Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5055628-05.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 02/12/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LOAS. ART. 203, V, CF/88.
LEI Nº 8.742/93. REQUISITO SOCIOECONÔMICO NÃO PREENCHIDO. RECURSO DO INSS
PROVIDO.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993. O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário-
mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com
impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza
efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de
condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se
de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente
seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a
comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
2 - O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família. A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988,
que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com
previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
3 - O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
4 - No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com
redação dada pela recente Lei 13.981/2020, considera como hipossuficiente para consecução
deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar famíliacuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. O §11 do artigo 20, incluído pela Lei
13.146/2015, normatizou que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade do requerente podem ser aferidos por outros elementos probatórios, além da
limitação da renda per capita familiar.
5 - Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade
que a renda per capita sugere: Precedentes.
6 - Submetido a exame médico pericial em 21 de dezembro de 2019, o autor, atualmente com 38
anos de idade, fora diagnosticado como portador de Síndrome da Imunodeficiência Humana.
Asseverou o profissional médico, na oportunidade, que “em exame de abril de 2019 notamos um
aumento da carga viral no sangue e níveis de CD4 de 198 com risco médio de contrair infecções
oportunistas”. Concluiu pela incapacidade total e temporária, com afastamento por um ano (até
janeiro/2021), com vistas ao controle da doença.
7 - No particular, tem-se por ausente o requisito relativo ao impedimento de longo prazo. O autor
é jovem, possui histórico laborativo, carga viral baixa e, no momento mais agudo da doença –
decorrente do abandono voluntário do tratamento – teve a sua incapacidade temporária aferida
pelo prazo de um ano, inferior, portanto, ao lapso temporal exigido por lei (2 anos). Alie-se como
robusto elemento de convicção acerca da ausência de impedimento de longo prazo, a informação
prestada pela assistente social, em setembro de 2020, no sentido de que “o requerente é
assintomático ao vírus HIV”.
8 - De igual sorte, não cuidou o autor de comprovar a suposta hipossuficiência econômica. Extrai-
se do estudo social elaborado em 21 de setembro de 2020, ser o núcleo familiar composto pelo
autor, seus genitores e uma companheira, os quais residem em casa própria, no município de
Pedreira/SP, de propriedade da genitora, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, aspecto
salubre em regular estado de conservação.
9 - A renda familiar, naquele mês de setembro, era composta pelo benefício assistencial recebido
pelo autor – decorrente de tutela antecipada concedida na presente demanda -, além do
programa de transferência de renda denominado “auxílio emergencial”, no importe de R$600,00
(seiscentos reais); também pela aposentadoria por invalidez auferida pela genitora, no valor de
um salário-mínimo, bem como pelo “auxílio emergencial” recebido pela companheira, no
montante de R$1.200,00 (mil e duzentos reais), além do Programa Bolsa Família, em valor não
declarado.
10 - Tanto o autor e sua companheira, quanto sua genitora, possuem carteira de isenção de
pagamento de transporte público. O padrasto exerce atividade de ajudante de motorista, mas
estava sem receber qualquer renda, “devido a falta de procura pelo serviço nesse período de
manutenção ao distanciamento social”. No entanto, informações extraídas do CNIS, noticiam que
o mesmo verte recolhimentos, na condição de contribuinte individual, sobre renda de um salário-
mínimo.
11 - O laudo social revela, ainda, que a família recebe cesta básica por parte da municipalidade, e
todos os medicamentos são fornecidos pela rede pública. As despesas declaradas são da ordem
de R$1.410,57 (mil, quatrocentos e dez reais e cinquenta e sete centavos), incluindo R$50,00
(cinquenta reais) para pagamento de ‘internet”.
12 - Diante dos elementos colhidos, constata-se que, no mês do estudo social, o núcleo familiar
(composto por 4 pessoas) recebeu, nada menos, do que renda aproximada de R$4.000,00
(quatro mil reais), isso sem incluir o Bolsa Família, cujo valor não foi revelado. A despeito de os
programas de transferência de renda não terem seus valores considerados para cálculo de renda
per capita, fato é que houve, inclusive, recebimento indevido, tanto pelo autor – que recebeu
cumulativa e indevidamente auxílio emergencial e benefício de prestação continuada -, como por
sua companheira, na medida em que recebera o auxílio emergencial em dobro (R$1.200,00),
mesmo não sendo solteira e nem chefe de família, já que possui uma filha, a qual, segundo
narrou a assistente social, “reside com a avó materna desde os primeiros dias de vida”.
13 - Para além disso, o autor reside com o padrasto, com idade que lhe permite exercer atividade
remunerada e contribuir para o sustento da família (que exibe atualmente, inclusive, contribuições
ao RGPS) e mãe, que recebe aposentadoria no valor de um salário-mínimo. São isentos do
pagamento de transporte público e ganham cesta básica. Suas despesas neste período
(setembro/2020), no valor declarado de R$1.410,57, foram infinitamente menores do que as suas
receitas (R$4.000,00), sem considerar qualquer ganho do padrasto, que exibe contribuições
previdenciárias no período.
14 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, o autor, jus ao benefício assistencial.
15 - É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação
continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in
extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem
como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao
pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
16 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
17 – Condenada a parte autora ao ressarcimento das despesas processuais desembolsadas pela
autarquia e fixados honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa,
suspensa, contudo, a exigibilidade, nos termos dos artigos 11, §2º, e 12, da Lei nº 1.060/50, e
parágrafo §3º do art. 98 do Código de Processo Civil.
18 – Apelação do INSS provida. Tutela antecipada revogada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5055628-05.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIS FRANCISCO FERRAZ
Advogado do(a) APELADO: SHEILA FERNANDA PIMENTA - SP393926-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5055628-05.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
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APELADO: LUIS FRANCISCO FERRAZ
Advogado do(a) APELADO: SHEILA FERNANDA PIMENTA - SP393926-N
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de
apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra
sentença quejulgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial, previsto no
artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, condenando o INSS a pagar o benefício no valor
de um salário mínimo mensal, a contar dadata do requerimento administrativo (20/09/2016),
com aplicação de correção monetária e juros de mora,e ao pagamento de honorários
advocatícios e periciais, mantendo a tutela anteriormente deferida.
Em suas razões de apelação o INSS pugna pela reforma da sentença, alegando, em síntese,
que o requerentedeixou de comprovar os requisitosestabelecidos pelo artigo20, §§ 2º e 3º, da
Lei 8.472/93.
Requer o recebimento do recurso em ambos os seus efeitos.
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Eg. Tribunal.
Oficiando nesta instância, orepresentante do Ministério Público Federal opinou pelo
conhecimento e não provimento do recurso de apelação.
É O RELATÓRIO.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5055628-05.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIS FRANCISCO FERRAZ
Advogado do(a) APELADO: SHEILA FERNANDA PIMENTA - SP393926-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O - V I S T A
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO:
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS,
contra a r. sentença que julgou procedente o pedido inicial de concessão do benefício
assistencial previsto no art. 203, V, da CF/88, formulado por LUIS FRANCISCO FERRAZ.
Em sessão de julgamento realizada aos 21 de junho p.p., a i. Relatora, Desembargadora
Federal Inês Virgínia, votou pelo desprovimento do recurso autárquico, mantendo a r. sentença
concessiva do benefício, no que foi acompanhada pelo e. Juiz Federal Convocado Marcelo
Guerra.
Pedi vista dos autos para melhor análise da matéria sob julgamento.
Submetido a exame médico pericial em 21 de dezembro de 2019, o autor, atualmente com 38
anos de idade, fora diagnosticado como portador de Síndrome da Imunodeficiência Humana.
Asseverou o profissional médico, na oportunidade, que “em exame de abril de 2019 notamos
um aumento da carga viral no sangue e níveis de CD4 de 198 com risco médio de contrair
infecções oportunistas”. Concluiu pela incapacidade total e temporária, com afastamento por um
ano (até janeiro/2021), com vistas ao controle da doença (fls. 167/175).
No particular, tenho por ausente o requisito relativo ao impedimento de longo prazo. O autor é
jovem, possui histórico laborativo, carga viral baixa e, no momento mais agudo da doença –
decorrente do abandono voluntário do tratamento – teve a sua incapacidade temporária aferida
pelo prazo de um ano, inferior, portanto, ao lapso temporal exigido por lei (2 anos).
Alie-se como robusto elemento de convicção acerca da ausência de impedimento de longo
prazo, a informação prestada pela assistente social, em setembro de 2020, no sentido de que “o
requerente é assintomático ao vírus HIV” (fl. 708).
De igual sorte, não cuidou o autor de comprovar a suposta hipossuficiência econômica.
Extrai-se do estudo social elaborado em 21 de setembro de 2020 (fls. 697/720), ser o núcleo
familiar composto pelo autor, seus genitores e uma companheira, os quais residem em casa
própria, no município de Pedreira/SP, de propriedade da genitora, com dois quartos, sala,
cozinha e banheiro, aspecto salubre em regular estado de conservação.
A renda familiar, naquele mês de setembro, era composta pelo benefício assistencial recebido
pelo autor – decorrente de tutela antecipada concedida na presente demanda -, além do
programa de transferência de renda denominado “auxílio emergencial”, no importe de R$600,00
(seiscentos reais); também pela aposentadoria por invalidez auferida pela genitora, no valor de
um salário-mínimo, bem como pelo “auxílio emergencial” recebido pela companheira, no
montante de R$1.200,00 (mil e duzentos reais), além do Programa Bolsa Família, em valor não
declarado.
Tanto o autor e sua companheira, quanto sua genitora, possuem carteira de isenção de
pagamento de transporte público. O padrasto exerce atividade de ajudante de motorista, mas
estava sem receber qualquer renda, “devido a falta de procura pelo serviço nesse período de
manutenção ao distanciamento social”. No entanto, informações extraídas do CNIS, noticiam
que o mesmo verte recolhimentos, na condição de contribuinte individual, sobre renda de um
salário-mínimo.
O laudo social revela, ainda, que a família recebe cesta básica por parte da municipalidade, e
todos os medicamentos são fornecidos pela rede pública. As despesas declaradas são da
ordem de R$1.410,57 (mil, quatrocentos e dez reais e cinquenta e sete centavos), incluindo
R$50,00 (cinquenta reais) para pagamento de ‘internet”.
Diante dos elementos colhidos, constato que, no mês do estudo social, o núcleo familiar
(composto por 4 pessoas) recebeu, nada menos, do que renda aproximada de R$4.000,00
(quatro mil reais), isso sem incluir o Bolsa Família, cujo valor não foi revelado. A despeito de os
programas de transferência de renda não terem seus valores considerados para cálculo de
renda per capita, fato é que houve, inclusive, recebimento indevido, tanto pelo autor – que
recebeu cumulativa e indevidamente auxílio emergencial e benefício de prestação continuada -,
como por sua companheira, na medida em que recebera o auxílio emergencial em dobro
(R$1.200,00), mesmo não sendo solteira e nem chefe de família, já que possui uma filha, a
qual, segundo narrou a assistente social, “reside com a avó materna desde os primeiros dias de
vida” (fl. 702).
Para além disso, o autor reside com o padrasto, com idade que lhe permite exercer atividade
remunerada e contribuir para o sustento da família (que exibe atualmente, inclusive,
contribuições ao RGPS) e mãe, que recebe aposentadoria no valor de um salário-mínimo. São
isentos do pagamento de transporte público e ganham cesta básica. Suas despesas neste
período (setembro/2020), no valor declarado de R$1.410,57, foram infinitamente menores do
que as suas receitas (R$4.000,00), sem considerar qualquer ganho do padrasto, que exibe
contribuições previdenciárias no período.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, o autor, jus ao benefício assistencial.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada
é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou
seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e
quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco
deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata
tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem
por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ressalto que o benefício assistencial é concedido ou indeferido rebus sic stantibus, ou seja,
conforme a situação fática e jurídica no momento da decisão. Em caso de alteração da situação
jurídica ou fática, inclusive por meio de novas provas, os pedidos podem ser renovados na
esfera administrativa e/ou judicial.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento
das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no
pagamento dos honorários advocatícios, os quais arbitro no percentual mínimo do §3º do artigo
85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor atribuído à causa, devidamente
atualizado (art. 85, §2º, do CPC).
Havendo a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no §3º
do artigo 98 do CPC, ficará a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a
situação de insuficiência de recursos que a fundamentou.
Ante o exposto, divirjo da e. Relatora e, pelo meu voto, dou provimento à apelação interposta
pelo INSS, a fim de reformar a r. sentença de primeiro grau de jurisdição e julgar improcedente
o pedido inicial. Revogo a tutela antecipada concedida. Comunique-se o INSS.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5055628-05.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIS FRANCISCO FERRAZ
Advogado do(a) APELADO: SHEILA FERNANDA PIMENTA - SP393926-N
V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora):Recebo a apelação
interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade
formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo
prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as
demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício
assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja
segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a
comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que
hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com
previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados
para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas
voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta
9 do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e
2) desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros,
nutritivos e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Carta deve
ser compreendido.
O § 2º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a
presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei
atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida
independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de
circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele
que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o § 6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial
de prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei
8.742/1993, com redação dada pela recente Lei 13.982/2020, considere como hipossuficiente
para consecução deste benefício, pessoaincapaz de prover a sua manutenção por integrar
famíliacuja renda mensalper capitaseja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (critério
fixado até 31.12.2020), fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½
(meio) salário mínimo como parâmetro, eis queos programas de assistência social no Brasil
utilizamatualmente o valor demeio saláriomínimocomo referencial econômico para a concessão
dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à Alimentação -
Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04), o
Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001),
Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-
1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo
Federal (Decreto 3.811/2001).
Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13),
com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou,incidenter tantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que
estabelecia a renda familiar mensalper capitainferior a ¼ do salário mínimo para a concessão
de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da
miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar
Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio
saláriomínimo como referencial econômico.
Por sua vez, o § 11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, dispôs que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de
miserabilidade que a rendaper capitasugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp
319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no
REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp
1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Outrossim, os filhos e enteados e os menores tuteladossomente integramo grupo familiar e,
consequentemente, arenda mensal bruta familiar, quando foram solteiros e viverem sob o
mesmo teto do requerente(artigo 4º, incisos V e VI, Decreto 6.214/2017), eo benefício já
concedido a qualquer membro da família não será computado para os fins do cálculo da renda
familiar per capita a que se refere a LOAS (artigo 34, §único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do
Idoso).
CASOCONCRETO
O inconformismo da autarquia não procede, devendo ser mantida a r. sentença monocrática por
seus próprios fundamentos, os quais seguem reproduzidos (ID 155201264):
"No caso em tela, apurou-se através da perícia médica que o autor apresenta Síndrome da
Imunodeficiência Humana (HIV), em tratamento desde 2004, já tendo sofrido com infecções
oportunistas, como neurocriptococose, HerpesZoster e Tuberculose Ganglionar (fl. 644).
A Sra. Perita afirmou que o autor possuía incapacidade laborativa total no momento da perícia,
mas que ela é temporária, havendo possibilidade de controle da doença (fl. 645).
Portanto, o autor se enquadra no conceito de deficiente, salientando-se que, embora possível a
recuperação da capacidade laborativa, esta não é certa. Ademais, a condição de saúde do
autor sempre exigirá cuidados constantes, visando à precaução para evitar que contraia
infecções oportunistas, o que, sem dúvida, constitui barreira para que ele adquira um emprego
formal, com necessidade de cumprir rígidos horários e rotina laborativa."
Nesse sentido, embora aperitamédicatenha considerado que orequerente possuía incapacidade
laborativa total no momento da perícia, mas que a mesma é temporária, diante da possibilidade
de controle da doença,tal conclusão não deve ser considerada excludente para a não
concessão do beneficio pleiteado.
Ademais,obenefício solicitado não se trata de um benefício a título vitalício, o mesmo pode ser
revisado a cada 2 (dois anos), conforme prevê o artigo 21 da Lei 8.742/93, logo, o autor requer
o benefício como uma maneira de auxiliar em sua sobrevivência, preenchendo os requisitos
para concessão, se daqui 2 (dois anos) omesmoestiver aptopara as atividades laborais, o
benefício poderá ser encerrado.
Há de se observar nocaso, a súmula 78 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados
Especiais Federais: Súmula 78: "Comprovado que o Requerente do Benefício é portador do
vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de
forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social
da doença”.
Ainda sobre o tema, já há precedentes deste E. Tribunal, sob minha relatoria em caso análogo:
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA - INCAPACIDADE PARA O TRABALHO - DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS -
TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO – APELO(S) PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA.
1. Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015 e, em
razão de sua regularidade formal, conforme certificado nos autos, a apelação interposta deve
ser recebida e apreciada em conformidade com as normas ali inscritas.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados
que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no
caso de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por
mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da
carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 05/07/2019, constatou que a
parte autora, auxiliar de produção em fábrica de calçados , idade atual de 45 anos, é portadora
de HIV, mas não está incapacitada para o exercício de sua atividade laboral, como se vê do
laudo oficial.
5. A parte autora é pessoa de baixa instrução e sempre se dedicou a atividades braçais, como
auxiliar de produção em fábrica de calçados, que são incompatíveis com as suas condições de
saúde.
6. E não se pode ignorar que, nesses ambientes de trabalho, são maiores a estigmatização
social e a discriminação sofridas pelos portadores do vírus HIV, que acabam sendo preteridos
nos processos de seleção para admissão no trabalho, ainda mais considerando que, nessa
área, há muita mão-de-obra disponível.
7. O magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo
436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, devendo considerar também aspectos
socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, como no caso dos portadores do vírus
HIV, ainda que assintomáticos. Nesse sentido, a Súmula nº 78/TNU.
8. Não obstante a conclusão negativa do perito judicial, mas considerando as dificuldades
enfrentadas pelos soropositivos para se recolocarem no mercado de trabalho em razão do
preconceito, os riscos que representam para a integridade da parte autora o exercício de
atividades extenuantes e o fato de que a parte autora tem baixa instrução e sempre se dedicou
a atividades braçais e que exigem grandes esforços físicos, é possível conceder a
aposentadoria por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais. (TRF 3a
Região - 7ª Turma, Relator: Desembargadora Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, Ap
no. 5297441-62.2020.4.03.9999, Julg 30/11/2020)
Isso porque, sendo portador do vírus da imunodeficiência humana HIV, com manifestação de
diversas complicações, e somadaa estigmatização por ser soropositivo, dificilmente irá
conseguir ingressar novamente no mercado de trabalho.
O estudo social (ID 155201220) informaque "O mesmo já passou por vários trabalhos
remunerados, inclusive, conseguiu exercer a função de ajudante de motorista em caráter
informal por tempo prolongado, aproximadamente por quatro anos e meio, mas as condições de
saúde não tem possibilitado trabalhar nessa função. Assim como, a pandemia da COVID-19
também não tem possibilitado exercer trabalhos que não exijam esforços físicos intensos."
Esclarece, ainda, que o requerente e sua companheira, ambos desempregados, moram com
sua genitora e seu padrasto, e os rendimentos de sua família, são oriundos apenas da
aposentadoria da genitora e do salário do padrasto, que recebem, cada um, R$1.045,00
mensais, e não se revelamsuficientes para o seu sustento e dos outros moradores da
residência.
Saliente-se que a família também conta com a ajuda do benefício provisório assistencial auxílio
emergencial, e a companheira do autor é beneficiária do Programa Bolsa Família (fl. 702).
Contudo, vale lembrar, que de acordo com o Decreto nº 6.214/2007, que regula o Benefício
Assistencial previsto na LOAS, não serão computados para aferição de renda mensal os
benefícios de natureza temporária, no caso em tela, o Auxílio Emergencial, tampouco benefício
concedidos em razão de programas sociais de transferência de renda (art. 4º, §2º, incisos I e II).
Outrossim, deve-se excluir a renda da genitora, no valor de um salário-mínimo, pois se trata de
aposentadoria por invalidez de pessoa idosa (nascida em 1960).
Desse modo, sendo a renda do padrasto a única a ser consideradapara aferição da renda
familiar per capita, inegável que inferior ao teto de 1/2 salário mínimo.
Assim, da análise dos autos verifica-se que a renda donúcleo familiar é insuficiente para a
manutenção do apelado, sendo forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema
necessidade que se apresenta, devendo ser mantida a r. sentença que concedeu o benefício
postulado.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta
Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento
pacificado nos Tribunais Superiores.
Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto na sentença,e o
perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício -, confirmo a
tutelaconcedida pela sentença recorrida.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como
um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
Não obstante a matéria que trata dos honorários recursais tenha sido afetada pelo Temanº
1.059 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que determinou a suspensão do processamento
dos feitos pendentes que versem sobre essa temática, é possível, na atual fase processual,
tendo em conta o princípio da duração razoável do processo, que a matéria não constitui objeto
principal do processo e que a questão pode ser reexaminada na fase de liquidação,a fixação do
montante devido a título de honorários recursais, porém, deixando a sua exigibilidade
condicionada à futura deliberação sobre o referido tema, o que será examinado oportunamente
peloJuízo da execução.
Assim, desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na
sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do
CPC/2015.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso, condenando o INSS ao pagamento dos honorários
recursais, e, de ofício, determino a alteração dos juros de mora e da correção monetária.
É COMO VOTO.
/gabiv/napossen
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LOAS. ART. 203, V, CF/88.
LEI Nº 8.742/93. REQUISITO SOCIOECONÔMICO NÃO PREENCHIDO. RECURSO DO INSS
PROVIDO.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993. O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um
salário-mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer
idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade
de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva.
Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que
o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo
imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
2 - O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família. A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição
de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores
éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
3 - O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
4 - No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com
redação dada pela recente Lei 13.981/2020, considera como hipossuficiente para consecução
deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar famíliacuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. O §11 do artigo 20, incluído pela Lei
13.146/2015, normatizou que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação
de vulnerabilidade do requerente podem ser aferidos por outros elementos probatórios, além da
limitação da renda per capita familiar.
5 - Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o
benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de
miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes.
6 - Submetido a exame médico pericial em 21 de dezembro de 2019, o autor, atualmente com
38 anos de idade, fora diagnosticado como portador de Síndrome da Imunodeficiência Humana.
Asseverou o profissional médico, na oportunidade, que “em exame de abril de 2019 notamos
um aumento da carga viral no sangue e níveis de CD4 de 198 com risco médio de contrair
infecções oportunistas”. Concluiu pela incapacidade total e temporária, com afastamento por um
ano (até janeiro/2021), com vistas ao controle da doença.
7 - No particular, tem-se por ausente o requisito relativo ao impedimento de longo prazo. O
autor é jovem, possui histórico laborativo, carga viral baixa e, no momento mais agudo da
doença – decorrente do abandono voluntário do tratamento – teve a sua incapacidade
temporária aferida pelo prazo de um ano, inferior, portanto, ao lapso temporal exigido por lei (2
anos). Alie-se como robusto elemento de convicção acerca da ausência de impedimento de
longo prazo, a informação prestada pela assistente social, em setembro de 2020, no sentido de
que “o requerente é assintomático ao vírus HIV”.
8 - De igual sorte, não cuidou o autor de comprovar a suposta hipossuficiência econômica.
Extrai-se do estudo social elaborado em 21 de setembro de 2020, ser o núcleo familiar
composto pelo autor, seus genitores e uma companheira, os quais residem em casa própria, no
município de Pedreira/SP, de propriedade da genitora, com dois quartos, sala, cozinha e
banheiro, aspecto salubre em regular estado de conservação.
9 - A renda familiar, naquele mês de setembro, era composta pelo benefício assistencial
recebido pelo autor – decorrente de tutela antecipada concedida na presente demanda -, além
do programa de transferência de renda denominado “auxílio emergencial”, no importe de
R$600,00 (seiscentos reais); também pela aposentadoria por invalidez auferida pela genitora,
no valor de um salário-mínimo, bem como pelo “auxílio emergencial” recebido pela
companheira, no montante de R$1.200,00 (mil e duzentos reais), além do Programa Bolsa
Família, em valor não declarado.
10 - Tanto o autor e sua companheira, quanto sua genitora, possuem carteira de isenção de
pagamento de transporte público. O padrasto exerce atividade de ajudante de motorista, mas
estava sem receber qualquer renda, “devido a falta de procura pelo serviço nesse período de
manutenção ao distanciamento social”. No entanto, informações extraídas do CNIS, noticiam
que o mesmo verte recolhimentos, na condição de contribuinte individual, sobre renda de um
salário-mínimo.
11 - O laudo social revela, ainda, que a família recebe cesta básica por parte da municipalidade,
e todos os medicamentos são fornecidos pela rede pública. As despesas declaradas são da
ordem de R$1.410,57 (mil, quatrocentos e dez reais e cinquenta e sete centavos), incluindo
R$50,00 (cinquenta reais) para pagamento de ‘internet”.
12 - Diante dos elementos colhidos, constata-se que, no mês do estudo social, o núcleo familiar
(composto por 4 pessoas) recebeu, nada menos, do que renda aproximada de R$4.000,00
(quatro mil reais), isso sem incluir o Bolsa Família, cujo valor não foi revelado. A despeito de os
programas de transferência de renda não terem seus valores considerados para cálculo de
renda per capita, fato é que houve, inclusive, recebimento indevido, tanto pelo autor – que
recebeu cumulativa e indevidamente auxílio emergencial e benefício de prestação continuada -,
como por sua companheira, na medida em que recebera o auxílio emergencial em dobro
(R$1.200,00), mesmo não sendo solteira e nem chefe de família, já que possui uma filha, a
qual, segundo narrou a assistente social, “reside com a avó materna desde os primeiros dias de
vida”.
13 - Para além disso, o autor reside com o padrasto, com idade que lhe permite exercer
atividade remunerada e contribuir para o sustento da família (que exibe atualmente, inclusive,
contribuições ao RGPS) e mãe, que recebe aposentadoria no valor de um salário-mínimo. São
isentos do pagamento de transporte público e ganham cesta básica. Suas despesas neste
período (setembro/2020), no valor declarado de R$1.410,57, foram infinitamente menores do
que as suas receitas (R$4.000,00), sem considerar qualquer ganho do padrasto, que exibe
contribuições previdenciárias no período.
14 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não
fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício assistencial.
15 - É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação
continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in
extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem
como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere
ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
16 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
17 – Condenada a parte autora ao ressarcimento das despesas processuais desembolsadas
pela autarquia e fixados honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor atualizado da
causa, suspensa, contudo, a exigibilidade, nos termos dos artigos 11, §2º, e 12, da Lei nº
1.060/50, e parágrafo §3º do art. 98 do Código de Processo Civil.
18 – Apelação do INSS provida. Tutela antecipada revogada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO
JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR MAIORIA, DECIDIU DAR PROVIMENTO À
APELAÇÃO INTERPOSTA PELO INSS, NOS TERMOS DO VOTO DO DES. FEDERAL
CARLOS DELGADO, COM QUEM VOTARAM O JUIZ CONVOCADO MARCELO GUERRA, O
DES. FEDERAL PAULO DOMINGUES E O DES. FEDERAL LUIZ STEFANINI, VENCIDA A
RELATORA QUE NEGAVA PROVIMENTO AO RECURSO E, DE OFÍCIO, DETERMINAVA A
ALTERAÇÃO DOS JUROS DE MORA E DA CORREÇÃO MONETÁRIA.
LAVRARÁ O ACÓRDÃO O DES. FEDERAL CARLOS DELGADO
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
