
| D.E. Publicado em 11/10/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | MARISA FERREIRA DOS SANTOS:10041 |
| Nº de Série do Certificado: | 7D0099FCBBCB2CB7 |
| Data e Hora: | 02/10/2018 13:16:16 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0013222-59.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF.
Segundo a inicial, o autor é pessoa com deficiência, não tendo condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, fazendo jus ao benefício.
Concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo de 1º grau julgou procedente o pedido e condenou o INSS ao pagamento do benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da apresentação do pedido administrativo, em 07.03.2016, com correção monetária nos termos da Súmula 148 do STJ, juros de mora nos termos da Lei 11.960/09 e honorários advocatícios nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do CPC. Deferiu, ainda, a antecipação da tutela.
Sentença proferida em 11.09.2017, submetida ao reexame necessário.
Em apelação, o INSS sustenta que a renda mensal familiar per capita é superior a ¼ do salário mínimo, razão pela qual o apelado não faz jus ao benefício assistencial, postulando a reforma do julgado. Caso o entendimento seja outro, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da juntada do estudo social aos autos e da correção monetária nos termos da Lei 11.960/09 e a alteração dos honorários advocatícios nos termos do art. 20, 4º, CPC.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF.
Considerando que o valor da condenação ou proveito econômico não ultrapassa 1.000 (mil) salários mínimos na data da sentença, conforme art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, não conheço da remessa oficial.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou a dispor:
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento" (destaquei).
A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.
O laudo médico-pericial feito em 27.06.2017, às fls. 149/157, atesta que a autor "possui sequela de Acidente vascular cerebral em membro inferior esquerdo", que o incapacita de forma total e permanente para a prática de atividade laborativa.
Dessa forma, a situação apontada pelo perito se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 20, § 2º, I e II.
O estudo social feito em 02.02.2017, às fls. 76/80, indica que o autor reside com a mulher, Sra. Nilza Aparecida Reis Cardoso, de 53 anos, e o filho Jonatan da Silva Reis Cardoso, de 19, em casa "recebida recentemente de um Programa Habitacional do Governo Federal (Minha Casa, Minha Vida) composta por dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Possui piso frio em toda casa e azulejo no banheiro e na cozinha". A mobília do imóvel é assim composta: Quarto 1: Cama de casal, cama de solteiro; Quarto 2: Cama Beliche, guarda-roupas pequeno, rack e computador; Sala: sofá 02 e 03 lugares, mesa de cozinha sem cadeiras, estante e TV 42 polegadas tela plana, Cozinha: Fogão 05 bocas, armário pequeno, geladeira, micro-ondas e pia sem gabinete. Observamos que com exceção da TV, os móveis e eletrodomésticos são antigos e suas condições de uso são razoáveis". A família não tem veículos, imóveis e telefone fixo. O autor relata que "depende da ajuda do filho casado para aquisição do Concor, porém não é todos os meses que o filho consegue ajuda-lo. Acrescentou que recentemente passou mal em função da falta do medicamento e teve que ser hospitalizado, permanecendo internado por uma semana. Afirma que a família passa por sérias dificuldades financeiras, pois a esposa também está desempregada. A única renda da família vem das faxinas que ela realiza. Segundo o requerente a esposa não tem faxina fixa e consegue em média duas casas por semana para trabalhar. O filho adolescente (19 anos) era menor aprendiz num supermercado e foi contratado após atingir a maioridade. Contudo, no dia 16/10.2016 envolveu-se num acidente de moto juntamente com um amigo e teve que se afastar do trabalho. Seu último salário foi no mês de outubro. Passou por perícia médica junto ao INSS no dia 29/11/2016, porém o auxílio doença ainda não foi estabelecido. As principias despesas (valor médio) informadas pela família foram: Alimentação e Higiene: R$ 400,00; Energia: R$ 92,00; Água: R$ 44,00; INSS (contribuição do casal): R$ 193,40; Telefone R$ 30,00; Gás de cozinha: R$ 62,00; Financiamento (casa): R$ 39,40; Medicamentos: R$ 107,00;". A assistente social relata que "o requerente apresenta problema grave de saúde e encontra-se em situação de risco por não ter condições socioeconômicas para a aquisição do medicamento necessário a seu tratamento".
A consulta ao CNIS indica que o filho do autor tem vínculo de trabalho no período de 01.10.201 a 18.10.2017 e desde 02.04.2018, auferindo, em ambos, o valor, em média, de pouco mais de um salário mínimo e meio ao mês, sendo beneficiário de auxílio-doença previdenciário no período de 30.10.2016 a 29.12.2016, no valor de um salário mínimo ao mês.
Ainda que a renda familiar per capita seja pouco superior à metade do salário mínimo, levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício.
Diante do que consta nos autos, verifico que a situação é precária e de miserabilidade, dependendo do benefício assistencial que recebe para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal.
Assim, preenche o autor os requisitos necessários ao deferimento do benefício.
Comprovado o requerimento na via administrativa, o benefício é devido desde essa data.
As parcelas vencidas serão acrescidas de correção monetária a partir dos respectivos vencimentos e de juros moratórios a partir da citação.
A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017.
Tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária será fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, ambos do CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111 do STJ).
NÃO CONHEÇO da remessa oficial e DOU PARCIAL PROVIMENO à apelação para fixar a correção monetária nos termos da fundamentação, mantendo a antecipação da tutela.
É o voto.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | MARISA FERREIRA DOS SANTOS:10041 |
| Nº de Série do Certificado: | 7D0099FCBBCB2CB7 |
| Data e Hora: | 02/10/2018 13:16:13 |
