Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001390-41.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
07/06/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 14/06/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR
OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - O termo inicial do benefício fica mantido na data da citação (19.11.2013), momento em que o
INSS teve ciência da pretensão da autora, devendo ser esclarecido que a autora recebeu
benefício previdenciário de 01.12.2008 a 18.09.2009, que o laudo pericial fixou a data de início da
incapacidade laborativa em 13.05.2009 e que foi protocolado requerimento administrativo em
14.11.2012, cujo procedimento foi encerrado por desistência da requerente.
VI - Ante o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do disposto no
artigo 85, § 11, do CPC de 2015, basede cálculo da verba honorária fica majorada para as
diferenças parcelas até a presente data, conforme o entendimento desta 10ª Turma.
VII – Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5001390-41.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ZILDA FERREIRA BARBOSA
Advogado do(a) APELADO: MAIZA DOS SANTOS QUEIROZ BERTHO - MS1019700A
APELAÇÃO (198) Nº 5001390-41.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ZILDA FERREIRA BARBOSA
Advogado do(a) APELADO: MAIZA DOS SANTOS QUEIROZ BERTHO - MS1019700A
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Sergio Nascimento (Relator):Trata-se de apelação de sentença pela
qual foi julgado procedente pedido formulado em ação ordinária, para condenar o INSS à
concessão de benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição da República,
equivalente a um salário mínimo mensal, desde a data da citação, em 19.11.2013. As prestações
em atraso deverão ser pagas de umas só vez, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros
de mora na forma da Lei nº 11.960/2009, com a observância do que restou decidido pelo
Supremo Tribunal Federal nas ADI 4425 e 4357. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento de
honorários advocatícios arbitrados em 10% das parcelas vencidas até a data da sentença. Sem
custas. Deferida a antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se a implantação do benefício
no prazo de 30 dias.
Em apelação, a Autarquia alega que não restou caracterizada a miserabilidade da parte autora e
que a renda familiar considerada pelo estudo social não reflete a realidade, já que os dados do
CNIS revelam que os filhos Uilllian Barbosa Ramiro e Igor Henrique Barbosa Ramiro recebem
remuneração equivalente a R$ 1.198,92 e R$ 952,49, respectivamente. Aduz, ademais, que a
despeito da segunda perícia judicial, a demandante exerceu atividades laborativas em 2015.
Afirma que a requerente não se enquadra no conceito normativo de pessoa portadora de
deficiência, já que o primeiro laudo pericial elaborado nos autos, em total congruência com os
exames médicos realizados na seara administrativa, demonstra que as patologias de que ela é
portadora não acarretam incapacidade laborativa. Suscita o prequestionamento da matéria
ventilada.
Pelo documento ID Num. 1769573 - Pág. 100, foi noticiada a implantação do benefício em favor
da demandante.
Com contrarrazões, os autos vieram a esta Corte.
A d. representante do Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso do INSS,
alterando-se a sentença somente no que diz respeito ao termo inicial do benefício, o qual entende
deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo (01.12.2008).
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5001390-41.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ZILDA FERREIRA BARBOSA
Advogado do(a) APELADO: MAIZA DOS SANTOS QUEIROZ BERTHO - MS1019700A
V O T O
Recebo a apelação do INSS, na forma do artigo 1.011 do CPC de 2015.
Da remessa oficial.
Tenho por interposto o reexame necessário, a teor do disposto na Súmula 490 do STJ.
Do mérito.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica
realizada em 14.08.2015 (ID Num. 1769573 - Pág. 15/26), atesta que a autora é portadora de
Sequelas de Doenças Cerebrovasculares (CID10 T 79), tendo sido submetida a cirurgia de
aneurisma cerebral roto, com transtornos cognitivos e comportamentais, além de Hiperceratose
Plantar Bilateral (CID10 A 69) / calosidades excessivas nas plantas dos pés. Conclui pela
incapacidade laborativa total e permanente da demandante, desde 13.05.2009.
Saliento que eventual notícia sobre exercício de atividade laborativa por parte da autora no ano
de 2015 não elide, por si só, a incapacidade, baseada no laudo médico-pericial, haja vista que,
em tal situação, o trabalho acontece por falta de alternativa para seu sustento, de modo a
configurar o estado de necessidade.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 11.04.2014 (Doc. ID Num. 1769572 - Pág.
107/109), relata que a requerente vive com sua genitora, seu companheiro, seus três filhos e seus
dois netos, sendo o núcleo familiar composto por 08 (oito) integrantes. A mãe da requerente,
Maria Ferreira Barbosa, recebe aposentadoria por idade e pensão por morte no valor de um
salário mínimo cada. Seu companheiro, José Ramiro dos Santos, é titular de aposentadoria por
invalidez no valor de R$ 1.384,47. Já seus filhos Igor, Silvana e Uilliam encontravam-se, à época,
desempregados. Sua neta, Estefany Beatriz Barbosa de Santana, recebe pensão alimentícia no
valor de R$ 150,00, que deve ser desconsiderado, ante seu caráter alimentar e personalíssimo,
destinado a suprir as despesas da alimentanda. Seu neto, Caíque Rafael Ferreira da Silva, aufere
Bolsa Família no valor de R$ 134,00. Residem em imóvel alugado, no valor de R$ 300,00, que na
realidade se trata de um salão (antigo bar) que foi repartido com compensado em três ambientes,
quais sejam, quarto, sala e cozinha, sendo o banheiro localizado na varanda da frente, em área
externa, fechada com balaústre. As condições de moradia são insatisfatórias, haja vista o elevado
número de moradores, que não gozam de privacidade e conforto, já que muitos deles dormem em
colchões na sala e na cozinha. Os móveis que guarneces a residência são antigos e pouco
conservados e os eletrodomésticos são os de uso cotidiano: geladeira, fogão, tanquinho,
televisão e ventilador. A moradia é servida de água de poço e não é atendida pela rede de
esgoto. Foram informadas despesas com energia elétrica (R$ 88,92), farmácia, salientando-se
que o marido da requerente é cardiopata e também necessita de diversos remédios (R$ 300,00),
aluguel (R$ 300,00) e alimentos, que vão sendo adquiridos conforme a necessidade, de modo
que não é possível especificar a quantia despendida mensalmente.
Destaco, por outro lado, que o filho Igor Henrique Barbosa Ramiro foi contratado pela empresa
DANICAZIPCO SISTEMAS CONSTRUTIVOS S.A. em 20.09.2016, com salário equivalente a R$
379,62, e desligado da empresa em outubro de 2016, de modo que a remuneração de R$ 952,49
se refere ao pagamento das verbas rescisórias. Através de consulta as dados do CNIS, constata-
se que Igor também manteve vínculos empregatícios entre 01.09.2017 a 15.10.2017 e 21.11.2017
a 04.01.2018, encontrando-se, atualmente, desempregado.
Já Uilllian Barbosa Ramiro foi igualmente contratado pela firma DANICAZIPCO SISTEMAS
CONSTRUTIVOS S.A. em 14.09.2016, onde ficou até 02.12.2016 (doc. ID Num. 1769573 - Pág.
84/93), estando atualmente trabalhando junto à empresa Pelmex MS Ltda. desde 20.09.2017,
com remuneração equivalente a R$ 1.823,97.
A filha Silvana Ferreira Barbosa permanece desempregada desde 30.04.2015.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que, não obstante a renda per
capita da família seja superior a ¼ do salário mínimo, a autora preenche o requisito referente à
deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do benefício
assistencial, mesmo nos períodos em que os filhos mantiveram contrato de trabalho ativo.
O termo inicial do benefício fica mantido na data da citação (19.11.2013; doc. ID Num. 1769572 -
Pág. 39), momento em que o INSS teve ciência da pretensão da autora, devendo ser esclarecido
que a autora recebeu benefício previdenciário de 01.12.2008 a 18.09.2009 (doc. ID Num.
1769572 - Pág. 60), que o laudo pericial fixou a data de início da incapacidade laborativa em
13.05.2009 e que foi protocolado requerimento administrativo em 14.11.2012, cujo procedimento
foi encerrado por desistência da requerente (doc. ID Num. 1769572 - Pág. 65).
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.
Ante o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do disposto no artigo
85, § 11, do CPC de 2015, basede cálculo da verba honorária fica majorada para as diferenças
parcelas até a presente data, conforme o entendimento desta 10ª Turma.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por interposta.
Os valores em atraso serão resolvidos em sede de liquidação, compensando-se aqueles já pagos
por força da antecipação dos efeitos da tutela.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR
OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - O termo inicial do benefício fica mantido na data da citação (19.11.2013), momento em que o
INSS teve ciência da pretensão da autora, devendo ser esclarecido que a autora recebeu
benefício previdenciário de 01.12.2008 a 18.09.2009, que o laudo pericial fixou a data de início da
incapacidade laborativa em 13.05.2009 e que foi protocolado requerimento administrativo em
14.11.2012, cujo procedimento foi encerrado por desistência da requerente.
VI - Ante o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do disposto no
artigo 85, § 11, do CPC de 2015, basede cálculo da verba honorária fica majorada para as
diferenças parcelas até a presente data, conforme o entendimento desta 10ª Turma.
VII – Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por
interposta., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
