Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002497-23.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
07/06/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 15/06/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REMESSA OFICIAL. LEI
8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E.
STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS.
POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO A ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. TERMO INICIAL.
JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS
PERICIAIS. CUSTAS.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é o de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - O artigo 5º, caput, da Constituição da República, garante a igualdade entre as pessoas, sem
distinção de qualquer natureza, bem como assegura aos estrangeiros residentes no país as
mesmas garantias dadas aos nacionais.
VI - Considerando a residência permanente da autora em território nacional, não há razão para
distinção no que toca à assistência social, tanto mais por se tratar de um direito fundamental, que
independe da nacionalidade da pessoa necessitada.
VII - Termo inicial do benefício mantido na data do requerimento administrativo, consoante firme
entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VIII – A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de
regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado
em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta
de poupança a partir de 30.06.2009.
IX - Ante o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do disposto no
artigo 85, § 11, do CPC de 2015, basede cálculo da verba honorária fica majorada para as
parcelas vencidas até a presente data, conforme o entendimento desta 10ª Turma.
X - Os honorários periciais devem ser mantidos em R$ 600,00, nos termos do art. 10 da Lei
9.289/96.
XI - Por fim, o STJ entendeu que a Lei Estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei
Estadual nº 1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei Estadual nº 3.002/2005, que trata
de custas, e não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do
Sul (Resp: 186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE,
Data de Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica mantida a condenação da autarquia no
pagamento das custas processuais.
XII - Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5002497-23.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: MARGARIDA MIRANDA GALIANO
Advogado do(a) APELADO: SINGARA LETICIA GAUTO KRAIEVSKI - MS9726000A
APELAÇÃO (198) Nº 5002497-23.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: MARGARIDA MIRANDA GALIANO
Advogado do(a) APELADO: SINGARA LETICIA GAUTO KRAIEVSKI - MS9726000A
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado procedente pedidoformulado por Margarida Miranda Galiano, para
condenar o INSS a conceder-lhe obenefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição
da República, a partir da data do requerimento administrativo (05.11.2013). As prestações
vencidas deverão ser pagas de uma só vez, corrigidas monetariamente a partir da data em que
deveriam ter sido pagas, aplicando-se o INPC, e acrescidas de juros de mora na forma do Manual
de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. A autarquia foi condenada,
ainda, ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes arbitrados no percentual mínimo
a incidir sobre o valor da soma das prestações vencidas até a data da prolação da sentença.
Deferida a antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se a imediata implantação do
benefício em favor da demandante.
Em suas razões recursais, requer a Autarquia, inicialmente, o reexame de toda a matéria que lhe
foi desfavorável, na forma da Súmula 490 do STJ. No mérito, alega que a parte autora não
preenche o requisito relativo à deficiência, considerando que não é inapta para a vida
independente. Aduz, ademais que o estrangeiro não possui direito ao benefício assistencial,
porquanto a Lei nº 8.742/93 somente contempla os cidadãos. Sustenta, ainda, que a demandante
tampouco conseguiu lograr êxito em demonstrar a alegada situação de vulnerabilidade financeira,
visto que seu núcleo familiar aufere renda per capita superior ao máximo legal permitido por lei
para a concessão do benefício pleiteado. Subsidiariamente, requer seja o termo inicial do amparo
estabelecido na data da juntada do relatório social aos autos, sejam a correção monetária e os
juros de mora calculados na forma da lei nº 11.960/2009, sejam os honorários advocatícios
arbitrados em 5% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, bem como seja a
verba pericial reduzida para R$ 234,80. Por derradeiro, roga pela exclusão de sua condenação ao
pagamento das custas processuais. Suscita o prequestionamento da matéria ventilada.
Pelo documento ID Num. 1947578 - Pág. 146, foi noticiada a implantação do benefício em favor
da requerente.
Com contrarrazões, os autos vieram a esta Corte.
Em parecer, a representante do Ministério Público Federal opinou desprovimento do recurso do
INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5002497-23.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: MARGARIDA MIRANDA GALIANO
Advogado do(a) APELADO: SINGARA LETICIA GAUTO KRAIEVSKI - MS9726000A
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação do INSS.
Da remessa oficial tida por interposta.
Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe:
A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for
inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
Do mérito.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica
realizada em 24.04.2015 (doc. ID Num. 1947578 - Pág. 64/65) apontou que a demandante é
portadora de hipertensão arterial sistêmica, sequelas de acidente vascular encefálico (AVE),
massa expansiva em seio frontal, protruindo para órbita direita, de provável etiologia neoplástica,
causando exoftalmia (proptose ocular) à direita, obesidade grau I e arritmia cardíaca, que
configuram impedimentos de longo prazo com potencialidade para obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas. O expert salientou,
ademais, que a condição de analfabeta e a idade avançada tornam prejudicada a possibilidade de
reabilitação profissional.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 14.06.2015 (doc. ID Num. 1947578 - Pág. 76/79)
constatou que a autora reside com seus netos Nelson de Souza Catanhama, vendedor
ambulante, recebendo mensalmente aproximadamente R$ 700,00, e Wania Vieira Buscioli,
lavadeira, com remuneração mensal de cerca de R$ 550,00, e sua bisneta menor Ingryd Buscioli.
Vivem em imóvel próprio, guarnecido por eletrodomésticos sem valor apreciável, localizado em
rua não asfaltada e abastecida apenas pela rede de água.
Cumpre ressaltar que o conceito de família, para fins de deferimento de benefício assistencial,
deve tomar por base aqueles indivíduos arrolados no art. 20, § 1º, da lei 8.742/93, de modo que
os netos da autora não são considerados membros do núcleo familiar, não podendo a renda por
eles auferida por ser computada na renda mensal, para fins de concessão do amparo social ora
pleiteado.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o
requisito referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à
concessão do benefício assistencial.
De rigor, ainda, destacar que o artigo 5º, caput, da Constituição da República, garante a
igualdade entre as pessoas, sem distinção de qualquer natureza, bem como assegura aos
estrangeiros residentes no país as mesmas garantias dadas aos nacionais, nos seguintes termos:
"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:..."
Destarte, não merece prosperar a alegação de impossibilidade de concessão do benefício
assistencial para estrangeiro, haja vista a equiparação constitucional entre brasileiros e
estrangeiros residentes no país.
Confira-se, nesse sentido, a jurisprudência desta E. Corte:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL. IDADE SUPERIOR A SESSENTA E
SETE ANOS. COMPROVAÇÃO DE QUE A PARTE AUTORA NÃO CONTA COM
RENDIMENTOS OU OUTROS MEIOS DE PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU TÊ-LO
PROVIDO PELA FAMÍLIA. RENDA PER CAPITA INFERIOR A UM QUARTO DO SALÁRIO
MÍNIMO. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DO INSS CONHECIDA EM PARTE E
PARCIALMENTE PROVIDA.
(...)
- Matéria preliminar rejeitada. De acordo com o caput do art. 5º, da CF, é assegurado ao
estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais, em igualdade de
condições com o nacional. Desta forma não se pode restringir o direito ao amparo social por ter a
parte autora condição de estrangeira.
- O benefício de prestação continuada, ou assistência social, tem o escopo de prestar amparo aos
idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de
prover à própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Impossível à parte
autora, diante da situação concreta ter vida digna, ou, consoante assevera a Constituição
Federal, ter respeitada a sua cidadania, que são, às expressas, tidos por princípios fundamentais
do almejado Estado Democrático de Direito.
(...)
(TRF-3ªR.; AC n. 200403990336041; 8ª Turma; Rel. Des. Fed. Vera Jucovsky; Julg. 22.11.2004;
DJ 09.02.2005 - p. 141).
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA (AMPARO SOCIAL) A ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. POSSIBILIDADE.
- A condição de estrangeiro não impede o agravado de receber benefício previdenciário de
prestação continuada, pois, de acordo com o artigo 5º da Constituição Federal é assegurado ao
estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais em igualdade de
condição com o nacional.
- Satisfeitos os requisitos para a implementação do benefício de amparo assistencial.
Demonstrado ser o autor idoso, sem filhos, não tendo como prover sua manutenção, nem de tê-la
provida por parentes, mais idosos que o próprio autor e impossibilitados de auxiliá-lo.
- Aplicação do artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
- Agravo de instrumento a que se nega provimento.
(Agravo de Instrumento 149249, Rel Juíza Convocada Ana Pezarini, DJU de 21.02.2007, pág.
123).
Cumpre salientar que, no caso em tela, não se trata de estrangeiro de passagem pelo território
nacional ou em estadia transitória, porquanto consta dos autos que a autora é residente no Brasil.
Assim, considerando a residência permanente da autora em território nacional, não há razão para
distinção no que toca à assistência social, tanto mais por se tratar de um direito fundamental, que
independe da nacionalidade da pessoa necessitada.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo (05.11.2013;
Doc. ID Num. 1947578 - Pág. 46), consoante firme entendimento jurisprudencial nesse sentido.
Não há parcelas atingidas pela prescrição quinquenal, haja vista que a presente ação foi ajuizada
no ano de 2014.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.
Ante o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do disposto no artigo
85, § 11, do CPC de 2015, basede cálculo da verba honorária fica majorada para as parcelas
vencidas até a presente data, conforme o entendimento desta 10ª Turma.
Os honorários periciais devem ser mantidos em R$ 600,00, nos termos do art. 10 da Lei 9.289/96.
Por fim, o STJ entendeu que a Lei Estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei Estadual
nº 1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei Estadual nº 3.002/2005, que trata de custas,
e não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do Sul (Resp:
186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE, Data de
Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica mantida a condenação da autarquia no
pagamento das custas processuais.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por interposta.
Os valores em atraso serão resolvidos em sede de liquidação, compensando-se aqueles já
recebidos por força da antecipação dos efeitos da tutela.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REMESSA OFICIAL. LEI
8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E.
STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS.
POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO A ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. TERMO INICIAL.
JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS
PERICIAIS. CUSTAS.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é o de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - O artigo 5º, caput, da Constituição da República, garante a igualdade entre as pessoas, sem
distinção de qualquer natureza, bem como assegura aos estrangeiros residentes no país as
mesmas garantias dadas aos nacionais.
VI - Considerando a residência permanente da autora em território nacional, não há razão para
distinção no que toca à assistência social, tanto mais por se tratar de um direito fundamental, que
independe da nacionalidade da pessoa necessitada.
VII - Termo inicial do benefício mantido na data do requerimento administrativo, consoante firme
entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VIII – A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de
regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado
em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta
de poupança a partir de 30.06.2009.
IX - Ante o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do disposto no
artigo 85, § 11, do CPC de 2015, basede cálculo da verba honorária fica majorada para as
parcelas vencidas até a presente data, conforme o entendimento desta 10ª Turma.
X - Os honorários periciais devem ser mantidos em R$ 600,00, nos termos do art. 10 da Lei
9.289/96.
XI - Por fim, o STJ entendeu que a Lei Estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei
Estadual nº 1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei Estadual nº 3.002/2005, que trata
de custas, e não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do
Sul (Resp: 186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE,
Data de Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica mantida a condenação da autarquia no
pagamento das custas processuais.
XII - Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por
interposta., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
