Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5904130-10.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
15/04/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 16/04/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção.
V-Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos do
artigo 85, § 11, do CPC, fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor
das parcelas vencidas até a data até a data do presente julgamento, eis que de acordo com o
entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.
VI- Apelação do réu improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5904130-10.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: G. V. H. M.
REPRESENTANTE: LIDIANE CRISTINA HOLITZ
Advogado do(a) APELADO: CARLOS ALBERTO DE ARRUDA SILVEIRA - SP270141-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5904130-10.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: G. V. H. M.
REPRESENTANTE: LIDIANE CRISTINA HOLITZ
Advogado do(a) APELADO: CARLOS ALBERTO DE ARRUDA SILVEIRA - SP270141-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo Sr Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado procedente a presente ação para condenar o requerido a conceder
à autora o benefício de prestação continuada, a partir do requerimento administrativo, e pelo
prazo mínimo de dois anos contados da data do laudo médico pericial. Sobre as prestações
atrasadas deverá incidir correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora, nos termos da Lei nº
11.960/09. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em
10% do valor atualizado das prestações vencidas até a data da sentença. Concedida a tutela
antecipada, determinando a imediata implantação do benefício, tendo sido cumprida a decisão
judicial pelo réu.
O réu recorre aduzindo não restarem preenchidos os requisitos para concessão do benefício, não
comprovado o estado de miserabilidade que autorize a concessão do benefício, posto que a
renda familiar é composta pela remuneração auferida pelo tio da autora, Sr Paulo Rogério Holitz,
que trabalha na empresa Bruner Ind. e Com. Ltda, auferindo renda no valor de R$ 3.677,86, dois
benefícios do avô, Sr. Paulo Roberto Holitz, que além de ser aposentado por tempo de
contribuição auferindo benefício no valor de R$ 1.036,37 também é beneficiário de pensão por
morte no valor de 1 salário-mínimo. Deste modo, a renda total do núcleo familiar da autora é de
R$ 5.712,26. Assim, considerando que o núcleo familiar é composto por 4 pessoas, a renda per
capta da família da autora é de R$ 1.428,06, ou seja, 1,43 salários-mínimos por pessoa, valor
muito superior a ¼ do salário-mínimo por pessoa, segundo critério estipulado por lei.
Com contrarrazões, os autos vieram a esta Corte.
O i. representante do Ministério Público Federal opinou pela conversão do feito em diligência,
para realização de novo estudo social.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5904130-10.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: G. V. H. M.
REPRESENTANTE: LIDIANE CRISTINA HOLITZ
Advogado do(a) APELADO: CARLOS ALBERTO DE ARRUDA SILVEIRA - SP270141-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC, recebo a apelação do réu.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia
realizada em 24.07.2018, atesta que a autora, com seis anos de idade, compareceu ao exame
acompanhada de sua genitora, que relatou que sua filha no período gestacional (5° mês)
apresentou quadro de cisto pulmonar e hidrocefalia, sendo que, após seu nascimento, foi
colocada válvula encéfalo-abdominal, realizando acompanhamento do cisto pulmonar no
momento do exame. Relatou, ainda, que sua filha apresentava quadro epiléptico quando do
aumento da temperatura corporal. O perito concluiu que a autora é portadora de alterações
importantes nas semiologias cerebral e pulmonar, em decorrência de hidrocefalia intra uterina e
desenvolvimento de cistos pulmonares, cujos quadros mórbidos ensejam em limitação
importante, necessitando de tratamento especializado, estimada sua duração em dois anos.
Nesse sentido, observa-se do atestado médico juntado aos autos, emitido por profissional da rede
pública de saúde em 15.06.2018, que a autora é portadora de esquizocefalia congênita, como
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Faz-se mister, aqui, observar o que dispõe o art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/2007:
Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
§ 1o Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação continuada às crianças e
adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência
e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social,
compatível com a idade.
Neste passo, em se tratando de criança, não há que se perquirir quanto à sua capacidade
laborativa, mas deve-se ter em conta as limitações que a deficiência de que é portadora impõem
ao seu desenvolvimento e a atenção especial de que necessita.
Assim, ante a conclusão da perícia, a deficiência apresentada pelaparte autora, autoriza a
concessão do benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista
possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência, aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 31.07.2018, atesta que o núcleo familiar da
autora é formado pela sua mãe, Lidiane Cristina Holitz, desempregada posto que necessita cuidar
da filha, seu avô materno, Paulo Roberto Holitz e tio materno, Paulo Rogério Holitz. O imóvel
pertence ao avô da autora, o qual provê a única renda da família, relatada como sendo de um
salário mínimo, proveniente de sua aposentadoria. O pai da autora cumpre pena prisional. A
autora fica doente com frequência, muitas vezes necessitando de internação hospitar, sendo que
seu avô arca com as despesas médicas. A família não possui veículo, telefonia fixa, internet,
computador, tampouco TV por assinatura, nem plano de saúde, contando a genitora, apenas,
com um aparelho celular.
A autarquia argumentou que, consoante verifica-se dos dados do Cadastro Nacional de
Informações Sociais, que o avô materno conta com dois benefícios: aposentado por tempo de
contribuição, auferindo benefício no valor de R$ 1.036,37, também é beneficiário de pensão por
morte no valor de um salário-mínimo e que o tio da autora recebe remuneração no valor de R$
3.677,86, razão pela qual o núcleo familiar é composto por 4 pessoas, a renda per capta da
família da Autora é de R$ 1.428,06, ou seja, 1,43 salários-mínimos por pessoa, valor muito
superior a ¼ do salário-mínimo por pessoa, segundo critério estipulado por lei
Todavia, “in casu”, há de ser considerado que se trata de criança com necessidades especiais
que demandam despesas extraordinárias, depreendendo-se do relatado no estudo social que o
rendimento dotio da autora não entra no cômputo da renda familiar, nos termos do art. 20, § 10º,
da Lei 8.742/93, razões pelas quais entendo que o conjunto probatório existente nos autos
demonstra o preenchimento da deficiência física, comprovada ainda a hipossuficiência
econômica, fazendo jus a autora à concessão do benefício assistencial, tendo em vista a
precariedade da situação econômica do grupo familiar e os problemas de saúde por ela
enfrentados.
Entendo, portanto, desnecessária a realização de novo estudo social.
Mantenho o termo inicial do benefício a contar da data do requerimento administrativo
(01.08.2017), devendo ser compensadas as parcelas pagas a título de antecipação de tutela,
quando da liquidação da sentença.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência.
Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos do
artigo 85, § 11, do CPC, fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor
das parcelas vencidas até a data até a data do presente julgamento, eis que de acordo com o
entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do réu.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção.
V-Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos do
artigo 85, § 11, do CPC, fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor
das parcelas vencidas até a data até a data do presente julgamento, eis que de acordo com o
entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.
VI- Apelação do réu improvida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egregia Decima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Regiao, por unanimidade, negar provimento a apelacao
do reu, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
