
| D.E. Publicado em 23/11/2018 |
EMENTA
| CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. PRELIMINAR AFASTADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. MULTA |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida pelo INSS e, no mérito, negar provimento à sua apelação e à remessa oficial tida por interposta e dar provimento à apelação da autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017581-52.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator):Trata-se de apelações de sentença pela qual foi julgado procedente o pedido para condenar o INSS a pagar à parte autora o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição da República, no valor mensal de um salário mínimo, a partir da citação (01.12.2017). As parcelas atrasadas deverão ser pagas com correção monetária e juros de mora na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal em vigor na data da sentença. O INSS foi, ainda, condenado ao pagamento de despesas processuais e de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as prestações vincendas na forma da Súmula 111 do STJ. Não houve condenação em custas. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela para a implantação do benefício, no prazo de 45 dias, sob pena de multa diária no valor de 1/30 do valor do benefício.
Em consulta aos dados do CNIS (em anexo), observa-se a implantação do benefício.
Em sua apelação, o Instituto réu pede, preliminarmente, a suspensão dos efeitos da tutela antecipada. No mérito, aduz que não foram preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício em comento. Subsidiariamente, pede a fixação do termo inicial do benefício a partir da data da juntada do laudo pericial, bem como que os juros de mora e a correção monetária sejam calculada na forma da Lei 11.960/09.
A autora apelante, em suas razões, requer a fixação do termo inicial do benefício a partir da data do requerimento administrativo efetuado em 27.12.2016, bem como a majoração dos honorários advocatícios ao percentual de 15% sobre o valor da condenação.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte.
Em parecer, o representante do Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação do INSS e pelo provimento da apelação da autora.
É o relatório.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017581-52.2018.4.03.9999/SP
VOTO
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo as apelações interpostas pelo INSS (fls. 139/155) e pela parte autora (fls. 158/161).
Da remessa oficial tida por interposta
Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
Da preliminar
Cumpre assinalar que o entendimento de que não é possível a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica realizada em 12.12.2017 (fls. 60/64) constatou que a autora, atualmente com 63 anos, é portadora de distúrbio ventilatório obstrutivo pulmonar crônico, com períodos de agravamento, mesmo em repouso, estando incapacitada para o trabalho de forma total e permanente.
Portanto, a parte autora fará jus ao benefício assistencial caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 02.12.2017 (fls. 35/41) constatou que a autora reside sozinha, em uma pequena casa construída no quintal da residência de seu filho, Paulo Sérgio Soldera, que é casado e tem três filhos. A residência possui dois cômodos apenas (sala e quarto), inacabados, sem forro, sem piso e sem reboco nas paredes. Os móveis ficam todos bem apertados e não há nenhum conforto no local. Ela não tem banheiro, utiliza o da casa filho. A casa é guarnecida por TV, fogão, geladeira e móveis básicos, a maioria amontoada por falta de espaço. A autora não dispõe de nenhuma renda própria, seu único rendimento é um benefício "Renda Cidadã", no valor deR$ 80,00 (oitenta reais), que ela utiliza para comprar alimentos. Ela também recebe cestas básicas do CRAS a cada dois meses. Seu filho trabalha como pedreiro e ganha, em média, R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais). Mesmo com pouca renda e dificuldades para sustentar a própria família, acolheu a mãe que não tinha onde morar.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a autora preenche o requisito referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (27.12.2016; fl. 82), em conformidade com sólido entendimento jurisprudencial.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de poupança a partir de 30.06.2009.
Prejudicada a questão relativa à multa diária, tendo em vista a inexistência de mora na implantação do benefício.
Os honorários advocatícios devem ser majorados para 15% (quinze por cento) do valor das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do E. STJ - em sua nova redação, e entendimento firmado por esta 10ª Turma, conforme previsto no art. 85, § 11, do Novo CPC.
Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida pelo INSS e no mérito, nego provimento à sua apelação e à remessa oficial tida por interposta e dou provimento à apelação da autora para fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo (27.12.2016), e para fixar os honorários advocatícios em 15% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença.
As parcelas recebidas em antecipação de tutela serão resolvidas em liquidação de sentença.
Expeça-se email ao INSS informando a procedência do pedido e a manutenção do benefício, com alteração do termo inicial do benefício para 27.12.2016.
É como voto.
Desembargador Federal Relator
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| Data e Hora: | 06/11/2018 19:51:40 |
