, que o dispositivo "era insuficiente para cumprir integralmente o
comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras
hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente
físico.
Já com relação ao Art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão implica em violação ao
princípio da isonomia, que, conquanto afaste do cálculo da rendaper capitafamiliar o benefício
assistencial já concedido a outro membro da família, contempla apenas o idoso, excluindo do
mesmo tratamento o deficiente, assim como o idoso que conviva com familiar titular de
benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação recém firmada pela Corte Suprema, forçoso concluir
que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a fim de
abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao
benefício assistencial. Ademais, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também
estender a interpretação do parágrafo único do Art. 34 do Estatuto do Idoso, para excluir do
cálculo da rendaper capitafamiliar o benefício de valor mínimo recebido por outro membro da
família, independentemente se de natureza assistencial ou previdenciária, aplicando-se a
mesma disposição ao deficiente.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640,in
verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.”
(REsp 1355052/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Data da
Publicação/Fonte DJe 05/11/2015).
Tecidas essas considerações, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais
para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para
a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o
aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne à matéria divergente, o requisito da hipossuficiência econômica, o relatório
social firmado em 07/02/2017, dá conta que o autor na Eduardo Emanoel da Silva Balduino,
nascido aos 05/03/2014, portador de necessidades especiais, tendo como principais
diagnósticos hidrocefalia, paralisia cerebral e Síndrome de West, residia com sua mãe
Jaqueline Eugênia da Silva Balduino, 31 anos, desempregada, o genitor Adriano Balduino de
Lima, 37 anos, funcionário público estadual, ocupante do cargo/função de agente fiscal
agropecuário, e com o irmão Lucas, 13 anos de idade, estudante.
A família residia em casa própria, financiada, em boas condições de habitabilidade, adquirida
quando possuía condições financeiras estáveis antes do nascimento de Eduardo.
Além desse bem, a família era proprietária de um veículo Siena, ano 2012, que era utilizado
para o transporte do filho em consultas e tratamento médico.
A renda familiar era proveniente dos vencimentos do genitor, no valor bruto de R$3.009,50,
conforme holerite apresentado, todavia, após os descontos de praxe e do empréstimo
consignado contraído para pagamento das despesas médicas com o autor, no valor de
R$580,10, restava o valor de R$1.824,75 para o pagamento das despesas do grupo familiar.
Foram informadas despesas com financiamento do imóvel (R$500,00), alimentação (R$600,00),
leite e outros alimentos destinados ao autor (R$170,00), energia elétrica e água (R$250,00),
medicamentos (R$200,00), fraldas descartáveis para uso do autor (R$300,00), e combustível
para o veículo utilizado no transporte do autor às sessões de terapia (R$600,00 a R$700,00).
A genitora relatou que antes do nascimento do autor a família levava uma vida financeira
tranquila, pois o casal trabalhava e seu marido exercia funções no IAGRO, em um cargo que
realizava viagens sistemáticas e recebia diárias, que melhoravam as condições financeiras,
porém, com a chegada do filho e a necessidade de permanecerem perto para ajudar nos
cuidados da criança, o marido não viaja mais, acarretando uma diminuição da renda.
Esclareceu, ainda, que os gastos com tratamento do filho eram muito elevados, pois apesar de
ter garantido através de liminar que o plano de saúde assumisse o reembolso de alguns
procedimentos, havia outros com o custeio de órteses dos membros inferiores e de mão,
pagamento de consultas médicas com neuropediatra e com combustível para levá-lo para
Dourados, onde realiza acompanhamento fisioterápico, fonoaudiológico e de terapia
ocupacional, e em Campo Grande, onde realiza tratamento mensal com método Therasuit.
Consta que o autor fazia uso de vários medicamentos, Topiramato, Sabril e Depakene, os dois
primeiros fornecidos pela Secretaria de Saúde do Estado, mas que eram devolvidos quando se
tratava de genéricos, pois a médica não aceitava o seu uso, por entender que não garantia a
mesma eficácia, esclarecendo que o medicamento Topomax era adquirido ao custo de
R$250,00.
Relatou a Assistente Social que os gastos mensais da família com o tratamento do autor eram
muito elevados, mesmo tendo garantido através de liminar que o plano de saúde assumisse o
reembolso de alguns procedimentos, pois existiam outros gastos com órteses dos membros
inferiores e da mão, pagamento de consultas médicas com neuropediatra e combustível para o
transporte até Dourados, onde o autor realiza acompanhamento fisioterápico, fonoaudiológico e
terapia ocupacional, e em Campo Grande, onde faz tratamento mensal com método Therasuit.
Concluiu a experta que o autor fazia jus ao benefício, tendo em vista que os gastos com a sua
manutenção e tratamento eram elevados e que a renda auferida por seu genitor não era
suficiente para mantê-lo de forma digna (Num. 1790304 – págs. 99/102).
O demonstrativo de pagamento anexado ao estudo social dá conta que no mês de julho de
2016, os vencimentos do genitor importava em R$3.009,50, e após os descontos de praxe,
inclusive do empréstimo consignado (R$580,00), restavam R$1.824,75. Cabe salientar que o
salário mínimo vigente na ocasião estava fixado em R$880,00.
De acordo com o extrato bancário que instruiu a inicial, o empréstimo contraído em 07/01/2016,
para pagamento em 25 parcelas de R$580,00, findou em 01/04/2018 (Num. 1790303 – pág.
23), de modo que a partir de então essa despesas foi suprimida do orçamento doméstico.
Como cediço, o critério da rendaper capitado núcleo familiar não é o único a ser utilizado para
se comprovar a condição de miserabilidade do idoso ou do deficiente que pleiteia o benefício.
No entanto, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está caracterizada a
situação de vulnerabilidade ou risco social a ensejar a concessão do benefício assistencial,
ainda que se considere que a família da autora viva em condições econômicas modestas.
Impende destacar que a família é proprietária de um veículo e gasta em torno de R$700,00 com
combustível, não se olvidando as despesas havidas com impostos e para a manutenção desse
bem, situação incompatível com a alegada condição de miserabilidade.
Há que se ponderar que malgrado a gravidade da doença e os gastos havidos com o
tratamento do autor, consta dos autos que foi ajuizada a ação ordinária de obrigação de fazer
em face do plano de saúde Caixa de Assistência dos Servidores do Estado do Mato Grosso do
Sul – CASSEMS, sob o nº 08004146620168120010, em apenso, tendo sido juntado o parecer
expedido pela ANS e expedido o alvará de levantamento dos valores depositados naqueles
autos e posteriormente depositados os demais valores relativos ao tratamento (Num. 1790304 –
pág. 124).
Como posto pelo I. Desembargador Federal Nelson Porfírio,“O pai do autor tem um emprego
que lhe gera um salário mensal, suficiente para o pagamento das despesas básicas de
alimentação e manutenção da residência, bem como, acesso a um plano de saúde para o
acompanhamento médico necessário. Ademais, por força de decisão judicial, esse plano de
saúde é responsável pelo pagamento de uma parcela do tratamento experimental realizado.
Consta, ainda, que por meio de ajuda de familiares e amigos o autor é submetido a diversos
tratamentos, consultas e exames de elevado custo.”,evidenciando que o autor está amparado
materialmente, se comparado a outros casos em que o benefício assistencial consistiria na
única renda da família para suprir suas necessidades básicas.
Destarte, não comprovado o requisito da hipossuficiência econômica, ao menos nesse
momento, a autoria não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da
Lei nº 8.742/93.
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das
pessoas, sem as quais não sobreviveriam e que o benefício não se destina à complementação
de renda.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá
formular novamente seu pedido.
Ante o exposto, com a devida vênia, divirjo do Senhor Relator e acompanho o voto divergente,
para dar provimento à apelação e revogar a tutela concedida.
É o voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. NÃO COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
JUSTIÇA GRATUITA.
I -Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei
8.742/93 define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a
comprovação da miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o
benefício. (Precedente do E. STJ).
III- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as
significativas alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo
destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os
critérios para aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar.
V- Do exame dos laudos sociais acostados aos autos, verifica-se que o rendimento do genitor
proporcionava à família, composta por quatro membros, renda “per capita” superior a um quarto
de salário mínimo, não havendo subsunção aos limites fixados pelo art. 20, §3º, da Lei n.
8.742/93 , com a redação dada pela Lei n. 12.435/2011, em vigor à época dos fatos.
VI - Écerto que as despesas fixas são altas em relação à renda líquida auferida pelo genitor do
autor, contudo cabe ponderar que certas despesas guardam relação com o padrão de vida
mantido pela família, que pode ser considerado acima da média nacional, haja vista o porte do
imóvel objeto de financiamento, a titularidade de um automóvel (Siena 2012/2013), bem como a
quantia gasta em supermercado.
VII - Adespeito de o autor encontrar-se acometido de enfermidades graves (paralisia cerebral
espástica com retardo mental grave a profundo, hidrocefalia e síndrome de West), a demandar
inúmeros procedimentos médicos, bem como a aquisição de vários medicamentos, há o suporte
do plano de saúde contratado (CASSEMS), que reembolsa grande parte das despesas
efetuadas.Cabe ressaltar, ainda, que o genitor do autor ostenta a condição de Funcionário
Público Estadual do Estado do Mato Grosso do Sul, gozando, portanto, de estabilidade
funcional, o que garante uma perspectiva de manutenção de renda, bem como a facilidade de
obtenção de crédito.
VIII - Não se ignoram as dificuldades econômicas enfrentadas pela família, todavia a
miserabilidade, considerada a acepção legal dada pela Lei n. 8.742/1993, não restou
demonstrada, cabendo ao Poder Público, entretanto, a realização de ações e serviços que
visem a promoção, proteção e recuperação da saúde do autor, a teor do art. 196 da
Constituição Federal.
IX - É de se esclarecer que como as despesas necessárias e rendimentos estão em um
patamar quase equivalente, considerando-se, ainda, a possibilidade do surgimento de novos
gastos, a parte autora poderá pleitear o benefício em comento novamente, caso haja alteração
de sua situação econômica.
X - Não há de se cogitar sobre eventual devolução dos valores recebidos a título de tutela
antecipada, levando-se em conta a boa fé do demandante, decorrendo de decisão judicial, e o
caráter alimentar do benefício, consoante tem decidido a E. Suprema Corte (STF, ARE 734242
AgR, Relator Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 04.08.2015, processo
eletrônico DJe-175, divulg. 04.09.2015, public. 08.09.2015).
XI - Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), conforme previsto no artigo
85, §§ 4º, III, e 8º, do CPC. A exigibilidade da verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco)
anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a
concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do
mesmo estatuto processual.
XII- Apelação do INSSe remessa oficial, tida por interposta, providas, em retificação de voto.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, após o voto retificador do
Relator, no que foi acompanhado pelo Des. Fed. Nelson Porfirio e pelo Juiz Fed. Nilson Lopes,
que também retificou seu voto, a Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação do INSS
e à remessa oficial, tida por interposta, para julgar improcedente o pedido, ressalvado o
entendimento do Des. Fed. Nelson Porfirio, razão pela qual não foi colhido o quarto voto do
Des. Fed. Baptista Pereira, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA