Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / MS
5001018-63.2016.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
23/03/2017
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/03/2017
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PRELIMINAR.
DESNECESSIDADE DE NOVO REQUERIMENTO COM DATA MAIS RECENTE. REQUISITOS
LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA.
INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
TERMO INICIAL.
I - O E. Supremo Tribunal Federal (STF), concluindo o julgamento do Recurso Extraordinário (RE)
631240, com repercussão geral reconhecida, no dia 03.09.2014, não estabeleceu prazo para o
ajuizamento da ação após o indeferimento do benefício no âmbito administrativo, bem como não
impôs qualquer restrição acerca da antiguidade do requerimento administrativo relativamente à
data do ajuizamento da demanda.
II- Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI -Mantenho os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa, tendo em vista terem
sido arbitrados em valor fixo, nos termos do art. 20, §4º, do CPC.
VII - Termo inicial do benefício fixado na data da citação (25.02.2013), uma vez que não é
possível aferir se na data do requerimento administrativo realizado há mais de 17 anos, em
29.12.1998, o autor reunia os requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado.
VIII - Preliminar arguida pelo Ministério Público Federal rejeitada. Apelação do réu e remessa
oficial parcialmente providas. Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5001018-63.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: PEDRO EUGENIO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - SP2576680S
Advogado do(a) APELANTE:
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PEDRO EUGENIO
Advogado do(a) APELADO:
Advogado do(a) APELADO: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - SP2576680S
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5001018-63.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: PEDRO EUGENIO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - MSS1398700
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PEDRO EUGENIO
Advogado do(a) APELADO: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - MSS1398700
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Sergio Nascimento (Relator):Trata-se de remessa oficial e
apelações de sentença pela qual foi julgado parcialmente procedente o pedido para condenar o
INSS a pagar à parte autora o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição da
República, no valor mensal de um salário mínimo, a contar da sentença. Pela sucumbência, o réu
foi condenado a pagar honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da causa, de
conformidade com os parâmetros do art. 20, §4º, do CPC, ressalvada a não inclusão nesse
cômputo do valor das prestações vincendas, da Súmula nº 111 do STJ.
Em sua apelação, o Instituto réu sustenta que o autor não preenche os requisitos necessários à
concessão do benefício, vez que possui renda per capita superior ao limite previsto no artigo 20, §
3º, da Lei 8.742/93. Subsidiariamente, requer a aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com
redação dada pela Lei nº 11.960/2009, bem como requer sejam os honorários de sucumbência
fixados em no máximo 5% sobre o valor da causa. Aduz, ainda, o prequestionamento da matéria
ventilada nos autos.
Por sua vez, a parte autora apela requerendo seja pago o benefício desde a data do
indeferimento administrativo, que ocorreu em 29.12.1998 (Id. 88225 - Pág. 4).
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta Corte.
Em parecer (Id. 124240 - Pág. 1/5), a i. representante do Parquet Federal, Dra. Zélia Luiza
Pierdoná, opinou pela extinção do processo sem julgamento de mérito, haja vista a ausência de
interesse de agir do autor. Caso não seja esse o entendimento, manifesta-se pela exclusão da
condenação no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios ou,
subsidiariamente, que as mencionadas verbas não sejam suportadas pelo orçamento da
assistência social e sim, pelo do Poder Judiciário, que está admitindo ser acionado na ausência
de lide contemporânea ao ingresso da ação.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5001018-63.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: PEDRO EUGENIO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - MSS1398700
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PEDRO EUGENIO
Advogado do(a) APELADO: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - MSS1398700
V O T O
Da preliminar de ausência de requerimento administrativo
Não assiste razão ao Ministério Público Federal.
O Supremo Tribunal Federal (STF), concluindo o julgamento do Recurso Extraordinário (RE)
631240, com repercussão geral reconhecida, no dia 03.09.2014, não estabeleceu prazo para o
ajuizamento da ação após o indeferimento do benefício no âmbito administrativo, bem como não
impôs qualquer restrição acerca da antiguidade do requerimento administrativo relativamente à
data do ajuizamento da demanda.
Sendo assim, ainda que o autor tenha requerido administrativamente o referido benefício em
29.12.1998, resta configurado o interesse de agir, não se justificando a exigência de novo
requerimento.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica
realizada em 25.09.2014 (Id. 88194 - Pág. 1-5), atesta que o autor é portador de retardo mental
grave, apresentando incapacidade total e permanente para qualquer atividade laborativa.
Portanto, a parte autora fará jus ao benefício assistencial caso preencha o requisito
socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para
'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras
pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 05.02.2015 (Id. 88218 - Pág. 1-6) constatou que
o núcleo familiar do autor é formado por ele e sua mãe, Maria Aparecida dos Santos Monte (86
anos). Residem em casa própria, de madeira, sem pintura, em precárias condições de
conservação, coberta com telha de cerâmica em péssimas condições e piso de cimento
queimado, contendo várias rachaduras. O imóvel tem dois quartos, uma sala, uma cozinha e um
banheiro externo. Nele também residem uma sobrinha (Katicilene) e um sobrinho neto
(Richarlison, filho de Katicilene) do requerente. O mobiliário que guarnece a residência também
apresenta precárias condições de conservação e a família possui o básico para suas
acomodações. O autor é analfabeto, não faz acompanhamento médico, não possui vida social,
sai de casa somente acompanhado com a genitora, quando frequenta o culto religioso de uma
igreja localizada em frente a casa. Não recebem visitas de familiares e poucos amigos
frequentam a casa do autor. O autor nunca exerceu atividade laboral, tem entendimento limitado,
conversa apenas com os familiares e mantém-se alheio aos assuntos tratados a sua volta. A
família reside em bairro da periferia, onde não há fácil acesso ao transporte público ou mesmo
unidades básicas de saúde. A única renda fixa da família provém do benefício de valor mínimo
recebido pela Srª Maria Luiza, que verbaliza preocupação com o filho (autor), que não tem meios
de prover seu próprio sustento. Concluiu a assistente social que o demandante vive em situação
de pobreza.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o
requisito referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à
concessão do benefício assistencial.
Fixo o termo inicial do benefício na data da citação (25.02.2013 - Id. 88220 - Pág. 1-2), uma vez
que não é possível aferir se na data do requerimento administrativo realizado há mais de 17 anos,
em 29.12.1998, o autor reunia os requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado.
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF,
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 870.947, 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux).
Mantenho os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa, tendo em vista terem sido
arbitrados em valor fixo, nos termos do art. 20, §4º, do CPC.
Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida pelo Ministério Público Federal e, no mérito, dou
parcial provimento à apelação do réu e à remessa oficial para que as verbas acessórias sejam
aplicadas na forma acima explicitada e dou parcial provimento à apelação da parte autora, para
fixar o termo inicial do benefício em 25.02.2013, data da citação.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído
com os devidos documentos da parte autora PEDRO EUGENIO, bem como de sua representante
Aparecida Eugênio Ajala, para que o benefício de prestação continuada seja implantado de
imediato, com data de início (DIB) em 25.02.2013, no valor mensal de um salário mínimo,
conforme artigo 497, caput, do novo Código de Processo Civil.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PRELIMINAR.
DESNECESSIDADE DE NOVO REQUERIMENTO COM DATA MAIS RECENTE. REQUISITOS
LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA.
INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
TERMO INICIAL.
I - O E. Supremo Tribunal Federal (STF), concluindo o julgamento do Recurso Extraordinário (RE)
631240, com repercussão geral reconhecida, no dia 03.09.2014, não estabeleceu prazo para o
ajuizamento da ação após o indeferimento do benefício no âmbito administrativo, bem como não
impôs qualquer restrição acerca da antiguidade do requerimento administrativo relativamente à
data do ajuizamento da demanda.
II- Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI -Mantenho os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa, tendo em vista terem
sido arbitrados em valor fixo, nos termos do art. 20, §4º, do CPC.
VII - Termo inicial do benefício fixado na data da citação (25.02.2013), uma vez que não é
possível aferir se na data do requerimento administrativo realizado há mais de 17 anos, em
29.12.1998, o autor reunia os requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado.
VIII - Preliminar arguida pelo Ministério Público Federal rejeitada. Apelação do réu e remessa
oficial parcialmente providas. Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar arguida pelo Ministério Público Federal e, no mérito, dar
parcial provimento à apelação do réu e à remessa oficial e dar parcial provimento à apelação da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA