
| D.E. Publicado em 04/10/2018 |
EMENTA
| CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. PRELIMINAR AFASTADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. MULTA |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida pelo INSS e no mérito, dar parcial provimento à sua apelação e à remessa oficial tida por interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017503-58.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator):Trata-se de apelação de sentença pela qual foi julgado procedente o pedido para condenar o INSS a pagar à parte autora o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição da República, no valor mensal de um salário mínimo, a partir do pedido administrativo (18.08.2014). As parcelas atrasadas deverão ser pagas com correção monetária e juros de mora na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal. O INSS foi, ainda, condenado ao pagamento de despesas processuais e de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as prestações vincendas na forma da Súmula 111 do STJ. Não houve condenação em custas. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela para a implantação do benefício, sob pena de multa a partir do 15º dia.
Em consulta aos dados do CNIS (em anexo) observa-se a implantação do benefício.
Em sua apelação, o Instituto réu pede, preliminarmente, a suspensão dos efeitos da tutela antecipada. No mérito, aduz que não foram preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício em comento. Subsidiariamente, pede que os juros de mora e a correção monetária sejam calculada na forma da Lei 11.960/09, a fixação do termo inicial do benefício na data da juntada do laudo pericial ou estudo social, e a redução dos honorários advocatícios.
Após contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Em parecer, o representante do Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação do INSS. Subsidiariamente, opina pela fixação do termo inicial do benefício na data da citação.
É o relatório.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017503-58.2018.4.03.9999/SP
VOTO
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação do INSS.
Da remessa oficial tida por interposta
Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
Da preliminar
Cumpre assinalar que o entendimento de que não é possível a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica realizada em 19.10.2016 (fl. 79/80) constatou que o autor, atualmente com 47 anos, apresenta retardo mental moderado, sem comprometimento significativo do comportamento, transtorno de personalidade e comportamento decorrentes de doença, lesão e disfunção cerebrais, e transtorno orgânico de personalidade, estando incapacitado para o trabalho de forma total e permanente.
Observa-se, ainda, que o autor é interditado (fl. 12).
Portanto, a parte autora fará jus ao benefício assistencial caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 06.07.2016 (fl. 67/70) constatou que o núcleo familiar do autor é composto por ele, sua genitora, e três irmãos. Residem em imóvel da família em área rural, com infraestrutura simples, construção de alvenaria, piso de revestimento cerâmico, sem forro, telhas de cerâmica e com 6 cômodos. Possuem poucos móveis e eletrodomésticos, em estado regular de conservação. A casa é guarnecida por dois armários de madeira, uma mesa com cadeiras, um fogão, uma geladeira, um jogo de sofá, uma estante, uma televisão, quatro camas de solteiro, uma cama de casal e dois guarda-roupas. As despesas são com luz (R$ 120,00), gás de cozinha (R$ 65,00), medicação (R$ 200,00), alimentação e higiene (R$ 800,00). A renda é proveniente dos benefícios de aposentadoria por idade e pensão por morte, nos valores de um salário mínimo, recebidos pela genitora, benefício de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, recebido pelo irmão Severiano, que também realiza trabalho como rurícola, com uma renda em torno de R$ 300,00. A irmã Maria das Graças, curadora do autor, e o outro irmão não possuem renda. Foi observado no laudo que este irmão (Sérgio) também apresenta doença mental. A irmã ajuda com os cuidados do autor e da genitora.
O benefício de aposentadoria por idade recebido pela genitora deve ser excluído do cômputo da renda familiar, nos termos do art. 34 do Estatuto do Idoso, restando caracterizada renda "per capita" inferior a um salário mínimo, eis que são dois benefícios no valor de um salário mínimo para 4 pessoas. Mesmo considerado o benefício de aposentadoria recebido pela mãe do autor, a renda "per capita" ainda seria inferior a um salário mínimo.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que o autor preenche o requisito referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do benefício assistencial, devendo ser levado em conta tratar-se de núcleo familiar composto de pessoas portadoras de doenças mentais, que demandam cuidados especiais, além de uma idosa.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação (19.06.2015; fl. 29), eis que o pedido administrativo é relativo ao benefício de auxílio-doença.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de poupança a partir de 30.06.2009.
Prejudicada a questão relativa à multa diária, tendo em vista a inexistência de mora na implantação do benefício.
Mantidos os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do E. STJ - em sua nova redação, e entendimento firmado por esta 10ª Turma, conforme previsto no art. 85, § 11, do Novo CPC.
Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida pelo INSS e no mérito, dou parcial provimento à sua apelação e à remessa oficial tida por interposta para fixar o termo inicial do benefício na data da citação (19.06.2015), para que os juros de mora sejam calculados na forma anteriormente explicitada.
As parcelas recebidas em antecipação de tutela serão resolvidas em liquidação de sentença.
Expeça-se email ao INSS informando a procedência do pedido e a manutenção do benefício, com alteração do termo inicial do benefício para 19.06.2015.
É como voto.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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| Data e Hora: | 25/09/2018 17:57:12 |
