Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002269-82.2017.4.03.9999
Data do Julgamento
26/10/2017
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 31/10/2017
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR
OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS. IMPLANTAÇÃO
IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo,
conforme sólido entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VI – Honorários advocatícios fixados em 15% das prestações vencidas até a presente data, tendo
em vista que o pedido foi julgado improcedente no Juízo a quo.
VII – O STJ entendeu que a Lei estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei estadual nº
1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei estadual nº 3.002/2005, que trata de custas, e
não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do Sul (Resp:
186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE, Data de
Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica a autarquia condenada ao pagamento das
custas.
VIII – Determinada a imediata implantação do benefício, na forma do artigo 497 do CPC de 2015.
IX - Apelação da autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5002269-82.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: EDELIRA CHAMORRO ZACARIAS
Advogado do(a) APELANTE: JEAN HENRY COSTA DE AZAMBUJA - MS12732
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO (198) Nº 5002269-82.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: EDELIRA CHAMORRO ZACARIAS
Advogado do(a) APELANTE: JEAN HENRY COSTA DE AZAMBUJA - MS1273200A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PROCURADOR:
PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELADO:
Advogado do(a) PROCURADOR:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Sra. Juíza Federal Convocada Sylvia de Castro (Relatora): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado improcedente pedido formulado em ação na qual objetiva a parte
autora a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição da
República, ao argumento de que ela não se encontra incapacitada para exercer atividade
laborativa. A demandante foi condenada ao pagamento de custas e honorários advocatícios,
estes fixados em 10% sobre o valor da causa, observados os termos do artigo 98, § 3, do CPC de
2015.
Em sua apelação, a autora sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à
concessão do benefício almejado, visto que não possui capacidade para o trabalho e tampouco
tem condições de prover seu sustento.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Em parecer, o i. representante do Parquet Federal, opinou pelo parcial provimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5002269-82.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: EDELIRA CHAMORRO ZACARIAS
Advogado do(a) APELANTE: JEAN HENRY COSTA DE AZAMBUJA - MS1273200A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PROCURADOR:
PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELADO:
Advogado do(a) PROCURADOR:
V O T O
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
O laudo médico-pericial, elaborado em 17.06.2002 de fl. 85/86 atestou que a autora é portadora
da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), encontrando-se em tratamento desde o ano
de 2002 e não apresentando incapacidade laborativa.
Entretanto, em que pese o experto haja concluído pela possibilidade de a autora exercer
normalmente suas atividades profissionais, há que se ter em conta a grave patologia da qual é
portadora, bem como a necessidade de tratamento e acompanhamento contínuos. Nesse sentido,
são oportunas as seguintes considerações do i. representante do Ministério Público Federal em
seu parecer:
(...) o fato de a pessoa portar o vírus HIV é suficiente para concessão do benefício por
incapacidade (LOAS), independentemente do exame das condições de saúde do paciente. Isso
porque, considerando as condições pessoais e o estigma social do portador do vírus, a sua
relocação no mercado de trabalho mostra-se improvável.
Da mesma forma seria uma agressão injustificável submetê-lo na permanência de atividade
laboral, ante a dificuldade decorrente do preconceito sofrido.
Observe-se, nessa linha, o seguinte precedente desta 10ª Turma:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, DA
LEI Nº 8.742/93. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem
de tê-la provida por sua família. 2. Laudo pericial conclusivo pela capacidade laboral do autor,
todavia, o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção. 3. A
autoria preenche o requisito da deficiência para usufruir do benefício assistencial,
independentemente do grau de
desenvolvimento da doença que a acomete, levando-se em conta o estigma social que sofre o
portador do vírus HIV, bem como os conhecidos efeitos da enfermidade que podem levar à
limitação física do paciente, a possibilidade de retorno ao trabalho para desempenhar qualquer
atividade para garantir a sua própria subsistência é de todo improvável. 4. Demonstrado, pelo
conjunto probatório, que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, faz jus a autoria à percepção do benefício de
prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, desde a data da citação. 5. A
correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na
Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425. 6. Os juros de mora incidirão
até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção
desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a
Súmula Vinculante nº 17. 7. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas
no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111,
do e. STJ. 8. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art.
4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-
35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93. 9. Apelação provida em parte.
(AC 00353045520164039999, DESEMBARGADOR FEDERAL BAPTISTA PEREIRA, TRF3 -
DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/02/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:. - G.N.)
Portanto, a parte autora fará jus ao benefício assistencial caso preencha o requisito
socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para
'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras
pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente (STF. ADI
1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar (Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 11.09.2014 constatou que o núcleo familiar da
autora é formado por ela, o companheiro e três filhos do casal, entre 07 e 16 anos. Residem em
imóvel próprio, de alvenaria, composto de sala, dois dormitórios, banheira, cozinha e varanda,
guarnecidos com mobília básica necessária para o conforto mínimo. A subsistência da família
provém da renda que o companheiro da demandante recebe por trabalhar em um sítio, exercendo
a função de serviços gerais, no valor de um salário mínimo, além de R$ 120,00 auferidos de
programa social de transferência de renda. As despesas da família comportam os gastos com
alimentação (R$ 350,00), energia elétrica e abastecimento de água (R$ 100,00), medicamentos
(R$ 50,00) e pensão alimentícia devida pelo companheiro a filho que teve em relação
extraconjugal (R$ 145,00). A assistente social apurou, ainda, que a autora não possui
escolaridade e não exerce atividade laborativa e concluiu que ela e sua família estão vivendo em
situação de vulnerabilidade social.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o
requisito referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à
concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo
(21.05.2013), conforme sólido entendimento jurisprudencial nesse sentido.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.
Os honorários advocatícios ficam fixados em 15% das prestações vencidas até a presente data,
tendo em vista que o pedido foi julgado improcedente no Juízo a quo.
Por fim, o STJ entendeu que a Lei estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei estadual
nº 1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei estadual nº 3.002/2005, que trata de custas,
e não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do Sul (Resp:
186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE, Data de
Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica a autarquia condenada ao pagamento das
custas.
Diante do exposto,, dou provimento à apelação da autora, para julgar procedente o pedido,
condenando o réu a lhe conceder o benefício de prestação continuada previsto no artigo 203, V,
da Constituição da República, no valor de um salário mínimo, com termo inicial na data do
requerimento administrativo (21.05.2013). Honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por
cento) sobre o valor das prestações vencidas até a presente data. As verbas acessórias serão
calculadas na forma acima explicitada. As prestações em atraso serão resolvidas em liquidação
de sentença. Custas conforme fundamentação retro.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído
com os devidos documentos da parte autora Edelira Chamorro Zacarias, para que o benefício de
prestação continuada seja implantado de imediato, com data de início (DIB) em 21.05.2013, no
valor mensal de um salário mínimo, conforme artigo 497, caput, do novo Código de Processo
Civil.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR
OUTROS MEIOS. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS. IMPLANTAÇÃO
IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo,
conforme sólido entendimento jurisprudencial nesse sentido.
VI – Honorários advocatícios fixados em 15% das prestações vencidas até a presente data, tendo
em vista que o pedido foi julgado improcedente no Juízo a quo.
VII – O STJ entendeu que a Lei estadual nº 3.151/2005, que alterava o art. 7º da Lei estadual nº
1.936/1998, não tem o condão de modificar a Lei estadual nº 3.002/2005, que trata de custas, e
não isentou as autarquias federais de seu pagamento no Estado de Mato Grosso do Sul (Resp:
186067, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do TJ/CE, Data de
Publicação: DJe 07/05/2010), razão pela qual fica a autarquia condenada ao pagamento das
custas.
VIII – Determinada a imediata implantação do benefício, na forma do artigo 497 do CPC de 2015.
IX - Apelação da autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da autora, para julgar procedente o pedido,
condenando o réu a lhe conceder o benefício de prestação continuada previsto no artigo 203, V,
da Constituição da República, no valor de um salário mínimo, com termo inicial na data do
requerimento administrativo (21.05.2013)., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
