Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5443848-71.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
28/11/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/12/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DA BENESSE.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção.
V- O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do requerimento administrativo
(19.05.2016), tendo sido ajuizada a presente ação no mesmo ano em referência.
VI-Honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor das prestações vencidas até a presente
data, uma vez que o pedido foi julgado improcedente no Juízo "a quo", nos termos da Súmula 111
do STJ e de acordo com entendimento firmado por esta 10ª Turma.
VII-Determinada a implantação imediata do benefício de prestação continuada, com renda mensal
inicial - RMI a ser calculada pelo INSS, tendo em vista o "caput" do artigo 497 do CPC.
VIII- Apelação da parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5443848-71.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: T. R. S. D. L.
REPRESENTANTE: STEPHANIE KAROLINY DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: LUCIA RODRIGUES FERNANDES - SP243524-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: LUCIA RODRIGUES FERNANDES - SP243524-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5443848-71.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: T. R. S. D. L.
REPRESENTANTE: STEPHANIE KAROLINY DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: LUCIA RODRIGUES FERNANDES - SP243524-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: LUCIA RODRIGUES FERNANDES - SP243524-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo Sr Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido em ação objetivando a concessão do
benefício de prestação continuada. A parte autora foi condenada ao pagamento de custas
processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais), observada a
hipótese do art. 12, da Lei nº 1.060/50.
A parte autora apela, aduzindo restarem preenchidos os requisitos para a concessão da benesse
em tela.
O i. representante do Ministério Público Federal, em parecer, opinou pelo provimento da apelação
da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5443848-71.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: T. R. S. D. L.
REPRESENTANTE: STEPHANIE KAROLINY DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: LUCIA RODRIGUES FERNANDES - SP243524-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: LUCIA RODRIGUES FERNANDES - SP243524-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação da parte autora.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia
realizada em atesta que o autor, contando com 11 anos de idade, peso: 29kg, semi-alfabetizado,
é portador de epilepsia, transtorno de déficit de atenção e ansiedade, de causa neurológica, em
tratamento psicológico, neurológico e psicopedagógico, por termo indeterminado, em razão de
apresentar vários distúrbios e dificuldades que lhe causam limitações de atividades e restrição à
participação: aprendizado, relacionamento com pessoas, tarefas e demandas gerais, cuidado
pessoal, vida doméstica e em sociedade.
Faz-se mister, aqui, observar o que dispõe o art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/2007:
Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
§ 1o Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação continuada às crianças e
adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência
e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social,
compatível com a idade.
Neste passo, em se tratando de criança, não há que se perquirir quanto à sua capacidade
laborativa, mas deve-se ter em conta as limitações que a deficiência de que é portadora impõem
ao seu desenvolvimento e a atenção especial de que necessita.
Assim, ante a conclusão da perícia, a deficiência apresentada pelo autor, autoriza a concessão do
benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir
'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva
na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência, aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 29.03.2017, atesta que o núcleo familiar do autor
(Talisson Ryan Silva de Lira, 11 anos de idade) é formado por sua genitora (Stephanie Karoliny
da Silva, 29 anos de idade) e dois irmãos menores (Ana Clara Cavalle, 09 anos de idade e Luis
Antonio da Silva Laurentino, 07 anos de idade). Na ocasião, a genitora trabalhava, informalmente,
em uma loja de móveis planejados, percebendo a quantia de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta
reais) mensais, recebendo, ainda, o valor de R$300,00 (trezentos reais), proveniente de pensão
alimentícia recebida pelos irmãos do autor, sendo beneficiária de bolsa família. Quanto aos
gastos, referiram o valro de R$500,00(quinhentos reais) de aluguel da residência, R$140,00(cento
e quarenta reais) de transporte escolar (van) e R$100,00(cem reais) pagos à vizinha que cuida
das crianças até o retorno da mãe do trabalho. Dentre outras despesas estão: energia, água,
alimentação, etc. O autor faz uso de vários medicamentos controlados, fornecidos pela rede
pública, possuindo muita dificuldade no relacionamento com as pessoas e no rendimento escolar,
necessitando, sempre, do auxílio de sua genitora. Foi relatado pela mãe do autor que ele sofre
muito preconceito principalmente na escola, pois segundo ela, os “amiguinhos” da escola não
brincam com ele, fazem brincadeiras indesejadas por ser uma criança especial e acaba se
isolando por conta disso. Quanto à família, os irmãos brincam pouco com ele, na maioria das
vezes, ficando sozinho, apresentando grave limitação, necessitando de acompanhamento
especializado. Residem em imóvel pequeno, porém em bom estado de conservação e
satisfatório, contando com três cômodos, não possuindo sala, ficando o jogo de sofá na área
externa da casa. Foi informado, ainda, que o genitor do autor faleceu, sem deixar pensão, pois
não contribuía para a Previdência Social.. Em relação à situação sócio-econômica, a renda
familiar é aquém do necessário para a família sobreviver com dignidade. O valor líquido recebido
pela genitora e o valor da pensão alimentícia dos outros dois irmãos não suprem, sequer, as
despesas básicas com alimentação, educação, saúde, laser, vestuário e higiene.
Verifica-se dos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais que a genitora do autor
apresenta vinculo de emprego junto ao Colégio Guararapes Ltda, desde 01.08.2019, recebendo
remuneração no valor de R$ 1.299,17, não alterando substancialmente a situação fática posta em
Juízo.
Destaco que, “in casu”, trata-se de criança com necessidades especiais que demandam
despesas extraordinárias, sendo que o conjunto probatório existente nos autos demonstra que
preenche o requisito da deficiência física, comprovando sua hipossuficiência econômica, fazendo
jus à concessão do benefício assistencial, tendo em vista a precariedade da situação econômica
do grupo familiar e os problemas de saúde por ela enfrentados.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do requerimento administrativo
(19.05.2016), tendo sido ajuizada a presente ação no mesmo ano em referência.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência.
Honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor das prestações vencidas até a presente
data, uma vez que o pedido foi julgado improcedente no Juízo "a quo", nos termos da Súmula 111
do STJ e de acordo com entendimento firmado por esta 10ª Turma.
Diante do exposto,douprovimento à apelação da parte autora, para julgar procedente seu pedido
e condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, no valor de um salário
mínimo, a contar da data do requerimento administrativo (19.05.2016). Honorários advocatícios
fixados na forma retroexplicitada.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído
com os devidos documentos da parte autora, Talisson Ryan Silva de Lira, representado por sua
genitora, Stephanie Karoliny da Silva, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que
seja implantado o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, com data de
início - DIB em 19.05.2016, a ser calculada pelo INSS, tendo em vista o "caput" do artigo 497 do
CPC.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DA BENESSE.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora
apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
II- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção.
V- O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do requerimento administrativo
(19.05.2016), tendo sido ajuizada a presente ação no mesmo ano em referência.
VI-Honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor das prestações vencidas até a presente
data, uma vez que o pedido foi julgado improcedente no Juízo "a quo", nos termos da Súmula 111
do STJ e de acordo com entendimento firmado por esta 10ª Turma.
VII-Determinada a implantação imediata do benefício de prestação continuada, com renda mensal
inicial - RMI a ser calculada pelo INSS, tendo em vista o "caput" do artigo 497 do CPC.
VIII- Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egregia Decima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Regiao, por unanimidade, dar provimento a apelacao da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
